#56 Marselha 1988-89
Sete-dois. É dose. O Marselha, até então cinco vezes campeão nacional, é o terceiro grande em Framça – só atrás de Saint Étienne (9) e Reims (6). Estamos na última jornada da 1.ª divisão 1979-80, o Marselha está nos lugares de descida e visita o último classificado Brest. Surpresa das surpresas, acaba sete-dois. Para o Brest.
Grande coboiada. O Marselha já não tem esperança de sair do penúltimo lugar, entalado entre Best e Lyon (olha olha, outro Olympique), e apanha sete. Os jornais desportivos do dia seguinte anunciam a morte do Marselha, afundado desportiva e administrativamente, sem rei nem roque. Assim continua por uns bons anos. Até mais precisamente 1986, altura em que um jovem político irreverente chamado Bernard Tapie assume o controlo do clube, como sucessor de Jean Carrieu.
Fanfarrão e insolente qb, Tapie já é uma força da natureza. É ele o dono do império alimentar La Vie Claire, patrocinador da equipa de ciclismo mais famosa do mundo e vencedor do Tour 1985 (Bernard Hinault) e 1986 (Greg LeMond). A sua primeira decisão no Marselha é contratar um braço-direito e nomeia para o lugar de director do futebol um homem sábio chamado Michel Hidalgo, campeão europeu pela França em 1984.
As primeiras contratações fazem sonhar toda uma cidade. O avançado Papin é o primeiro a assinar, ele que dera nas vistas na selecção francesa durante o Mundial-86 com dois golos, um vs. Canadá, na estreia, outro vs. Bélgica, no jogo de atribuição do terceiro e quarto lugares. Seguem-se-lhe Alain Giresse (médio baixinho, peito para fora, sempre com a cabeça levantada e bola no pé), Karl-Heinz Förster (central alemão de eleição, finalista do Mundial-86) e ainda Jean-François Domergue (lateral-esquerdo da França do Euro-84 e herói improvável da ½ final vs. Portugal, com dois golos a Bento).
Os reforços adaptam-se às mil maravilhas e o Marselha acaba o campeonato em segundo lugar, a quatro pontos do Bordéus, também vencedor da Taça de França, vs. Marselha. Sempre no sentido de melhorar o plantel, Tapie abre os cordões à bolsa no Verão 1987 e saca mais dois nomes de nível indiscutível: o defesa francês Yvon Le Roux (curiosamente titular pelo Brest naquele 7:2 em 1980) e o goleador alemão Klaus Allofs. O Marselha 1987-88 acaba em sétimo na 1.ª divisão e chega à ½ final da Taça das Taças, eliminado pelo Ajax de Bergkamp.
O sucesso está ali à mão de semear. Domergue sai para o Caen e Giresse anuncia a retirada, Tapie vai buscar Sauzée ao Sochaux mais Cantona ao Auxerre. Com tão-só 22 anos, Cantona já é conhecido pelos actos de indisciplina. E também, vá, pela qualidade futebolística. Para compor o ramalhete, Cantona é natural de Marselha. ‘Cresci sempre a pensar na estreia pelo Marselha no Velódrome’. EI-lo a cumprir um sonho. De curta duração. E porquê?
Fácil, Cantona embrulha-se consigo mesmo e é suspenso do clube. Antes, faz dupla de ataque com Papin e, juntos, assinam 16 golos até ao final da primeira volta. Em Janeiro 1989, numa cidade francesa chamada Sedan, o Marselha junta-se ao Torpedo Moscovo para um jogo de caridade a favor das vítimas de um terramoto na Arménia. O cenário é bucólico para todos. Menos para Cantona, irritadiço desde o apito inicial. Às tantas, ainda na primeira parte, o árbitro dirige-se ao banco do Marselha para falar com o treinador Gérard Gili. Ou vai ou racha. Cantona respira fundo, o jogo recomeça e é racha. Cantona é então substituído. A caminho da linha lateral, pontapeia a bola na direcção dos adeptos e tira a camisola.
Tapie está furioso, nas bancadas. E, dias depois, suspende-o por um mês. Durante esse período, ninguém o vê. A ele, Cantona. Passado esse período, idem idem aspas aspas. Onde ele o miúdo? Em Barcelona, a negociar o futuro. No way. Yes way. Cantona vai até Barcelona e só não assina porque Cruijff está a pensar em Van Basten. Nem um, nem outro. Van Basten continua no Milan, já Cantona é emprestado ao Bordéus.
A vida continua em Marselha, e vai na crista da onda. Por obra e graça dos golos de Papin, 11 golos na primeira volta e mais 11 na segunda. É ele o melhor marcador da 1.ª divisão, com 22. E o Marselha coroa-se campeão francês num tête-a-tête com o PSG, resolvido a quatro jornadas do fim com um golo do meio da rua de Sauzée em cima do minuto 90, em pleno Velódrome. A loucura no estádio é algo de arrebatador.
(a negrito, os jogos fora)
Montpellier 1:1 Papin
Lille 1:2 Doaré (pb)
Sochaux 0:0
Toulouse 0:0
Nice 3:2 Papin-2 / Vercruysse
Saint-Étienne 0:0
Matra Racing 2:0 Cantona / Vercruysse
Estrasburgo 3:2 Papin-2 / Cantona
Laval 1:0 Le Roux
Lens 5:2 Papin-2 / Cantona-2 / Thys
Bordéus 0:0
Cannes 2:1 La Roux / Papin
Nantes 1:1 Papin
Metz 3:2 Papin / Sauzée / Vercruysse
Monaco 0:3
Caen 4:2 Papin / Cantona / Allofs / Vercruysse
PSG 0:0
Toulon 1:0 Papin
Auxerre 0:1
Lille 1:1 Vercruysse
Sochaux 0:0
Toulouse 3:1 Papin / Diallo / Allofs
Nice 2:2 Allofs-2
Saint-Étienne 2:0 Papin / KH Förster
Matra Racing 2:0 Papin / Vercruysse
Estrasburgo 3:1 Papin / Allofs / Flucklinger (pb)
Laval 1:0 Germain
Lens 1:0 Eyraud
Bordéus 2:2 Vercruysse / Eyraud
Cannes 1:3 Allofs
Metz 3:1 Papin / Sauzée / Thys
Nantes 1:0 Papin
Monaco 2:2 Sauzée / Papin
Caen 0:0
PSG 1:0 Sauzée
Toulon 2:1 Papin / Allofs
Auxerre 2:1 Papin-2
Montpellier 0:1