Great Scott #52: Primeiro português a marcar três golos na UEFA por um clube estrangeiro?
Jorge Humberto
A história da transferência de Jorge Humberto para o Inter é um hino ao improviso. Melhor marcador da Académica na 1.ª divisão 1960-61, com dez golos, o avançado é um jovem de 23 anos a preparar-se para os exames do 5.º ano de Medicina. De repente, recebe uma chamada telefónica na república (residência dos estudantes), no número 23 da Rua do Norte. Ao telefone, um tal Helenio Herrera a falar no interesse do Inter.
Jorge Humberto nem acredita. E despacha-o em três tempos: “Não me aborreça. Tenho mais que fazer, os exames estão à porta.” Uns minutos depois, Helenio Herrera insiste com outro telefonema. A este, Jorge Humberto solicita o envio de um telegrama a comprovar a veracidade do convite. E a verdade é que um carteiro lhe entrega o telegrama 30 minutos depois. É assunto sério, está visto. Jorge Humberto vive numa roda-viva de emoções. Na república, todos tomam conhecimento do interesse genuíno do Inter. E quando se escreve todos, até se inclui José Afonso. Esse mesmo, o cantor e o compositor. No final, há unanimidade: o convite é irrecusável.
É o próprio a confirmar. “Com o dinheiro que ganhei em Itália, comprei um prédio de três andares em Lisboa, no Alto de São João, e ofereci 1500 contos à Académica.” A aventura no Inter só dura uma época. Ou melhor, oito jogos. E seis golos, cinco deles entre Outubro e Novembro (todos para as competições europeias). O outro em Abril (vs Novara, para a Taça de Itália). Porquê esse período sem jogar? “Por opção do treinador Herrera, que tinha de escolher dois dos três estrangeiros do Inter, entre mim, português, Luis Suárez, espanhol, e Hitchens, inglês. Na altura vigora a lei dos dois estrangeiros.”
Seja como for, Jorge Humberto estreia-se pelo Inter vs Colónia, para a Taça das Cidades com Feira. É um jogo de desempate, no Giuseppe Meazza, a 25 Outubro 1961. O dia também é célebre no futebol português pelos dois remates ao poste de Eusébio em Wembley no adeus ao Mundial-62 (Inglaterra 2:0 Portugal) e o aparecimento da alcunha de toda uma vida. Escreve o Daily Sketch: “Por três vezes a Inglaterra foi salva por um poste – em duas dessas vezes, Eusébio passou pela defesa como uma pantera negra”. A pontaria madrasta de Eusébio é notícia. Escreve o “Times”. “Um descarado roubo à luz do sol, Springett [guarda-redes] deve levar na bagagem os postes para o Chile como os bilharistas fazem com os tacos”.
Repetimo-nos: Quarta-feira, 25 Outubro 1961. Enquanto Portugal é afastado do Mundial-62, o Inter passa à segunda eliminatória da Taça das Cidades com Feira com a ajuda do hat-trick de Jorge Humberto (dois golos na primeira parte, um na segunda). Na ronda seguinte, o Inter elimina o Hearts. Em Edimburgo, um golo decide o jogo a favor do Inter. É de Jorge Humberto. “Foi uma jogada de contra-ataque, em que consegui controlar a bola do meio-campo à baliza contrária, driblei o guarda-redes e fiz o golo sem oposição.” Na segunda mão, 4:0 para o Inter com mais uma contribuição portuguesa. Nos quartos-de-final, o Valencia (futuro vencedor da competição oficiosa) afasta o Inter. Para a história, o tal hat-trick de Jorge Humberto vs Colónia, o primeiro de um português na UEFA por uma equipa estrangeira. O segundo jogador a cometer idêntica proeza é outro Jorge. Apelido, Mendonça: em Setembro 1965, no Atlético Madrid 4:0 Dínamo Zagreb.