Great Scott #621: Único seleccionador demitido por um mau resultado vs Ilhas Faroé?
Josef Hickersberger
Sem qualquer clube no seu currículo, Josef Hickersberger é nomeado seleccionador da Áustria em 1988. Aos 40 anos de idade, é um belo desafio como estreia no banco. Ele que conhece bem os cantos à casa, como internacional em 39 ocasiões e actor principal do Milagre de Córdoba, no Mundial-78, na Argentina, com o 3:2 vs RFA.
O objectivo de Hickersberger é o Mundial-90. A uma jornada do fim, o grupo 3 da qualificação europeia é uma salganhada: URSS 9 pontos, Turquia 7, Áustria 7, RDA 7. A URSS garante o primeiro lugar com 2:0 vs Turquia, bis de Protasov. E a Áustria sobe ao segundo, com 3:0 vs RDA, hat-trick de Polster.
No Mundial propriamente dito, tanto URSS como Áustria eliminados na primeira fase. A Áustria, com Josef Hickersberger no banco a dar ordens, aguenta a Itália até ao minuto 79, altura em que o suplente Schillaci desata o nó do 0:0. No segundo jogo, outro 1:0, agora da Checoslováquia, penálti de Bilek. Já sem nada a ganhar, o terceiro jogo é uma despedida honrosa, 2:1 vs EUA com golos de Ogris e Rodax.
No sorteio da qualificação para o Euro-92, a Áustria calha no grupo 4, juntamente com Jugoslávia, Dinamarca, Irlanda do Norte e Ilhas Faroé. É o tal grupo em que a Jugoslávia ganha e, depois, é obrigada a abdicar do seu lugar em prol da Dinamarca, culpa de uma decisão conjunta NATO + UEFA pela guerra dos Balcãs.
O primeiro jogo do grupo é a 12 Setembro 1990, em Landskrona, na Suécia. À falta de campos relvados com as dimensões da UEFA, a federação das Ilhas Faroé pede ajuda à da Suécia e toma lá um estádio com 10 mil lugares. Desses, só 1157 se ocupam com uns adeptos curiosos, mais interessados na estreia oficial da selecção das Ilhas Faroé, cuja candidatura à UEFA é aprovada em Abril desse ano.
De um lado, os amadores das Ilhas Faroé. Do outro, a Áustria, outrora uma equipa forte, sobretudo nos anos 30 e 40, agora uma da classe média. De um lado, uma selecção com um guarda-redes (Knudsen) a usar um gorro branco na cabeça. Do outro, uma com dois avançados de peso: Rodax (melhor marcador do campeonato austríaco em 1989-90 e reforço do Atlético Madrid de Gil y Gil para o lugar de Baltazar, entretanto transferido para o FC Porto) mais Polster (Bota de Ouro 1987 e autor de incríveis 33 golos em 35 jogos pelo Sevilha na Liga espanhola 1989-90).
Landskrona, vamos a isso. A Áustria é imensamente favorita. Sem pestanejar. Ao intervalo, 0:0. Pior, a Áustria nem um remate faz enquadrado com a baliza de Knudsen nos primeiros 45 minutos. No reinício, há mais Áustria. E o lateral-direito Russ atira ao lado, num remate de ressaca à entrada da área, já sem Knudsen na baliza.
Poucos minutos depois, Hartmann domina a bola no seu meio-campo e perde-a para Nielsen. O 7 das Ilhas Faroé corre para a meia-lua, foge ao contacto com Pecl (que carrinho, chi-ça) e toma lá um bilhete com o pé esquerdo. Konsel atira-se, em vão. É o 1:0. A alegria é contagiante. Atenção, Torkil Nielsen é um homem para grandes feitos. O seu golo anterior pela selecção também é o da vitória por 1:0, vs Canadá, num particular em 1989.
Até final, a Áustria raramente incomoda Knudsen e nem as duas substituições alteram o rumo dos acontecimentos. Das Ilhas Faroé, zero substituições. Acabam os mesmos onze do início do jogo, por ‘teimosia’ do islandês Páll Guolaugsson. No dia seguinte, Hickersberger pede a demissão. É a primeira jornada da qualificação para o Euro-92, caramba.
Hickersberger dá mais e mais voltas à sua vida, entre Emiratos Árabes Unidos e Qatar, até voltar à base. Em 2006, voltaria ao leme da Áustria para o primeiro Europeu da sua selecção, ainda por cima na condição de anfitriã. É eliminado na fase de grupos, com um ponto em nove possíveis.
E as Ilhas Faroé? A vitória seguinte é só em Maio 2005, vs São Marino, por 3:0. E, já agora, Torkil Nielsen? O homem, mestre de xadrez com três títulos nacionais e três presenças nas Olimpíadas pelo seu país, dá à luz (salvo seja) a dois rapazes. Um chama-se Rógvi, também jogador da bola, também internacional (sub19), também campeão nacional de xadrez. O outro chama-se Hogni, também jogador da bola, também internacional (sub17), também campeão nacional de xadrez, o mais jovem de sempre nas Ilhas Faroé (16 anos) e o único a ganhar os jogos todos até ao título.