Única pergunta a um Sir
Damn it. Puxo pela cabeça e nada. Quer dizer, lembro-me de muita coisa. Da barba cómica de Peter Distzl, o guarda-redes da Hungria. Do cromo do Jordão, o primeiro bug da Panini em relação aos convocados de Portugal. Do André com um penso (logo existo?) na cabeça. Do Zico. Do Platini. Do Maradona. Do Altobelli. Do Mlynarczyk. Do Lineker. Do Francescoli. Do Dasaev. Começa o Mundial. Lembro-me (ferpeitamente, como diria o Obélix) do penálti falhado pela URSS naquele vendaval de bola à Hungria (6:0), com o tal barbudo na baliza. Da alegria de Mário Soares no 1:0 de Carlos Manuel à Inglaterra. De adormecer no chão da sala durante o 3:1 de Marrocos a Portugal. E do 2:0 de Diego à Inglaterra? Nada. Nem da mão de Deus. Onde estaria? Com que roupa? Com que sapatos? Com quem estaria? Nem uma pista. Vinte anos depois, chego ao Algarve para participar num torneio de golfe promovido por Bobby Robson. Encontro Frederico e Shilton, figuras do Portugal-Inglaterra nesse Mundial. Além de Robson, óbvio. O senhor já tem 73 anos e desloca-se com a ajuda de dois amigos. A senhora da organização pede a compreensão aos jornalistas, que não o sufoquem com perguntas sobre a actualidade desportiva. Há as perguntas da praxe. Como se sente, como é regressar a Portugal blá blá blá yada yada yada. Às tantas, ganho coragem, levanto a mão direita, é-me dada a palavra e cá vai disto.
‘Sr. Robson, o golo de Maradona faz 20 anos. Do que se lembra?’
Silêncio. (com o chilrear dos pássaros)
Silêncio embaraçoso. (já sem o chilrear)
Silêncio mais embaraçoso de sempre. (é audível o chilrear da minha cabeça).
Faço um buraco para sair desta ou…?
De repente, ‘Eu estava lá e vi tudo à primeira. Enganou-nos. Quer dizer, está a falar do 1:0, right?’ e esboça um sorriso generoso. ‘Ou é do 2:0? Aí deslumbrou-nos e também vi tudo à primeira.’
Outro smile. Over and out, Robson sai de cena com um aceno gentil de cabeça. Thanks a lot, Sir. E continuo sem saber onde estaria no golo do século. Damn it