Great Scott #278: Quem treina o Benfica na goleada por 6:0 vs Barcelona?
Helena Costa
Leonardo da Vinci, lembra-se? É um inventor à maneira. Claudia Cardinale, tem ideia? É uma mulher à maneira. Samantha Fox… Lembra-se, claro, e tem mais que uma ideia: é uma “cantora” à maneira. Um pormenor une-os: o de nascimento a 15 de Abril. A estes três junte-se-lhes agora Helena Costa, uma treinador à maneira.
É portuguesa e é apresentada no Clermont, da 2.ª divisão francesa. Na sala de imprensa do clube, uma imensidão de jornalistas: 106 ao todo, de 65 países. É um fenómeno sem igual. A CNN está lá, a Al Jazeera também, a BBC (que não Bale-Benzema-Cristiano) idem.
Tem a palavra a Helena Margarida dos Santos e Costa, nascida a 15 de Abril de 1978, em Alhandra. “Sei que o impacto é enorme, mas peço que me olhem como um treinador normal, avaliado pelos resultados e pelo trabalho, não por ser mulher. Quero apenas ser avaliada pelo trabalho e pelos resultados.”
Okay, vamos a isso. Agora isso tudo dito em inglês. E depois em francês. Merci. É isso mesmo, Helena é poliglota, fala em três idiomas e sente-se à vontade. “Encaro isto como a minha profissão, e não como uma aventura ou uma jogada de marketing.”
Os jornalistas atropelam-se a pedir o microfone para fazer perguntas. Helena está sentada ao lado de Claude Michy (presidente do Clermont) e responde com tranquilidade, mesmo que o assunto seja a eterna guerra dos sexos. “Não vou mentir. Encontrei dificuldades, mas estou aqui. E é pelo meu trabalho, e não por outras coisas. É normal, quando és pioneira, quando estás a começar algo, encontrar obstáculos.”
Um parêntesis para falarmos de outras mulheres com tamanha competência desportiva como Helena. A primeira de todas é italiana, Carolina Morace de seu nome. Como jogadora, joga 150 vezes pela squadra azzurra (105 golos) e tem uma carreira larga, sem qualquer amor à camisola: joga em oito clubes e ganha 12 scudetti em 15 possíveis, de 1984 a 1998. Arruma as chuteiras no Modena e abraça a de treinadora.
O primeiro desafio é a equipa feminina da Lazio e depois oferecem-lhe o cargo em Junho de 1999 no Viterbese, da Serie C1 italiana. Oficial, é a primeira mulher a treinar homens. É sol de pouca dura, apenas dois jogos (duas derrotas, 3:1 vs Marsala e 5:2 vs Crotone). Despede-se por falta de apoio do presidente e por ter violado o silenzio stampa (black out, lei da rolha). “Nunca entendi isso de não falar com este e com aquele, não faz nenhum sentido”, justifica-se. Ela é que a sabe toda.
Outro parêntesis para Nelfi Ibañez. Sem o reportório de Morace, a boliviana tira dois cursos em Barcelona e sente-se uma treinadora a sério. Uma equipa chamada Hijos de Acosvinchos, da 2.ª divisão peruana, contrata-a e nem dura um mês. “Só tive tempo para conhecer os jogadores e fazer parte da pré-época.” Eis o Di Stéfano do Sporting (1974) ou o Del Neri do Porto (2004).
Menos de um ano depois, Ibañez é convidada para o Atlético Minero, também da 2.ª divisão do Peru. “O objectivo é a subida”, diz na apresentação oficial. Vinte-e-quatro-dias depois, o discurso é outro. “Não compreendo o presidente, sinto-me enganada. As mulheres têm o seu talento e podem impor-se no mundo dos homens.”
Claro que sim, por isso mesmo o Clermont chama Helena para dar um toque de magia. À sua disposição, um plantel com 25 jogadores, 19 deles franceses e os restantes fora da Europa (Camarões-2, Benim-2, Argélia e Guadalupe). Há quem lhe pergunte sobre os reforços para 2014-15. “Quem contrata é o director desportivo. Há uma ligação grande, como em qualquer clube, mas não sou eu a responsável. O jogador português pode ser uma mais-valia se tiver qualidade, como um espanhol, um inglês ou um francês.”
Estagiária no Sporting de Bölöni em Abril 2002, no Benfica de Jesualdo em Agosto 2002 e no Chelsea de Mourinho em Outubro 2005, Helena tem o dom de evoluir na carreira cá dentro antes de se aventurar no Qatar e Irão, onde se cruza com Carlos Queiroz. Há, aliás, um famoso jogo de qualificação entre Irão e Qatar para o Mundial-2014 em que a portuguesa é mais filmada que o próprio seleccionador nacional. Helena conta a história ao jornal Sol.
“Queiroz estava castigado e eu vi o jogo ao lado dele, na bancada, uma fila atrás do banco do Qatar. Nem me apercebi que estava constantemente a ser focada e passámos o jogo a trocar impressões. O Irão venceu 1-0 e abraçámo-nos efusivamente no final do jogo.” É o abraço de uma intensidade muito peculiar. “Aquele abraço entre um homem e uma mulher transmitido em directo nas televisões do Qatar e do Irão tornou-se simbólico. Tiveram um impacto enorme aquelas imagens de união entre as selecções feminina e masculina: um homem e uma mulher abraçados, sob a bandeira do Irão. A partir daí, passei a ser conhecida na rua: taxistas, empregados de loja, miúdos da escola. Toda a gente me pede autógrafos. Todos os dias, no final do treino, tinha de dar entrevistas à comunicação social iraniana, até decidir pôr um ponto final nisso.”
Pormenor: estamos no Irão, onde as mulheres têm as suas regras. “Esquecia-me algumas vezes de cobrir a cabeça, mas rapidamente tinha noção disso assim que as pessoas na rua olhavam para mim de forma fixa. Para evitar essas situações, passei a ter o hijab à porta de casa e uns meses depois já me esquecia de o tirar.” É de se lhe tirar o chapéu (ou o hijab).
Tal como o 6:0 ao Barcelona, de se lhe tirar o chapéu. Como é que é? Verdade, final pré-escolas do Mundialito-2007, em Vila Real, e o Benfica dá seis-secos. Marcam André Ricardo-2 (hoje capitão do Famalicão sub23), Tiago Castelinho (Sacavenense), Tiago Dantas (Bayern), Dário Cerqueira (Atlético) e Miguel Rodeia (Oriental). È um festival de bola sem igual. Helena ganha um lugar no céu e vai treinar o 1.º Dezembro, onde é bicampeã portuguesa nas duas épocas seguintes. Além disso, também acumula as respectivas Taças de Portugal com goleadas a zero, vs Albergaria (6:0) e Boavista (5:0).