Great Scott #531: Quem é o brasileiro dispensado pelo Belenenses no final de 1986?
Isaías
Talvez seja exagero, talvez. Seja exagero, e então? De vez em quando, o número 11 do Benfica leva-me imediatamente para Isaías. O homem até pode ter sido 8, 10, 7. Para mim, 11. Peito para a frente, cabeça levantada a olhar para a baliza e toma lá disto. Zero hesitação, potência a mil. Há quem desespere entre guarda-redes, defesas, treinadores e espectadores – é que a bola tanto vai à baliza como acaba nas bancadas do Terceiro Anel.
Provocação? Nada disso, tão-só facto. Isaías é um poço sem fundo de força ginasticada e a sua história de Portugal baseia-se em remates do meio da rua. Nem todos entram, claro. O que interessa é a atitude, a perseverança, o estilo e, por último, a glória. Isaías busca-a como mais nenhum outro em campo através de corridas desenfreadas e pontapés à antiga. ‘Às vezes, os adeptos metem-se comigo e implicam com o meu estilo. Chegam mesmo a perguntar-me porque é que faço 10 remates por jogo se só faço um golo? Nem respondo, não vale a pena, mas estudo o assunto e está provado que estou certo por três motivos.’
Vamos lá, em entrevista a Nuno Ferreira no Público em Janeiro 1995. ‘Em primeiro, rematar não é fácil. Se fosse, toda a gente o fazia. Em segundo, a finalidade do remate é o golo e para se fazer o remate tem de criar a oportunidade. Como a maioria dos adversários do Benfica se fecham lá atrás, tenho de criar a situação antes de me decidir pelo remate. Em terceiro, nem sempre as coisas saem bem. Se 10 remates saíssem bem, uma jornada do campeonato tinha 50 golos.’
Calma, a dissertação de Isaías continua. ‘Sei que faço as coisas bem porque sofro marcação individual. Ou seja, há treinadores com medo dos meus remates, sejam dez, cinco ou só um.’ De golos simbólicos está Isaías de barriga cheia. Um vs Sporting na Luz a garantir o 1:1 aos 88 minutos para manter o FC Porto a dois pontos de distância rumo ao título de campeão em 1990-91. Na época seguinte, dois vs Arsenal em Highbury. ‘Tive sorte, fiz dois golos.’
É divertido, o rapaz. ‘Mas não acho que tenha feito um jogo assim tão bom. Aliás, joguei melhor, muito melhor, na primeira mão, na Luz. Os golos é que criaram essa imagem de superioridade. Nada mais errado.’ Em 1993-94, na Taça das Taças, é seu o 1:1 vs Bayer Leverkusen aos 90’+2. Aqui é o número 14, como substituto de Hélder. Mais à frente nessa época, bisa no célebre 3:6 vs Sporting. Aliás, assina nove golos entre Sporting e FC Porto. Só isso já dá uma ideia da sua fibra nos jogos grandes.
Ao todo, em cinco épocas de Benfica entre 1991 e 1994, qualquer coisa como 71 golos em 178 jogos. Se ampliarmos a sua carreira em Portugal para Rio Ave (1987-88), Boavista (1988-91) e Campomaiorense (1997-99), o número sobe para 98 golos na 1.ª divisão e mais de 120 golos entre todas as competições. Que maravilha, craque. Imaginem se tivesse chegado antes a Portugal. E não é que chega? O empresário português Palmeira Branco descobre Isaías como melhor marcador do Cabofriense, equipa sensação do Cariocão 1986. O convite é imediato, a resposta idem idem.
Claro, Isaías quer tentar a sua sorte em Portugal. Estamos em Novembro 1986 e Isaías, recém-casado com uma cabrofriense, namorada de toda uma vida, aterra em Portugal para a lua-de-mel. E, vá, uns treinos à experiência no Belenenses. É uma época farta por todo o país e, por exemplo, o Farense acabara de contratar o central Luisão.
No Restelo, a vida de Isaías é dificultada pela falta de interesse do treinador belga Henri Depireux. ‘Considerou-me lento e sem qualidade ao fim de dois treinos curtos. Ainda fiquei o fim-de-semana e vi o Belenenses vs Marítimo ao vivo.’ Decide Mapuata, 1:0. Nessa tarde, Isaías fala com Depireux pela última vez. Se não tenho qualidade para jogar em Portugal, com um futebol daqueles, onde teria? O cidadão devia ser cego.’
Desiludido, Isaías regressa ao Brasil e ao Cabofriense, agora na 2.ª divisão co Cariocão. Na Primavera 1987, Palmeira Branco acena com outro convite para Portugal, agora em Vila do Conde. ‘Disse-lhe que ia só se houvesse 90% de ficar no plantel. Cheguei lá e fiquei duas semanas à experiência. Acabei por assinar e ainda marquei cinco golos no ano em que descemos à 2.ª.’
E agora? Valentim Loureiro chamado à recepção, se faz favor. O presidente do Boavista contrata-o por duas épocas e o resto é o que se sabe. Peito para a frente, cabeça levantada e toma lá disto.