Scolari. ‘Paulo Bento é o grande reforço do Sporting’
Luiz Felipe Scolari atende o telefone em Tashkent e está a fazer jogging, dentro de casa. “Me liga daqui a uma hora”, pede o brasileiro, que levou Portugal à final doEuro-2004 e às meias-finais do Mundial-2006. Aos 60 anos de idade, Felipão continua o mesmo aventureiro de sempre. Uzbequistão é a sexta casa de treinador, após Arábia Saudita, Kuwait, Japão, Portugal e Inglaterra. Ao comando do Bunyodkor, ganhou seis jogos seguidos mas perdeu a final da Taça há exactamente uma semana. “Foi o árbitro, que nos expulsou um jogador aos nove minutos”, disse Scolari, já no segundo telefonema, depois do jogging caseiro e até da visita de um empregado do clube para resolver um problema técnico relacionado com a internet.“Aqui as conexões são mais demoradas. Ao que parece, só há duas torres de comunicação e demora-se um minuto ou dois para entrar num site.” A entrevista começa aqui. Não faça forward, tenha é sempre o rewind à mão. Scolari continua igual a si mesmo, com observaçõescuriosas, engraçadas e polémicas. Ouçamo-lo.
De Cascais para Tashkent em apenas ano e meio. Nota-se a diferença?
Certamente. Tashkent não é Lisboa nem Londres, mas digo-lhe uma coisa: tem quatro milhões de habitantes e pelo que pude entender ontem, de um cara russo que estava sentado na mesa ao lado da minha num restaurante, esta cidade já tem 2200 anos. Fiquei bobo! O Brasil só foi descoberto em 1500 e Tashkent já tem esse tempo todo. É muito, né? Tashkent fazia parte da rota da seda e é uma cidade agradável, embora não tenha as mesmas atracções das grandes metrópoles. O clima é igualzinho ao de Sevilha. Das nove às 18 horas, faz 35 graus, no mínimo. Por isso, só treino às sete da tarde. Aqui é quente, o que é bom para mim, porque gosto de calor.
É reconhecido nas ruas?
Sim, mas o calor não me permite sair mais vezes. Agora, são cinco horas da tarde e estou em casa, no fresquinho, enquanto olho lá para fora e vejo uma onda de calor no asfalto. Está-se bem aqui dentro. Mas sim, nos lugares onde vou entre supermercados e restaurantes, há uma meia dúzia de pessoas que me pedem autógrafos e me tiram fotografias. Não é a mesma coisa que Lisboa ou Londres, mas as pessoas são civilizadas.
E o futebol por aí?
Olha, isto é um país só com 18 anos de vida de futebol. Se eu, que tenho 60, ainda aprendo coisas no dia-a-dia, imagina um país com 18 anos! Em futebol, 18 anos é pouco. Falta um longo caminho, diria dois, três ou quatro anos, para a selecção se dar bem nos jogos com os grandes da Ásia, como Japão, Austrália e Arábia Saudita. Mas eles sabem difundir o futebol. O meu clube tem o Rivaldo –que é o melhor marcador da equipa e do campeonato, com 15 golos, e até está mais magro do que quando o treinei no Mundial-2002. Tem um estádio de 30 mil lugares no centro da cidade, sete campos de treino e um hotel cinco estrelas dentro do centro de estágio. Este caso é parecido com o da Arábia Saudita de há 20 anos ou o do Japão de há 15, quando estes dois países apostaram em brasileiros para melhorar e modernizar o futebol local. Aliás, o Uzbequistão vai ao Mundial sub-20 e está no bom caminho.
Mas o campeonato não é lá muito competitivo. No final da primeira volta, a sua equipa soma 14 vitórias e um empate, que significam dez pontos de avanço sobre o segundo classificado.
Sim, é verdade. Aqui há duas grandes equipas, quatro boas, quatro razoáveis e seis que estão sempre a lutar para não descer. Não entro em comparações, mas aí também é quase sempre assim.
Então?
Há três grandes equipas, cinco boas, duas razoáveis e o resto luta para não descer.
E o campeão é sempre o mesmo?
Vi o FC Porto-Paços de Ferreira para a Supertaça, apesar de aqui serem mais quatro horas que em Lisboa. Faço um parêntesis para te contar uma coisa engraçada: daqui para o Brasil, são oito horas de diferença. Então, tomo o café da manhã, o pequeno-almoço aí de vocês, a ver o Brasileirão [gargalhadas]. Nunca pensei em acordar e ver futebol. Por vezes, a minha mulher fica puto [irritada] comigo, porque nem olho para o prato. Só para a TV. Fecho o parêntesis e continuo. O FC Porto continua forte. É um time de união e a união faz a força. Era assim nas minhas equipas vencedoras, como Grémio [Taça Libertadores-95 e Brasileirão-1996], Palmeiras [Taça Libertadores-99] e Brasil [Mundial-2002]. Mas também gostei do Paços. Aliás, quero fazer um elogio ao Paulo Sérgio, um treinador jovem com ideias. Portugal está bem servido nesse capítulo, razão pela qual tem treinadores portugueses em todas as equipas.
O FC Porto é favorito, e os rivais?
Olha, não partilho da euforia do Benfica nem do cepticismo à volta do Sporting. O Jorge Jesus é óptimo, como treinador e pessoa, e é engraçado ouvi-lo. É natural e espontâneo. Aquilo é ele e mais ninguém. Os reforços do Benfica são bons, mas é preciso calma e tempo. As coisas não são assim de um momento para o outro. Já o Sporting é críticas aqui e ali mas tem o Paulo Bento. É o melhor reforço de todos. Ele é simples, humilde e tem o grupo na mão.
Mas…?
Calma, calma. Quero elogiar um “minino” aí, com futuro na baliza: Rui Patrício. No último jogo, com o Twente, ele deu uma mão muito grande ao Sporting. Fez duas defesas espectaculares e ainda foi lá à frente marcar um golo. Sim, não me digam agora que foi gol contra [autogolo]. Ahhhhh!
Já falou sobre os candidatos ao título. E os outros?
Aposto em Marítimo, que faz sempre um bom trabalho. Braga vai ficar entre os seis primeiros e não se deixe impressionar por este início de época com a eliminação da UEFA. Nacional, deixa ver, o Belenenses já não está, pois não?
Agora digo eu, calma, calma: o Belenenses já não está?
Sim, desceu para a 2.ª divisão, verdade?
Não, não. O Belenenses continua na 1.ª divisão. Quem desceu foi o Estrela da Amadora, porque não pagou os salários aosjogadores.
O quê?
É isso aí.
Não entendo nada. Então o presidente [da Federação Portuguesa de Futebol, Gilberto Madaíl] tirou 35 mil euros do meu ordenado pela multa daquele incidente com a Sérvia [Scolari tentou dar um murro em Dragutinovic, no final do jogo de qualificação para o Euro-2008, e a UEFA multou o então seleccionador de Portugal], para pagar aos jogadores do Estrela e você diz-me que o Belenenses entrou para o lugar do Estrela [pausa]. Deus do céu. Quem treina o Belém?
É o Carlos Pereira.
Ah, tá! [outra pausa] Não acredito. Então o cara tirou do meu ordenado para pagar o salário dos jogadores, eles mantêm a equipa no campo e descem na secretaria por salários em atraso! Deus do céu [desabafo]. Próxima pergunta.
Naturalizou Deco e Pepe. Segue-se Liedson na era Queiroz.
É, estou sabendo. Agora não foi um brasileiro que o naturalizou. Decidam agora para que lado vão as críticas. Quando fui eu, com Deco e Pepe, ouvi um monte de bobagens, até de ex-jogadores. E agora vão enfiar o chapéu em quem? Ééééééé!
in jornal i, 2009