Maradona. “Se os Mundiais de râguebi duram 45 dias, porque é que os de futebol só são de 30?”
O melhor telefonema para Deus. É uma entrevista a Maradona? Melhor, é uma colectânea de frases, a maior parte publicadas no jornal “Crónica”. De-li-ci-o-sa.
Cruzas-te com Shilton no meio da rua. O que é que lhe dizes?
Arquero [guarda-redes], arquerazo. Bahh, não me convidou para a sua festa de homenagem. Já não vou poder dormir com ele, que pena!
Porque é que começaste a drogar-te?
Por curiosidade. E correu-me mal.
Tinhas quantos anos?
22.
Tomaste o quê?
Cocaína.
O que mais te divertiu: Inglaterra-86, Brasil-90 ou Itália-90?
Itália, por todas as conotações que teve, por todas as coisas que se passaram depois, porque vivia em Itália, porque a Gazzetta dello Sport titulou “Maradona é o diabo” e porque os eliminámos. Que prazer!
Qual foi o melhor futebolista que viste enquanto eras jogador?
Está entre Romário e Van Basten.
E o mais chato?
Pietro Vierchowod. Parecia russo, era um animal. Tinha músculos até nas sobrancelhas. Jogava na Sampdoria e na selecção italiana. Era muito difícil ultrapassá-lo, porque quando o fintavas e levantavas a cabeça ele estava novamente à tua frente. E repetia essa brincadeira umas duas ou três vezes. À quarta vez, eu passava a bola porque já estava cansado de o ver à minha frente.
A Argentina foi prejudicada na final do Mundial-90?
Um dia antes da final, Julio Grondona [presidente da federação argentina] entrou no balneário da Argentina [que acabara de fazer o reconhecimento ao relvado do Olímpico de Roma], apanhou-me a meio do duche e disse-me: ‘Está difícil mañana, eh.’ Eu perguntei-lhe: ‘Que quer dizer, Julio?’. E ele: ‘Nada, só isso, Diego…’
Porque crês nisso?
Porque estava tudo armado. Chateámos Matarrese [italiano, integrante de Comité organizador do Mundial], chateámos a Itália inteira. Aquilo era para ser Itália-Alemanha mas acabou por ser Argentina-Alemanha. ‘Cagámos’ o negócio todo, ‘cagámos’ 180 milhões de liras, ‘cagámos’ a bandeira deles, ‘cagámos’ a festa antecipada, ‘cagámos’ a festa da televisão, pusemos-lhe os chifres. Tínhamos de pagar por tudo isso.
O dia mais feliz da tua vida?
Quando fui campeão mundial pelos AA e sub-20. E quando fui campeão italiano pelo Nápoles e argentino pelo Boca.
E os mais infelizes?
Quando me cortaram as pernas em 1994, porque íamos ser campeões do mundo. Depois desse Mundial, cruzei-me com Romário e Bebeto e eles disseram-me: ‘Quando vos vimos a remontar aquele jogo com a Nigéria [de 0-1 para 2-1, bis de Caniggia], demos conta que nós teríamos de jogar a final com vocês.’
Que farias se fosses presidente da FIFA?
Daria muito mais importância aos jogadores. Respeitava-os. Faria calendários que se ajustassem a eles em benefício do espectáculo. Se os Mundiais de râguebi duram 45 dias, porque é que os de futebol só são de 30?
Quando a Argentina se sagrou campeã mundial em 1978, onde estavas?
Fui ao estádio ver a final com a Holanda.
Estavas contente ou ‘puteado’ por teres sido preterido dos convocados?
Fiquei contente, claro, mas sentia que devia estar ali, lá dentro, na cancha. Naquela altura, eu não jogava, voava. Na semana seguinte, retomámos o campeonato argentino e marquei três golos do Argentinos Juniors ao Chacarita [5-3]. Mas festejei o título mundial, claro. Fui ao Obelisco.
Que significado actual tem o golo da mão de Deus à Inglaterra?
Vou contar-te uma coisa. Há tempos, o Lineker veio cá fazer uma reportagem sobre mim com enfoque nesse golo. Recebi-lhe e preparei-lhe um asado na casa da minha mãe. A meio do almoço, ele pergunta-me se eu roubei os ingleses. Respondi-lhe que não, porque nós jogamos assim desde pequenos. Para nós, aquilo é um jogo, só um jogo, não estamos ali a prejudicar ninguém. Passado uns minutos, ele diz-me que os ingleses não roubam. Ai não? Então olha lá o que fez a McLaren à Ferrari, que lhes roubou informação ultra-secreta. Mas está tudo bem, Lineker é sócio da igreja maradoniana.
Como é ser Maradona?
Jodido. Tenho de pagar um preço altíssimo, porque sou argentino e vivo num país de futebol. Por isso, quando ia de férias com a família, escolhia sempre locais onde não se jogava futebol. Ia à Tanzânia ou isso. Mas joga-se futebol em todo o lado. Até na Polinésia. Uma vez, fui lá com a minha filha e sabes o que acontece mal aterro? Um português reconhece-me e convida-me para um jogo de futebol no dia seguinte! A minha filha resmungou-lhe: ‘Pára, português, o pai é meu. Trouxe-o para estar comigo.’