Eusébio e o convite do Vasco
Borges Coutinho pilota aviões da RAF (Royal Air Force, dos Aliados) na Segunda Guerra Mundial mas não vai ao ar quando o Vasco da Gama aparece em Lisboa para oferecer um megacontrato a Eusébio – 500 contos (2500 euros) por três meses, entre Fevereiro e Maio de 1970.
O Pantera ganhava 1300 contos (6500 euros) por 12 meses no Benfica e ficou encantado com o convite. Até vestiu a camisola do Vasco da Gama, mas o Benfica, que renovara o contrato com Eusébio em Setembro de 1969, diz ‘não’ aos intentos dos cariocas. Eusébio, está bom de ver, era inegociável. E por isso ficou na Luz, onde se sagrou melhor marcador da 1.ª divisão nacional pela sexta vez na carreira, desta vez com 20 golos em 22 jogos.
A história da cobiça brasileira pelo ouro português começou em Janeiro de 1970, quando o presidente do Vasco aterrou em Portugal, com o dinheiro na mala e o contrato pronto a assinar. O amor do Vasco – clube dos portugueses no Rio de Janeiro – por Eusébio nascera no mês anterior, quando Otto Glória desembarcou na cidade maravilhosa, despedido pelo Benfica (depois de uma derrota vs CUF, no Jamor) e já com trabalho assegurado na selecção brasileira, como adjunto de João Saldanha, com vista ao Mundial-70, no México.
No aeroporto do Galeão, Otto desabafou aos jornalistas: “O super-Benfica está acabado. Aliás, o futebol luso estagnou. Já não é o mesmo de há anos. Parou no tempo.” Mas havia uma excepção: Eusébio. “Esse não está acabado. Nem por sombras. Ele tem força e futebol para mais alguns anos. É um jogador extraordinário, um fora de série, não apenas para Portugal como para o Brasil.” E se ele fosse para o Vasco, perguntou alguém. “Aí, até eu próprio daria 50 contos [250 euros] do meu bolso para ajudar Agartino a trazer o fenomenal Eusébio para o Vasco.”
Agartino Gomes, presidente do Vasco da Gama e português de gema (embora o nome indique tudo menos isso), quis comprovar essa teoria e voou para Lisboa com essa missão, mas esbarrou no “não” do Benfica. De mãos a abanar, Agartino regressou ao Brasil sem o seu craque. E de mãos a abanar continua um vendedor brasileiro anónimo que pôs na internet uma camisola do Vasco, autografada por Eusébio, a troco de 51 mil euros.
O facto de ser uma camisola única e do Vasco campeão carioca motiva essa exorbitância, que ainda ninguém pagou, desde 2005. Houve até alguém que sugeriu com piada: “Por 51 mil euros, comprava o Eusébio e vestia-o de verde-e-branco.”
Outros clubes interessados em Eusébio
São Paulo
Eusébio era do Sporting de Lourenço Marques, quando José Carlos Bauer o viu em Moçambique como olheiro do São Paulo. Aconselhou-o ao clube são-paulino mas este não quis investir no avançado. Depois, Bauer falou com Bela Guttmann, seu treinador no Brasil, e Eusébio assinou pelo Benfica.
Juventus
Enviado um emissário a Lourenço Marques, o relatório deste é amplamente favorável á contratação de ‘um fenómeno sem igual’. Só que o Benfica chegara dois dias anterior ao tal acordo secreto com a mãe do jogador.
Inter
Eleito jogador do ano na Europa em 1965, Eusébio consagrou-se a nível planetário com o título de melhor marcador do Mundial-66 (nove golos). O Inter contrata-o, de facto. O problema é a derrota da Itália vs Coreia do Norte nesse Mundial. É uma vergonha nacional, e a federação italiano fecha imediatamente as portas aos estrangeiros e só as reabrirá em 1980. Lá se vai o negócio.
Sporting
Eusébio estava a jogar nos States, quando a época da NASL acabou no Verão português. Nas férias, em Lisboa, o Sporting faz-lhe uma oferta, mas o presidente João Rocha recua nas intenções depois de uma conversa com o seu homologo benfiquista Borges Coutinho. A ideia é evitar problemas. Com o jogador. E até entre os clubes.
Belenenses
Na mesma altura que Borges Coutinho e João Rocha assinavam o pacto (verbal) de não agressão, em 1977, o Belenenses intrometeu-se no concurso por Eusébio, mas as exigências deste foram consideradas elevadas pelo clube do Restelo. E foi assim que o Beira-Mar ficou com o avançado por meio ano.