Great Scott #549: Primeiro visitante a marcar um hat-trick vs Rangers?

Great Scott Mais 05/26/2022
Tovar FC

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Great Scott #549: Primeiro visitante a marcar um hat-trick vs Rangers?

Alex Ferguson

A 27 Dezembro 1959, é um jovem de 17 anos, avançado do Queen’s Park FC, o clube escocês mais antigo da história, fundado em 1867, e o único das quatro divisões escocesas a manter o registo de amador nos tempos correntes, reflectido nas sábias palavras em latim no seu escudo (Ludere causa ludendi – jogar pelo prazer de jogar).

Curiosamente, prazer é pormenor alheio a Ferguson. ‘O meu mundo estava vazio. Tudo o que sonhei ameaçava desmoronar-se a qualquer momento. Já estava farto de não me impor na equipa principal e de jogar pelas reservas desde que recuperara de uma lesão. Nos dois jogos em que participei, a desilusão psicológica era bem maior que a física, porque apanhámos duas tareias monumentais, 10:1 do Celtic e 11:2 do Dunfermline. Por isso, naquela manhã de 20 Dezembro, uma sexta-feira, decidi nunca mais jogar pelas reservas, o que implicaria falhar o jogo seguinte com o Rangers, o meu clube de coração. Daí que, seis dias depois, tenha pedido à Joan Parker, namorada do meu irmão, que telefonasse ao Bobby Brown [treinador do Queen’s Park], fazendo-se passar pela minha mãe, a dizer-lhe que estava com gripe.’

Ups. ‘No final dessa sexta-feira já estava cá com uns remorsos por ter usado a Joan. Mas isso não foi nada comparado com o que vi quando cheguei a casa dos meus pais. Os remorsos passaram para segundo plano. O meu pai estava com aquela cara de mau, embora não tenha sido ele que me tenha dado o raspanete à frente de todos os meus irmãos e respectivas namoradas. Surpreendentemente, foi a minha mãe que usou da palavra e ainda me atirou à cara um telegrama de Bobby Brown que dizia simplesmente isto: ‘Telefona-me imediatamente.’ ‘O que é que eu faço?’, perguntei na direcção da minha mãe. Mas aí foi o meu pai que tomou as rédeas da conversa: ‘Agora vais à cabina telefónica mais próxima, ligas ao teu treinador e pedes-lhe desculpa senão nunca mais voltas a pôr os pés cá em casa.’”

Ups, parte 2. ‘Assim foi, e ainda hoje me lembro onde vivia o Bobby Brown (Stanley, 267), porque tive de pedir à telefonista que me fizesse a ligação. Quando ele percebeu quem estava a falar só me disse isto: ‘Como é que podes fazer-me isto na véspera de um jogo importante? Sei perfeitamente que aquela não era a tua mãe e tenho cinco jogadores com gripe de verdade. Aparece no Hotel Buchanan ao meio-dia para a concentração. O jogo é às três.’ Okay, o telefonema correu bem, pensei eu. Não levei um raspanete por aí além, não levei multa nem fiquei suspenso. E ainda ganhei, ou parece que ganhei, um lugar na equipa principal para um jogo no campo do Rangers. A caminho de casa fiz todo o esforço para esconder aquele sorriso maroto de contentamento, de triunfo. Em casa nem foi preciso esforçar-me, porque os meus pais ainda estavam incomodados e irritados com a situação. Seguiu-se um interrogatório interminável. Só parou quando fui para a cama. No dia seguinte acordei aliviado e bem-disposto. O meu pai não. Quando o convidei para ir ver o jogo, ele respondeu ‘talvez’, de forma seca.’

Ups, parte 3. ‘Bem, saí de casa, fui ao banco, onde levantei 80 libras para comprar um casaco já encomendado num alfaiate que conhecia bem, fui para o Hotel Buchanan e lá percebi que ia ser titular. Dois bilhetes extras garantiam-me automaticamente um lugar no onze. À entrada para Ibrox, fiquei espantado ao ver o meu pai, acompanhado por um outro senhor, que era, nem mais nem menos, o dono do banco. Ao que parece, um dos empregados tinha feito mal as contas e teve de passar o sábado atrás de todos os clientes que levantaram dinheiro naquele dia. Fui um deles, mas, dessa vez, não foi nada comigo. Resolvido esse problema, fiquei sozinho com o meu pai. Após um longo silêncio, atirei-lhe: ‘Tenho aqui dois bilhetes. Quer aproveitar?’ Ele respondeu: ‘Talvez sim, não tenho mais nada que fazer.’

Ups, parte 4. ‘Aquilo satisfez-me imenso. Ninguém imagina. O que aconteceu naquela tarde em Ibrox só pode aparecer na categoria dos milagres: fiz um hat-trick [três golos], o primeiro jogador a fazê-lo ao Rangers, em Ibrox. Foi até a primeira vitória do Queen’s Park FC lá. Um rapaz da terra [de Glasgow], nascido e criado a 200 metros daquele estádio, marcou três golos ao Rangers, a equipa da sua vida – não há palavras para descrever isto. Do jogo em si lembro-me perfeitamente. Ao intervalo perdíamos 1:0, golo de George McLean. Nesses tempos, o treinador não ia para o balneário dar sermões ou motivar os jogadores. Essa parte pertencia aos jogadores mais velhos, como Ron McKinven, Jim Little e Jimmy Walker, que diziam aos mais novos, como eu, que tivéssemos esperança num resultado positivo. Eu, miúdo, acreditei naquelas palavras. E senti-me bem, extraordinariamente bem. Entrei no campo com vontade de fazer uma série de coisas. Logo no início da segunda parte já estava a dar tanto trabalho ao matulão Ronnie McKinnon que já era obrigado a agarrar-me na camisola e nos calções. Aí pensei que podíamos fazer história.’

Um, dois, três, hat-trick. ‘Na jogada seguinte fiz o golo do empate. Primeiro rematei com o pé direito, a bola bateu na ponta do pé do McKinnon e ressaltou para mim, que fiz a recarga com o esquerdo. O delirante 2-1 chegou dez minutos depois, quando aproveitei uma defesa incompleta de Bill Ritchie. Incrível. Soberbo. E atirei à trave. Mas o Rangers, como sempre, e sem se saber muito bem como, fez o empate a dois. A 12 minutos do fim, desferimos o golpe fatal: após uma confusão na área, rematei para a baliza deserta. Estava feito o 3-2 e até podia ter acabado de outra maneira se outro remate meu não tivesse ido à trave. Mas os três golos já estavam bem. No balneário, um dos seniores do Queen’s virou-se para mim e perguntou-me: ‘Apercebeste-te de que hoje fizeste história?’ Tomei banho e fui para casa, a 200 metros do estádio do Rangers, por uma rua secundária, onde um jornalista, Joe Hamilton de seu nome, do Daily Express, obteve a minha única declaração desse dia glorioso. Em casa, a minha mãe estava empolgadíssima com o meu feito. O meu pai estava sentado no sofá, a ler o jornal. Quando lhe perguntei o que tinha achado do jogo, ele respondeu: ‘Okay. O que é que te disse sobre chutares à baliza, eh? Se não rematares, não marcas.’ Não sei quantas vezes ouvi isso em toda a minha vida.’

Mais tarde, Ferguson veste as camisolas de Dunfermline (melhor marcador da 1.ª divisão escocesa 1965-66, com 31 golos) e Rangers (seis golos na Europa).

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