Adeus aos golos fora na UEFA
Segunda eliminatória da Taça UEFA 1989-90. Nas Antas, o Porto ganha 3:1 ao Valencia. Na segunda mão, o treinador uruguaio Víctor Espárrago está confiante em dar a volta.
– Vai ser difícil ganhar 2:0?
– Sim, sim, dois-zero seria bom, mas o 1:0 é suficiente.
(pausa)
(pausa maior)
(pausa enorme)
– Desculpe, só dá 2:0. Com 1-0, o Valencia é eliminado.
– Os golos fora valem a dobrar. Se perdemos 3:1, basta 1:0.
– Valem a dobrar quando há um empate na eliminatória. O 1:0 só reduz a diferença para 3:2.
(pausa)
(pausa menor)
(pausa mínima)
Custa convencê-lo mas ele lá admite o equívoco aos jornalistas valencianos. “Na América do Sul, as eliminatórias são diferentes: um jogo vale dois pontos.” Exemplo? “Ganhas 5:0, perdes 1:0 e vamos a terceiro jogo em campo neutro.” – acontece precisamente isso na Taça Intercontinental 1960, entre Peñarol e Benfica, o problema é a ausência de campo neutro (Montevideo, por comum acordo das duas equipas no sentido de despachar a coisa e siga a marinha).
E nós, da Taça UEFA 1989-90? O Valencia ganha 3:2 (hat-trick de Fenoll), passa o Porto, curiosamente eliminado na ronda seguinte pelo Hamburgo. Como? Regra dos golos fora. Existe desde 67-68 e o Benfica é o primeiro a beneficiar, vs Glentoran, com 1:1 em Belfast e 0:0 na Luz. O golo de Eusébio é decisivo. E antes, como é? De 1955 a 1968, as eliminatórias resolvem-se com um terceiro jogo, razão pela qual o Sporting chega à final da Taça das Taças-64. Se a regra dos golos fora fosse então válida, o rugido do leão nem sequer se ouviria na segunda eliminatória pelo 2:0 em Bérgamo e 3:1 em Alvalade.
Em 1967-68, os golos fora só valem na primeira ronda (o tal Benfica-Glentoran), opção estendida para todas as eliminatórias em 1968-69. Até 1970-71, esta regra só não é válida para o prolongamento. A partir daí, é bar aberto. Esta lenga-lenga toda para quê? “Há muito que defendo que essa regra está ultrapassada e tem de ser alterada. Foi criada nos anos 60 para encorajar as equipas visitantes a jogar ao ataque. O futebol mudou e o peso do golo fora é exagerado.” Na ressaca do adeus na Liga dos Campeões 2014-15 provocado por Leonardo Jardim (1:3 em casa e insuficiente 2:0 no Monaco), o treinador francês Arsène Wenger queixa-se do peso exagerado dos golos fora. Logo ele que chega à primeira final europeia da carreira à custa de 1:1 e 2:2 vs Feyenoord em 1992.
Vem isto a propósito do adeus oficial da UEFA à regra dos golos fora a partir da próxima época 2021-22 (aqui para nós que ninguém nos ouve, daí o parêntesis para dar a sensação de um segredo muito íntimo, só sou contra a regra dos golos fora caso os dois jogos terminem empatados e lá voltamos ao Benfica vs Glentoran). Agora quando o exemplo é o do Monaco vs Arsenal, sou a favor da regra. Seja como for, a UEFA acaba com a regra e estipula o de sempre, prolongamento de 30 minutos mais penáltis.
Adiante, siga a marinha, só interessa dar conta dos exemplos portugueses de golos fora. O único clube 100% vitorioso é o Marítimo, apurado na única vez deste exercício, na Liga Europa 2012-13. É a 3.ª pré-eliminatória, vs Asteras (Grécia). Em Tripolis, 1:1 por Fidelis. Nos Barreiros, 0:0. Por outro lado, a única equipa 100% derrotada é o Vitória SC, na Taça UEFA 1996-97. Em Guimarães, 1:1. Em Bruxelas, 0:0. E os outros? Ei-los (a negrito, a alegria do apuramento)
BOAVISTA (2+1)
Taça das Taças 1979-80
Dínamo Moscovo, 0:0 em Moscovo, 1:1 no Bessa
Taça UEFA 2002-03
PSG, 1:2 em Paris, 1:0 no Bessa (Silva)
+
Hertha, 2:3 em Berlim, 1:0 no Bessa (Ávalos)
BRAGA (3+2)
Taça UEFA 2005-06
Estrela Vermelha, 0:0 em Belgrado, 1:1 em Braga
Liga Europa 2010-11
Dínamo, 1:1 em Kiev (autogolo de Gusev), 0:0 em Braga
+
Benfica, 1:2 na Luz, 1:0 em Braga (Custódio)
Liga Europa 2011-12
Young Boys, 0:0 em Braga, 2:2 em Berna (Hélder Barbosa, Lima)
Liga Europa 2018-19
Zorya, 1:1 em Zaporuzhzhy, 2:2 em Braga
VITÓRIA FC (3+1)
Taça UEFA 1971-72
Nîmes, 1:0 em Setúbal (Torres), 1:2 em Nîmes (Torres)
Taça UEFA 1972-73
Fiorentina, 1:0 em Setúbal (Duda), 1:2 em Florença (Duda)
+
Tottenham, 0:1 em Londres, 2:1 em Setúbal
Taça UEFA 1973-74
Molenbeek, 1:0 em Setúbal (Vicente), 1:2 em Bruxelas (Vicente)
SPORTING (1-6)
Taça das Taças 1971-72
Rangers, 2:3 em Glasgow, 4:3 no José Alvalade
Taça UEFA 1986-87
Barcelona, 0:1 em Camp Nou, 2:1 no José Alvalade
Taça UEFA 1994-95
Real Madrid, 0:1 no Santiago Bernabéu, 2:1 no José Alvalade
Liga dos Campeões 2009-10
Twente, 0:0 no José Alvalade, 1:1 em Enschede (Wisgerhof pb)
+
Fiorentina, 2:2 no José Alvalade, 1:1 em Florença
Liga Europa 2009-10
Atlético Madrid, 0:0 no Vicente Calderón, 2:2 no José Alvalade
Liga Europa 2010-11
Rangers, 1:1 em Glasgow, 2:2 no José Alvalade
BENFICA (5+3)
Taça dos Campeões 1967-68
Glentoran, 1:1 em Belfast (Eusébio), 0:0 na Luz
Taça UEFA 1982-83
Univ Craiova, 0:0 na Luz, 1:1 em Craiobva (Filipovic)
Taça dos Campeões 1989-90
Marselha, 1:2 em Marselha, 1:0 na Luz (Vata)
Taça das Taças 1993-94
Bayer, 1:1 na Luz, 4:4 em Leverkusen (Abel Xavier JVP Kulkov-2)
+
Parma, 2:1 na Luz, 0:1 em Parma
Taça UEFA 2003-04
Rosenborg, 1:0 na Luz, 1:2 em Trondheim (Nuno Gomes)
Liga Europa 2010-11
Braga, 2:1 na Luz, 0:1 em Braga
Liga Europa 2018-19
Eintracht, 4:3 na Luz, 0:2 em Frankfurt
FC PORTO (5+5)
Taça dos Campeões 1979-80
Real Madrid, 2:1 nas Antas, 0:1 no Santiago Bernabéu
Taça das Taças 1983-84
Dínamo, 1:2 em Zagreb (Gomes), 1:0 nas Antas (Gomes)
+
Rangers, 1:2 em Glasgow, 1:0 nas Antas (Gomes)
Taça das Taças 1984-85
Wrexham, 0:1 em Wrexham, 4:3 nas Antas
Taça dos Campeões 1985-86
Barcelona, 0:2 em Camp Nou, 3:1 nas Antas
Taça UEFA 1989-90
Hamburgo, 0:1 em Hamburgo, 2:1 nas Antas
Liga dos Campeões 2008-09
Atlético Madrid, 2:2 no Vicente Calderón, 0:0 no Dragão
Liga Europa 2010-11
Sevilha, 2:1 no Sánchez Pizjuán, 0:1 no Dragão
Liga Europa 2013-14
Eintracht, 2:2 no Dragão, 3:3 em Frankfurt (Mangala-2 Ghilas)
Liga dos Campeões 2019-20
Krasnodar, 1:0 em Krasnodar, 2:3 no Dragão