Freitas. “Atiravam-me bananas na Luz e eu comia-as”

Quem Te Viu E Quem TV 05/27/2020
Tovar FC

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Freitas. “Atiravam-me bananas na Luz e eu comia-as”

Há uma certa magia na alegria por uma derrota. Veja-se o caso do Sporting em Alkmaar. O cabeceamento de Miguel Garcia reduz a desvantagem para 3:2 e é o mundo de pantanas, com o apuramento in extremis para a final da Taça UEFA. O Benfica empata 4:4 em Leverkusen e é um mar de elogios. E o Porto? Na Taça das Taças 1977-78, dá 4:0 ao Manchester United nas Antas e depois apanha 5:2 em Old Trafford, na noite história de Seninho (dois golos e transferência imediata para o Cosmos de Nova Iorque). Nesse dia, um dos heróis chama-se Freitas e é central. Apanhámo-lo por telefone. À terceira é de vez. Primeiro é o filho, depois a mulher, finalmente o Freitas, também conhecido como 115 numa alusão ao número português para as emergências. No Porto, acumula 185 jogos sem qualquer golo marcado de 1976 a 1983. Ganha dois títulos seguidos de campeão (1978, 1979) mais uma Taça de Portugal e uma Supertaça portuguesa.

Bis de Seninho na baliza do United e outro de Murça na de Fonseca

Bom dia senhor Freitas, está bom?

Senhor? Essa é boa. Tudo bem, senhor Tovar.

Ahahahahah. Apanhei a equipa do Porto em Old Trafford

Ischhhhhhh, grande noite europeia, grande derrota. Ahahahahah. Perdemos e passámos, que categoria.

Ainda se lembra dessa equipa de 1 a 11?

Se calhar, se calhar, quem sabe.

Então vamos lá. Fonseca, número 1.

Claro, o sono.

Sono?

Estava sempre a dormir.

E isso era aceite na boa pelo próprio?

Se a mim chamavam-me macaco e não ficava zangado, porque é o sono ficaria danado? Essa é boa.

Macaco, o Freitas?

Houve uma altura em que me atiravam bananas na Luz.

A sério?

Verdade.

E o Freitas?

Comia-as. Nunca liguei a isso.

Está boa. Falávamos do Fonseca.

Sim, o sono.

Era bom?

Bom, bom.

E com os pés?

Nem eu era bom, quanto mais ele.

Ahahahahah. E de feitio?

Um pouco fechado, mas tranquilíssimo.

Gabriel, 2.

O pombo.

Porquê?

Fazia a ala direita de uma ponta à outra, agora é um taxista com cabelos brancos. Já viu?

Ahahahahah. De facto, é uma grande mudança. Já entrou no táxi do Gabriel?

Dificilmente o apanho, porque moro na Maia.

E o Gabriel era porreiro?

Como se diz na gíria, era danado para a brincadeira.

Simões, 3.

Está a passar um mau bocado de saúde, coitado. Tenho grandes memórias dele. Antes do jogo, já estava lesionado.

Então?

Dizia-nos sempre ‘cuidado que não estou assim muito bem’.

Freitas, 4.

Sempre fui o 4. Uma vez, armei-me em craque e disse ‘quero o 4’. O Pedroto ouviu-me e nem me convocou. Ele não ia à bola com essas coisas.

Pois, imagino. Murça, 5.

Subia muito no terreno. Nesse dia, subiu tanto que marcou dois golos. Na própria baliza.

Pois foi, que momento.

Acontece, pá. Também marquei muitos.

Teixeira, 6.

O soviético.

Ai era?

Pelo corte de cabelo. No campo, fazia as duas posições de lateral e todas do meio-campo. Era muito calado e não brincava por aí além.

E então?

Adorava esse tipo de jogadores.

Porque passava o tempo a picá-los. Ahahahahah.

Rodolfo, 7.

O capitão.

Era a sua alcunha?

A alcunha dele? Ele vai ficar chateado comigo, mas paciência: era o porco. Limpava tudo à nossa frente.

Vê-o agora na televisão?

Continua na mesma, com aquela arrogância. A sua maneira de ser era muito forte e costumava chocar com o Pedroto.

Octávio, 8.

Ahhhhhhhh, o papagaio.

Estava sempre a falar durante o jogo?

Durante? Durante, antes e depois. Com uma energia que só visto. Era baixinho e, ao mesmo tempo, um calmeirão.

Duda, 9.

Brasuca, bom pontapé. Marcou três golos ao United nas Antas e ainda ajudou-nos a eliminar o Milan.

Oliveira, 10.

Uiiiii, o solta matas.

Solta matas?

Não ia a lado nenhum nas férias e depois dizia-nos à boca cheia que tinha ido a Inglaterra e a França.

Ahahahahah.

Como jogador, atenção, um craque da cabeça aos pés. A sua especialidade eram as trivelas. Fazia de tudo com os pés, parte de fora, parte de dentro. Só de cabeça é que não era bom.

Seninho, 11.

Rapidíssimo, era o nosso Fórmula 1.

Boa gente?

Pois claro, quem nasce em Angola é assim. Tratávamo-nos por patrício.

Patrício?

De preto para preto, era assim que nos tratávamos. Era o mais comum. Tal como dizíamos Puto em relação a Portugal. Isto tudo para dizer o óbvio: se não fosse o Seninho nessa noite, éramos eliminados.

Treinador, Pedroto.

Foi ele quem me foi buscar ao Belenenses. Ainda me lembro de um jogo no Restelo em que o Oliveira foi jogar ao pé de mim a dizer-me que o Porto queria falar comigo no final.

E o Freitas?

Eu? Dizia-lhe ‘está mas é caladinho’. Julgava que era uma artimanha para suavizar os meus modos, mas a verdade é que me encontrei com o Pinto da Costa mais um director em Miraflores.

E a transferência fez-se?

Foi preciso uma AG para me deixarem sair do Belenenses.

Uma Assembleia Geral?

Não sei o que é que eles viam em mim. Ahahahahah.

Sentiu mudanças de Lisboa para Porto?

Nada, sempre fui muito prático. Até porque a minha mulher é do Porto. E também porque gosto mais do Porto do que de Lisboa.

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