#45 Braga 1965-66
Já se sabe, a Taça de Portugal é a competição mais democrática do país. E tudo começa nos primórdios, em 1939, com a vitória da Académica vs. Benfica por 4:3 nas Salésias.
Os anos 40 e 50 até nem são assim especialmente surpreendentes, ganham sempre os favoritos. Até que o Belenenses de Otto Glória interrompe essa lógica em 1960, vs. Sporting. No ano seguinte, o Leixões impõe-se ao FC Porto, e nas Antas. Em 1965, o Vitória FC impede a dobradinha do Benfica (3:1) e repete a presença no Jamor em 1966. Do lado de lá, o Braga. É a 26.ª final da Taça, a 17.ª no Jamor e a segunda sem qualquer grande metido ao barulho (1942, Belenenses vs. Vitória SC).
Estamos a 22 Maio 1966, ano de Mundial. Como a selecção portuguesa garante o apuramento inédito em Outubro do ano anterior, o calendário é ligeiramente apertado para dar tempo à recuperação dos artistas, sejam eles sportinguistas, benfiquistas, portistas e belenenses. Daí o Jamor em Maio.
Curiosamente, o mês de Maio abre com um Vitória FC vs. Braga para a última jornada da 1.ª divisão e estamos todos longe de saber de um reencontro na final da Taça de Portugal, à falta da realização das ½ finais. Na ocasião, o Vitória faz gala da sua superioridade e goleia sem espinhas por 8:1. Há bis de Armando, José Maria e Quim. Os restantes dois golos setubalenses pertencem a Carlos Manuel e Rui Sim-Sim (própria baliza) – o do Braga é de Adão. Nesse mesmo dia, o Sporting coroa-se campeão nacional na Póvoa com 2:1 vs. Varzim, golo heróico de Peres em golpe de peixe.
Sem direito a descanso, o Braga esgrime argumentos com o Sporting na tal ½ final da Taça de Portugal. Atenção, muita atenção, o Braga deixa um aviso à navegação com aquele 4:1 vs. Benfica na eliminatória anterior. O Sporting que se cuide. O jogo é movimentado e há pano para mangas. Antes do intervalo, o árbitro assinala penálti para o Braga. Chamado a bater, Perrichon erra o alvo e atira ao lado do poste de Carvalho, já balanceado para o lado contrário.
Na segunda parte, o Sporting adianta-se num livre directo de Morais, a castigar falta sobre Figueiredo à entrada da área. O Braga reage com energia e empata a cinco minutos do fim, por Bino, num encosto fácil à boca da baliza na sequência de uma jogada bonita de Perrichon.
Uma semana volvida, Sporting e Braga reencontram-se no José Alvalade e dá-se o contrário. É o Braga a adiantar-se no marcador, pelo inevitável Perrichon. Há demérito de Hilário na abordagem a um balão do lateral-direito Mário e o argentino combina bem com Adão antes de enganar Carvalho. Cinco minutos bastam para o Sporting equilibrar a eliminatória, cortesia Oliveira Duarte, após um canto de Morais e saída desajeitada do guarda-redes Armando II.
Se o Vitória FC já está garantido no Jamor, à conta de duplo 3:0 vs. Beira-Mar, tanto Braga como Sporting têm de fazer terceiro jogo em campo neutro. Escolhe-se o Restelo, daí a dois dias. E o Braga dá água pela barba ao campeão nacional. Perrichon é um perigo constante, sempre vagabundo e a provocar estragos. Aliás, é dele o golo solitário da noite numa rápida jogada em que ultrapassa Alexandre Baptista e pica a bola à saída de Carvalho. Grande classe, eis o Braga na final da Taça pela primeira vez.
Festa rija em Braga, óbvio. Durante uma semana, há duas cidades a sonhar com a Taça e nenhuma delas é Lisboa nem Porto. Que maravilha. O Vitória, por estatuto, é o favorito. Pelo 8:1 de há três semanas, a classificação na 1.ª divisão (5.º contra 10.º), a semana de repouso e o estatuto de campeão em título. Ainda para mais, o Braga convive com o novo treinador, Francisco Palmeira no lugar de José Valle – o lateral-direito Sim-Sim é o secretário-técnico, imagine-se.
Pois bem, a tudo isto, o Braga dá um valente chega para lá. O Vitória FC acusa não se sabe bem o quê e dá uma parte de avanço. O Braga agiganta-se e encontra o caminho do golo aos 79 minutos, por Perrichon. O argentino aparece isolado na cara de Mourinho e decide a final. Daí em diante, o Braga faz antijogo e o árbitro Braga Barros (olha olha, Braga? essa é boa) dá 88 segundos de descontos antes de soar o último apito.
Canário, com 21 anos de idade, sobe à tribuna de honra do Jamor e levanta a Taça para gáudio dos adeptos bracarense, alguns deles de Sevilha, de acordo com uma tarja. Aos jornalistas, os vencidos falam. E bem. ‘O Braga foi um bom vencedor, jogou com uma extraordinária garra e explorou muito bem o contra-ataque.’ (Fernando Vaz, treinador). ‘Felicito o Braga pela merecida conquista, obteve o golo na melhor altura com o oportunismo de Perrichon.’ (Jaime Graça, capitão).
O Braga entra assim no panorama europeu, via Taça dos Vencedores das Taças 1966-67. E, claro, Perrichon deixa a sua marca: dois golos ao AEK Atenas (3:2) e mais um ao Vasas (2:0). Por essa altura, já Sim-Sim é emigrante na Venezuela.
(a negrito, os jogos fora)
Ovarense 5:2 Bino-2 / Estêvão / Sabú / Armando Costa
Atlético 3:2 Luciano-2 / Valdemar (pb)
Lusitânia 3:0 Perrichon-2 / Adão
Lusitânia 3:2 Perrichon-3
Benfica 4:1 Adão-2 / Perrichon / Bino
Benfica 1:3 Adão
Sporting 1:1 Bino
Sporting 1:1 Perrichon
Sporting 1:0 Perrichon
Vitória FC 1:0 Perrichon