Great Scott #64: Quem vê o primeiro cartão amarelo por falta sobre Ronaldo fenómeno?
Kenedy
Há patrocínios e patrocínios. O da Coca-Cola vinga mais que todos os outros em 1987, quando veste 13 clubes brasileiros entre São Paulo, Corinthians, Palmeiras, Santos, Grémio, Internacional, Flamengo, Vasco da Gama, Fluminense, Botafogo, Cruzeiro, Atlético Mineiro e Bahia. Só um é que dá continuidade.
Em Agosto 1993, o Cruzeiro apresenta-se em Portugal, com Coca-Cola nas camisolas azuis e um tal de Ronaldo. Numa semana, o jovem de 16 anos estreia-se com o Benfica, em pleno Estádio da Luz, no dia 3, com 15 mil espectadores, e despede-se nas Antas, onde o avançado brasileiro embeleza a festa do centenário do FC Porto, na noite do regresso de Madjer. Pelo meio (dia 5), a consagração com a marcação do seu primeiro golo como profissional. Ao Belenenses, no Restelo.
Lançado por Carlos Alberto Silva, o célebre CAS (atenção às confusões com Kas, outra bebida gaseificada, rival da Coca-Cola) que acabara de ser bicampeão português pelo FC Porto, o golo de Ronaldo é a Figueiredo. O guarda-redes nem se importa. “Só é positivo por ser de quem é.” E como é golo? “Foi um cruzamento da esquerda e ele apareceu a cabecear, perto da marca de penálti. Esteve para vir para o Belenenses, mas veio o Cleisson, que tinha mais nome.”
Para jogar em Portugal, o futuro fenómeno tem de fintar a lei e faz-se passar por torneiro mecânico, uma profissão popularizada no Brasil através do presidente Lula. Pela legislação brasileira, um júnior só pode actuar em torneios internacional caso estudasse ou trabalhasse. Como a transferência para algum colégio de Belo Horizonte ainda não havia sido feita, o presidente cruzeirense de então, César Masci, consegue o registo de Ronaldo na empresa São José Ferramentas e Peças Lda., de propriedade de um conselheiro do clube.
Ronaldo, dono da carteira de trabalho número 61 505, assina contrato com o Cruzeiro a 4 Janeiro e a inscrição na Federação Mineira de Futebol é feita a 10 Fevereiro. Daí à fama é um passo, tão natural como a sua sede. Primeiro, dois golos na estreia pelos juniores (4:1 ao Botafogo de Matosinhos). Depois, a estreia profissional, vs Caldense, em Poços de Caldas, para o campeonato mineiro. Finalmente, o primeiro golo. O tal do Restelo. O golo é fácil. E o primeiro adversário a ver o cartão amarelo?
Kenedy, no tal jogo da Luz. Diz o central Hélder, com boa memória. “Ronaldo era magrinho e corria muito. A jogada mais memorável dele foi no lado esquerdo. Ele foi por um lado e a bola pelo outro. O Kenedy fez-lhe uma gravata e viu cartão amarelo.”
Quando o Cruzeiro aterra no Brasil, o nome de Ronaldo já ecoa por todos os lados. É uma estrela. E ganha mal. Menos que o salário mínimo brasileiro de 380 reais. Basta uma entrevista fenomenal à Rádio Itatiaia, de Belo Horizonte, e tudo mudo. O rapaz queixa-se do salário e de ainda viver na Toca da Raposa (centro de treinos do clube). Dois dias depois, o Cruzeiro já lhe aumentara o ordenado e entrega-lhe um apartamento novinho em folha. O primeiro anúncio da Coca-Cola aparece escarrapachado num jornal norte-americano em 1893 a dizer “Coca-Cola, estimulante!” Exactos cem anos depois, Ronaldo dá início à sua carreira, patrocinado pela Coca-Cola e lançado por CAS. Estimulante.