Simões. “Quando se fala hoje do box to box, a box já existia e chamava-se Jaime Graça”

Mais Quem Te Viu E Quem TV 07/12/2020
Tovar FC

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Simões. “Quando se fala hoje do box to box, a box já existia e chamava-se Jaime Graça”

Há coincidências do arco da velha. O primeiro jogo de sempre em Mundiais é a 13 Julho. Em 1930. E o primeiro da história de Portugal em Mundiais é também a 13 Julho. Em 1966. Tudo começa com a Hungria. Ainda a RTP não principiara a transmissão e já Portugal se adiantara no marcador: Eusébio ultrapassa Sovari em velocidade e obriga Kaposzta a ceder canto. Da esquerda, Simões cruza para a cabeça de José Augusto, 1:0. Bem tentam eles anular a diferença e a verdade é que a nossa defesa, e alguma sorte também (uma bola no poste), impedem o empate. Na parte complementar, a Hungria entra mais decidida ainda, cria duas ocasiões soberanas e fica à vista que, lá atrás, entre os nossos, entendimento é coisa que não há por aí além. Daí que não surpreenda o empate, por volta do quarto de hora, através de Bene, a recargar com êxito uma bola dividida entre Albert e Carvalho.

O 1:1 da Hungria obriga-nos a reagir. Aos 65’, o guarda-redes húngaro Szentmihalyi larga uma bola fácil de José Torres e permite o bis de José Augusto, novamente de cabeça. É o fim da Hungria. Animados com o desenrolar dos acontecimentos, tomámos as rédeas do jogo e fixamos o resultado, com um golo de Torres, ainda de cabeça, a concluir canto de Eusébio. E agora? É telefonar ao Simões.

Bom dia, Simões.

Rui, tudo bem?

Tudo impecável. Vamos falar deste onze?

Vamos embora.

Só uma dúvida, quem treinava realmente: Otto Glória ou Manuel da Luz Afonso?

O Manuel da Luz Afonso era o seleccionador e essa figura existia por uma questão institucional. O homem acima do treinador também era comum nos clubes. Só que aí era o chefe de departamento de futebol. Agora, o Otto era quem dava os treinos e quem dava fazia os onzes. Logicamente, o Manuel da Luz Afonso tinha uma palavra a dizer. Mas não acredito que o Otto deixasse o Manuel da Luz Afonso mudar o que quer que fosse. Aliás, nunca vi o Manuel da Luz Afonso a falar com os jogadores no intervalo dos jogos. Quanto muito, antes, ainda no hotel, a estimular-nos.

Muito bem, esclarecido. Na baliza, o número 2 Carvalho.

Intempestivo, de reacção fácil e irreverente.

A sério? Desconhecia.

Não era assim muito tranquilo e, claro, não ficou nada contente com a substituição [a partir do segundo jogo, com a Bulgária, o guarda-redes passou a ser José Pereira, do Belenenses]. Digo-lhe mais, o Carvalho nunca foi um homem de trato fácil, porque a sua personalidade era forte, talvez indomável. E interessante.

Ai sim?

Interessantíssimo, porque era um homem aberto, de resposta fácil. Sempre me pareceu um homem sincero.

Morais, 17.

Havia a dúvida, ou Morais ou Festas. O Morais era mais directo, mais ofensivo, mais moderno. O Festas era mais conservador. Claro, o Morais levava um ligeiro avanço pelo golo na final da Taça das Taças. Já era conhecido pelo cantinho.

Alexandre Baptista, 20.

Aqui era ou Alexandre Baptista ou Germano. O Germano, que ninguém duvide, foi o primeiro Beckenbauer das nossas vidas. Só que perdeu o lugar pela idade e consequente falta de velocidade. Se o Mundial fosse dois anos antes, o Germano ganharia o lugar. O Alexandre Baptista é chamado ao onze e acaba por fazer um Mundial bastante interessante, pleno de segurança.

Vicente, 4.

Mais uma dúvida, e ainda bem: ou Vicente ou José Carlos, ambos capazes de ver o jogo de uma maneira superior, ambos mais capacitados para ler e pensar do que propriamente pela robustez ou velocidade. Só que o Vicente era mais subtil e rápido sobre a bola e ganhou essa competição, digamos assim. Hoje em dia já ninguém quer um central com 1,70 metros. O Vicente era-o com uma competência extraordinária.

Hilário, 9.

Indiscutível na selecção, o seu concorrente era o Cruz, o Fernando Cruz. O Cruz era mais técnico, só que o Hilário era mais agressivo e concentrado. Era a garantia de que o erro estava sempre longe. É uma ideia que fica, sem dúvida. É a ideia do aluno regular, o professor sabe que o aluno vai passar: não é um 18, é um 14. Dá-lhe boa nota pela capacidade de responder ao essencial para ter o diploma.

Jaime Graça, 16.

Quando se fala hoje do box to box, a box já existia e chamava-se Jaime graça. Um jogador extraordinário. Ex – tra-o-rdi-ná-rio. Tinha dois pés e duas cabeças, porque pensava o jogo à frente dos outros e sempre com uma disponibilidade ilimitada. O estar ao lado do Coluna também lhe transmitiu mais bagagem.

Coluna, 10.

O mais possante, o mais atleta. Nunca vi um líder que falasse tão pouco. Ele era como aquele pai que se senta à mesa e basta-lhe o olhar para meter os filhos em ordem. O Pat Riley, do basquetebol, é que dizia, e bem: temos de ser mais professores que treinadores. O Coluna era um professor, dentro e fora do campo.

José Augusto, 12.

Avançado-centro no Barreirense, extremo-direito no Benfica. Caía bem e descia ainda melhor pelo corredor. Como jogava bem de cabeça, era um trunfo nas bolas paradas. Prova disso mesmo, três golos de cabeça nesse Mundial.

Eusébio, 13.

Dizer o quê, mais o quê? Nove golos, ainda hoje o melhor marcador de Portugal em Mundiais.

Torres, 18.

Era a parede preferida do Eusébio: começa a jogada que eu concluo.

Simões, 11.

Sabe uma coisa? A mim calhou-me o 13, ao Eusébio o 11. Convenci-o que o 13 dava sorte e não azar. Dizia-lhe ‘vais ficar com o 13 e desmistificas completamente o azar’.

E ele?

‘Não troco nada’, aos berros, ahahahah. E eu insistia, ‘vais ver, vais ver’. Andámos naquilo ainda um tempo at´q eue ele aceitou a troca.

O Simões marcou um golo, e de cabeça.

Ao Brasil, o guarda-redes era o Manga. Se bem que era baixo, conseguia muitos golos de cabeça. Até ao Sporting e ao Porto.

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