Great Scott #75: Primeiro jogador bicampeão nacional de iniciados, juvenis, juniores e seniores pelo mesmo clube?
Bandeirinha
Ponto prévio: Bandeirinha é uma figura sem igual. Único jogador português a ir a um Mundial sem qualquer internacionalização (México-86, no lugar de Veloso) e único hexacampeão nacional sem qualquer internacionalização. Estamos a falar só de seniores. Se puxarmos o filme atrás, vamos encontrar Bandeirinha nas camadas jovens do FC Porto, sempre bicampeão em todas as três categorias.
1977 iniciados
A aventura dos seis campeonatos seguidos no futebol jovem começa em 1977, mais precisamente a 10 Junho, uma sexta-feira. É feriado nacional e a final da Tapadinha dos iniciados apresenta um clube do norte e outro do sul. Sporting? Benfica? Belenenses? Nada disso vezes três. Há um golpe de teatro na última jornada da zona sul, com a derrota do favorito Sporting no campo do União de Coimbra por 1-0. O empate do Louletano no Restelo basta-lhe para garantir uma final inédita com o FC Porto, invicto na zona norte e sem sofrer qualquer golo em seis jogos (18-0). Engraçadíssimo, o embate entre o todo-poderoso Porto, cheio de recursos, e o digno Louletano, em que a dedicação é uma autêntica carolice, vivida dia a dia a pensar em botas, camisolas, bolas e campos para treinar. A vitória portista é indiscutível, com José Augusto a fazer o 1-0 e a fabricar o 2-0 de Quinito. A festa, essa, é algarvia. Os adeptos do Louletano entram em campo de forma pacífica e abraçam os seus jogadores. Juntos, dão uma volta à Tapadinha com as bandeiras desfraldadas numa imagem de rara beleza. E, já agora, compromisso com a cidade de Loulé, onde o futebol-distracção é uma realidade assente com os pés no chão. Bandeirinha é lateral-esquerdo.
1978 iniciados
No ano seguinte, na final de iniciados A, Bandeirinha joga a lateral-direito. Nem adianta, é o dia do azul. Seja celeste, como o da Argentina, seja mar, como o do Porto. Naquele sábado 25 Junho 1978, os dois ganham. A Argentina é campeã mundial em Buenos Aires, vs Holanda, após prolongamento, e o Porto é campeão nacional de iniciados. Curiosidade maiúscula: quatro golos em cada jogo. O do Monumental Nuñéz é mais renhido, vá. O do Mário Duarte é de sentido único. O Barreirense dá uma imagem pálida e nem dá luta – só escapa Carlos Manuel à letargia generalizada. Cardoso é o abre-latas de serviço, aos seis minutos. Voltaria a marcar aos 47’. Pelo meio, Marçal faz o 2-0. Pobre José Cigarro, guarda-redes barreirense impotente para conter a avalancha portista. Só mais um? Sim, é de Patena. Acaba 4-0, é a maior goleada de sempre numa final de iniciados.
1979 juvenis
Bandeirinha sobe de escalão, para os juvenis. Estamos em 1979 e o Porto volta a sagrar-se campeão nacional em mais um dia só azul. No basquetebol, o Porto arrebata a Taça de Portugal com uma inapelável 93-86 ao Sporting, em Tomar. Curiosidade, a cidade onde o Porto de juvenis levanta a taça de campeão campeonato com um resultado impensável para uma final. Cinco-um. É o sétimo título do Porto em 14 edições. Pobre Vitória sadino, sem pedalada para acompanhar o ritmo dos portistas. Como nota de rodapé, seis marcadores para seis golos. Do Porto, destaca-se, claro, a figura de Bandeirinha. Autor do 4-0, de penálti. Ele que joga a central. É um domingo, 8 Julho, dia em que António Oliveira trata de tudo com o Betis, com a ajuda do irmão Joaquim nas negociações com um emissário espanhol, e o Benfica embolsa uns quantos milhões de dólares pela transferência de João Alves para o PSG.
1980 juvenis
Ano novo, vida nova? É mais vira o disco e toca o mesmo. De novo em Tomar, de novo o Vitória FC. Agora, Bandeirinha a lateral-direito. Na final em Tomar, o 11 de Alberto Festa entra decidido e dá uma lição de bola. Que categoria. O Vitória, que afastara o Benfica, é uma sombra de si próprio. “Desde esse dia que baixámos os braços, é incompreensível”, diz o treinador Miguel de sua justiça. Falta, realmente, acção e reacção. Tudo, no fundo. No outro lado, o Porto joga nas horas. Os três internacionais portugueses Nóvoa, Bandeirinha e Durão aportam conhecimento e ritmo, o resto é paisagem. Para assegurar o segundo título seguido na categoria, o Porto marca dois golos de belo efeito, ambos de fora da área. O de Cardoso ainda bate no chão irregular na pequena area e trai o seguro Jaime. O de Miranda é um portento de jeito e força, ultrapassado o lateral-direito Midões.
1980 juniores
No mesmo ano, Bandeirinha joga também nos juniores. Um fenómeno. A lateral-direito, outra vez. Há FC Porto, Sporting, Académico e Olivais e Moscavide. Acredite, a competição é renhida. O Olivais comete a proeza de ganhar ao campeão FC Porto e empatar vs Sporting. Que chega invicto ao Porto, para a penúltima jornada. Em Alvalade, 0-0. Nas Antas, o nulo mantém-se até ao intervalo. Depois é um ver-se-te-avias. Uma falta dentro da área de Paulo sobre Coelho resulta no penálti do 1-0 de Quinito. O Sporting nem respira, porque Jaime Magalhães faz o 2-0, de cabeça, a centro de Pinheiro. No banco sportinguista, Aurélio Pereira introduz Pedro Xavier para se juntar ao irmão gémeo Carlos. Nada feito. Devidamente apoiada por 20 mil pessoas, a máquina do Porto é imparável e seria o suplente Pereira a fixar o 3-0, num sensacional chapéu fora da área sobre o guarda-redes Carlos Ferreira. A uma jornada do fim, com base no desempate por confronto directo, o FC Porto festeja mais um título.
1981 juniores
Mil-nove-e-oitenta-e-um. É o bis, é o bis. A federação inova e organiza uma final a duas mãos. Em vez de 80 minutos palpitantes, 160 de emoção pura. Primeiro nas Antas, depois em Alvalade, com um intervalo de uma semana. No Porto, a resistência física dos portistas dá resultado na segunda parte, através dos golos de Bandeirinha (60, penálti) e Martins (65). “Iremos dar tudo para garantir a finalíssima” é o desabafo do treinador sportinguista Marinho. Para tal, basta 1-0. Nem isso. O bicampeão Porto faz mesmo a festa do tri em Lisboa, com um futebol mais esclarecedor. E resultadista. O golo solitário pertence a Bobó, num remate do além, a mais de 30 metros, sem qualquer preparação. O guarda-redes Carlos Ferreira está adiantado e, para cúmulo, ainda se baixa ligeiramente a dar ideia de golpe de (má) vista. Na festa do título, António Feliciano é o espelho da alegria. “Fomos a única equipa nacional sem qualquer derrota, só dois empates, e sempre a jogar um futebol de ataque.” Pudera, com Bandeirinha a lateral-direito.
1988 seniores
Mais pontos (66), mais vitórias (29), mais golos marcados (88), menos golos sofridos (15), menos empates (8) e menos derrotas (1). Na primeira época com 20 equipas na 1.ª Divisão, o fantástico FC Porto excede-se, ganha sempre em casa (19 vitórias, tantas quanto o Benfica em toda a prova) e é campeão com inacreditáveis 15 pontos de avanço sobre o segundo classificado, o Benfica. Isto com a vitória a valer ainda dois pontos. Além do campeonato, a equipa de Tomislav Ivic mantém a estrutura de Artur Jorge – de malas aviadas para o Matra Racing francês – e ganha Taça de Portugal (1-0 ao Vitória SC) + Supertaça Europeia (pobre Ajax, duplo 1-0) + Taça Intercontinental (2-1 ao Peñarol, após prolongamento). Só falta a revalidação do título europeu, negada pelo Real Madrid. Um ano fabuloso para o FCP, só derrotada três vezes em 54 jogos. No plano individual, é bom destacar a pontaria de Gomes (21 golos, incluindo todas as provas), Rui Barros (17), Semedo (17), Sousa (16) e Madjer (14). Mais tímido, Bandeirinha acumula 11 jogos e zero golos.
1990 seniores
A qualidade e experiência de Bandeirinha, André, João Pinto, Geraldão, Jaime Magalhães e Semedo e, claro, os golos da dupla atacante Rui Águas-Madjer são argumentos de peso para vencer o campeonato nacional, o seu quarto nos últimos seis anos. É ainda o terceiro título de campeão de Artur Jorge, o treinador que gere com competência um plantel com 11 caras novas (os defesas Demol, Toni, Abílio, José Carlos e Barriga, os médios Kiki, Pingo e Nascimento e os avançados Marito, Jorge Couto e Caetano). Além disso, o Porto estabelece a goleada da época: 7-0 ao Tirsense, adversário que, curiosamente, elimina os dragões, para a Taça de Portugal. Dois meses depois, 1-0 ao Vit. Setúbal e festa de campeão. Bandeirinha é um dos elementos da equipa-tipo, à conta dos 33 jogos (e quatro golos).
Então e o segundo jogador bicampeão nacional de iniciados, juvenis, juniores e seniores pelo mesmo clube? Vííííííítor Nóóóóóóóóóvoa. Faz exactamente o percurso de Bandeirinha nas camadas jovens e é campeão pelos seniores na era Robson, em 1995 e 1996.