Great Scott #527: Primeiro país a mudar a sede de uma ½ final do Mundial?

Great Scott Mais 04/26/2022
Tovar FC

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Great Scott #527: Primeiro país a mudar a sede de uma ½ final do Mundial?

Suécia

A vitória da RFA no Mundial-54 entra na história como o maior cometimento desportivo até então. Completamente devassada pelas contas finais da 2.ª guerra, a selecção ergue-se das cinzas e surpreende a invicta Hungria, com a qual perdera por clamoroso 8:3 na fase de grupos. Quinze dias depois, na final de Berna, a Hungria dá a sensação de ir pelo mesmo caminho com 2:0 aos oito minutos. A RFA contradiz a lógica e dá a volta ao texto com um golo de Morlock e mais dois de Rahn.

Quatro anos depois, a RFA continua desvalorizada pelos seus pares no Mundial Suécia-58 e continua a dar sinais de categoria internacional. Na fase de grupos, Rahn marca em todos os três jogos, vs Argentina (3:1), Checoslováquia (2:2) e Irlanda do Norte (2:2). Nos ¼ final, mais Rahn (1:0 vs Jugoslávia) – à mesma hora, a anfitriã Suécia sente o calor do seu público e dá 2:0 à favorita URSS.

O calendário inicial da FIFA dá uma meia-final em Estocolmo e outra em Gotemburgo. A primeira é Brasil vs França, a segunda é Suécia vs RFA. Acontece que a FIFA é a FIFA e troca os locais dos jogos. Os alemães protestam airosamente, os suecos justificam com o factor casa, porque o estádio Ullevi é maior que o Rasunda. Mais que o dobro, na verdade. Os alemães continuam a protestar e o ambiente é o pior possível.

A RFA ainda desperta ódio por toda a Europa e os seus adeptos, em número razoável por culpa do milagre económico do pós-guerra, invadem a Suécia. Os suecos desprezam-nos e chamam-lhe todos os nomes possíveis e imagináveis. Até na imprensa, apre. Os suecos fazem manchetes a chamar ‘tanques’ aos jogadores alemães. A resposta é ‘legionários’, um termo então depreciativo e a propósito de algumas estrelas suecas preferirem o futebol italiano ao sueco como Liedholm (Milan), Hamrin (Pádua), Gustavsson (Atalanta) e Skoglund (Inter).

Nas ruas, há altercações várias. Nas bancadas, nem por isso. Pudera, a organização comete um erro (ai ai) e só imprime 60 bilhetes para os alemães. Isso mesmo, 60. A embaixada e a federação alemãs intervêm ainda a tempo de receber mais mil bilhetes. Convenhamos, ainda é pouco para um estádio com capacidade para 49 mil – e nem todos entram, porque há porteiros mais sacanas que outros.

Como se isso fosse pouco, a FIFA nomeia um árbitro húngaro. Ora bem, sabido o resultado da final do Mundial anterior, a comitiva alemã reage mal à chamada de István Zsolt e queixa-se da falta de bom senso. Dentro do campo, a RFA agiganta-se e marca primeiro, por Schäfer, aos 24’. O estádio silencia-se por momentos e, depois, volta à barulheira de sempre. O apoio é incondicional, 48 mil a puxar para o mesmo lado. Como resultado dessa avalanche e também da boa condição física dos suecos, o empate chega aos 32’ por Skoglund. Ao intervalo, 1:1.

Na segunda parte, Juskowiak é expulso aos 59’ por falta sobre Gren. Os jornais alemães criticam a arbitragem de Zsolt, o selecionador Herberger e o goleador Rahn culpam o excesso de nervos do compatriotra Jusko. ‘A Suécia merece passar, foi melhor que nós. Diz Herberger. ‘O Juskowiak nem sempre ia à bola e o Gren estava numa forma fantástica, passava por toda a gente, mesmo que o agarrássemos.’ Com dez, a RFA passa a jogar mais à defesa. Com nove, também. Nove, então? Parling lesiona Walter aos 75’ e, à falta de substituições, a RFA coxeia de um lado para o outro a pensar no prolongamento. Em vão, a Suécia carimba o passaporte para a final aos 81’ (Gren) e 88’ (Hamrin).

Os efeitos desse 3:1 transportam-nos para uma outra galáxia de escárnio e maldizer sem precedentes. Tanto na Alemanha como na Suécia, os turistas suecos e alemães são perseguidos. Na Alemanha, é pior, bem pior. Um restaurante de Hamburgo retira do seu menu o Smörgasbord e o goulash de paprica (a propósito do árbitro), há bares a promover a cerveja de forma pateticamente patriótica ‘um marco para os alemães, cinco marcos para os suecos’, há bombas de gasolina que se recusam a encher o depósito aos carros com um ‘S’ na matrícula, a bandeira sueca é retirada do mastro num espectáculo de cavalos em Aachen, uma banda infantil sueca é vaia no festival musical em Kiel.

A postura do presidente da federação alemã é revoltante. ‘Nunca mais pisaremos a Suécia, nunca mais jogaremos com a Suécia.’ Acto contínuo, Peco Bauwens recusa o convite da FIFA para assistir à final entre Brasil e Suécia. A relação entre os dois países entra na escuridão até 1963, altura em que as duas federações fumam o cachimbo da paz, curiosamente no Rasunda, o tal estádio inicialmente previsto para a ½ final do Mundial-58.

Daí para cá, alemães e suecos encontram-se nas qualificações para os Mundiais 1966, 1986 (Portugal também está no grupo) e 2014. No Mundial propriamente dito, a RFA acumula três vitórias seguidas vs Suécia em 1974, 2006 e 2018. Coincidência das coincidências, o 2:0 com bis de Podolski em 2006 é a 24 Junho, o dia da ½ final em 1958.

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