Sangria de moscatel

Mais Shaken, Not Stirred 04/12/2021
Tovar FC

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Sangria de moscatel

Ouch. Nem sei de que terra sou. Fácil, o dia é 30 Maio 2014. A minha mãe faz anos a 31 e é também o último dia em que vejo o meu pai. Aliás, é a única vez que aparecemos juntos na televisão portuguesa, por ocasião de um quizz show. O programa consiste em ajudar concorrentes a ganhar uma vagem ao Mundial do Brasil, através do número de respostas certas a dez perguntas sobre bola. A produção dá-me boleia às 6-e-meia. É o meu dia de folga e combino almoço com quatro amigos no Zé dos Cornos. Desses quatro, três já são pais e bebo vinho tinto da casa à desgarrada na convicção de que os filhos estão à espera deles às quatro e tal. Só que, desta vez, é o dia das mães e os pais tiram a tarde. Ouch. Quando percebo isso, já me é impossível travar o andamento. Do Zé à feira na Praça da Figueira é um passo. Aos ziguezagues. Na feira, há sangria de moscatel. Dividimos jarros. No plural. Já pareço o Rob Lowe no Youngblood a meter os pequenos copos de vidro à frente dos olhos. Quando me lembro das horas, 1715. E penso em português: apanhar o metro-não apanhar, tomar banho-não tomar, vestir-não vestir. Ah, ainda dá para mais um jarro. Arrepio caminho. O metro está ali. Desço as escadas, ando um pouco e subo as escadas. Quando olho à volta, vejo os meus amigos sentados. No outro lado da rua. Ouch. Tento concentrar-me. Em vão. Antes de entrar em casa, compro um litro e meio de Coca-Cola e bebo-a quase de penálti. Continuo desfocado. Visto o fato, entro no carro da produção e remeto-me ao silêncio. Mesmo quando o artista convidado Vítor Baía entra na mesma boleia. No estúdio, oferecem-nos jantar. É buffet. O Vítor saca um prato generoso, eu só arroz. Vira-se para mim e ‘estás de ressaca?’. ‘Não, estou bêbado’. A gargalhada dele ouve-se em Bagdade. Quando o programa começa em directo, nem estou nervoso. Pudera, o álcool acama qualquer debilidade. A primeira pergunta é ‘o Euro-2004 tem quantos estádios?’. Respondo nove. Errrr, afinal são dez. ‘Tá bonito ‘tá. Ouch.

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