Great Scott #744: Quem falha o Portugal vs. Holanda em 1990 por castigo de Rinus Michels?
Ronald Koeman
Campeã europeia em título, a Holanda joga a qualificação para o Euro-92 no grupo com Portugal, Grécia e Finlândia. O arranque holandês é nas Antas, no dia 17 Outubro, célebre pelo golo solitário de Rui Águas numa noite fria e chuvosa.
Salta à vista a ausência de Ronald Koeman no onze, nem sequer no banco. Pudera, o central está no extremo oposto da Península Ibérica, em Barcelona, na casa de Johan Cruijff, munida de antena parabólica. Então, que se passa? Há mosquitos por cordas.
Na ressaca do Mundial-90, em Itália, onde a Holanda sai sem honra nem glória (zero vitórias em quatro jogos, eliminada nos oitavos-de-final pela futura campeã Alemanha), a federação contrata Rinus Michels para engatar a malta. Só que nem todos aprovam a escolha do general, sobretudo se tivermos em conta o nome do vencedor de uma votação entre os jogadores para o seleccionador (Johan ‘parabólica’ Cruijff).
Um dos insatisfeitos é Koeman, conhecido pela sua língua afiada. O primeiro jogo da Holanda no regresso de Michels é em Setembro 1990, curiosamente em Itália. Decide um golo de Roberto Baggio, em cima do intervalo. O onze inclui Koeman no meio da defesa, juntamente com Frank de Boer. À direita, Blind. À esquerda, Valckx. Aos 55 minutos, sai Koeman e entra Rutjes.
No fim do jogo, Koeman abre a boca e não só critica o novo jogo da Holanda como sugere o estilo do Barcelona para agradar a todos. Assim mesmo, sem mais nem menos. Michels nem quer acreditar e castiga-o com um jogo. No quadradinho seguinte, telefona a Cruijff e informa-o do assunto. O caldo está entornado.
Diz Michels. ‘Antes do Mundial-90, Van Tiggelen [outro defesa da Holanda] disse umas coisas e só não foi afastado porque o Beenhakker [seleccionador] falou ao coração dos dirigentes da federação. Mal acabou o Mundial, e na primeira reunião entre mim e a federação, concordámos em suspender todo e qualquer jogador que se insinuasse contra o jogo da selecção e/ou a federação. O Koeman, como vice-capitão, sabe dessa regra e desrespeitou-a em absoluto.’
Cruijff reage. ‘A história está mal contada. Ou melhor, nem sequer está toda contada. Há muita coisa de fora. Acho que o Michels quer jogar com Van Basten e Bergkamp na frente. Ora para entrar Bergkamp, tem de saltar Gullit. Ora Gullit é o capitão e não salta para fora, recua um pouco. Ora se recua, há outro que recua. E assim chegamos ao Koeman. Na cabeça de Michels, há um jogador a mais no seu onze e mais vale suspendê-lo do que dizer-lhe/nos a verdade.’
De Koeman nem ai nem ui, só depois de consumada a derrota com o tal golo de Rui Águas. ‘Surpreendeu-me o estilo defensivo de Portugal, só com um avançado e a jogar em casa (…) se apitam o penálti do guarda-redes [Silvino) sobre Van Basten e se Gullit marca esse penálti, o jogo muda, e muito, porque ainda estava 0:0, mas também é certo que Gullit faz penálti sobre um adversário.’ E sobre Michels? ‘Nada, ele tem mais que se preocupar do que comigo, está em causa um lugar no Euro-92.’
O caso corre muita tinta e Michels só perdoa Koeman a três jogos do fim da qualificação. O central ainda vai a tempo de ganhar 1:0 de Witschge vs. Portugal antes de selar o apuramento directo em Salónica (2:0 por Bergkamp e Blind). No Euro propriamente dito, Koeman é titular em todos os quatro jogos. Acredite ou não, Michels adopta o sistema de Cruijff no Barcelona e Koeman é muito mais líbero que central.