Great Scott #79: Quem é o guarda-redes jugoslavo com nome de rua no Uruguai?
Jaksic
O Mundial-30 é o início de tudo. De uma aventura infinita e planetária. Seja qual for o resultado da final de domingo, o maior campeão de todos continua a ser o Brasil, com cinco títulos em 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002. Só o Brasil tem mais que o resto da América do Sul (Argentina e Uruguai, ambos dois). Só Pelé tem tantos como Inglaterra e Espanha, juntos.
Grande, enorme, o Brasil. E o mais curioso é que sai derrotado no primeiro jogo de sempre no Mundial. À conta de? Jugoslávia (hoje Croácia). As voltas que a vida dá. Ora bem, 1930, dia 14 Julho. O inverno austral cobre Montevideo de frio, muito frio. Quase quase zero graus centígrados à hora do começo do jogo. A Jugoslávia, mais acostumada a esse clima, acentua o seu domínio e marca dois golos na primeira parte. Ao intervalo, os tropicais brasileiros agasalham-se com mantas e bebem litros de chá quente. A ideia é aquecer o corpo para dar uma alegria ao país. Ninguém no seu perfeito juízo acreditará numa derrota a abrir o Mundial. Até porque o Brasil acumula dois títulos da Copa América e julga-se uma potência.
A segunda parte é intensa, o Brasil impõe finalmente o seu futebol. Só que não chega para chegar sequer ao empate. E porquê? O culpado, por assim, é só um e chama-se Milovan Jaksic. De origem montenegrina, o guarda-redes faz uma das exibições mais memoráveis da história. A FIFA contabiliza 21 defesas. Vinte e uma. Jaksic é um fenómeno. Desde pequeno. O seu pai é morto pelo império austro-húngaro durante a 1ª Guerra Mundial e passa tempo difíceis como irmão mais velho de uma família de quatro. Entre o trabalho e os estudos, ainda arranja tempo para jogar futebol. Fixa-se como guarda-redes do Soko, um dos três grandes clubes de Belgrado, a par de Jugoslavia e BSK. È convocado por Bosko Simonovic e ninguém se atreve a garantir-lhe a titularidade. A concorrência é pesada, só que Jaksic é um fenómeno. Já o havíamos dito?
Adiante, Jaksic arranca uma exibição do além. Só Preguinho quebra o encanto. De resto, zero golos em 21 remates à baliza. Pormenor: Jaksic joga de chapéu, como o grande Zamora, reconhecido guarda-redes espanhol. Outro detalhe: Jaksic joga de preto, muito antes de Yashin. A esses dois dados folclóricos, um outro de inegável interesse: Jaksic é eleito para a equipa ideal da FIFA desse Mundial. Ai ainda acha pouco? Então, tome lá só esta e acaba-se a conversa: Jaksic ganha direito a nome de rua. Em Montevideo. Quê? Isso mesmo, Calle el grande Milovan existe nas proximidades do Parque Central, um dos três estádios do Mundial-30. A lenda alarga-se. E de que maneira.
Acaba a carreira em 1939, ano em que se inicia a 2ª Guerra Mundial. Só tem 29 anos e uma série de desafios pela frente. Como o de abrir uma livraria. E o de ser presidente do Estrela Vermelha. Quem dá esse nome? É preciso mesmo dizer? Jaksic, pois claro. Na reunião magna, toda a gente fala, menos Jaksic. Chega-se à conclusão de que estrela é o nome mais apropriado para o nascimento da força do futebol jugoslavo. Jaksic só quebra o silêncio por insistência dos amigos. “Se é estrela que seja vermelha”. Está feito, o Estrela Vermelha inicia aqui, dia 3 Março 1945, um infinito caminho de sucesso nacional e até europeu (ainda hoje o último campeão europeu de futebol, em 1991, numa final resolvida nos penáltis vs Marselha, em Bari).
Querem saber a melhor? Jaksic tem um filme em sua homenagem. Chama-se “Montevideo, vidimo sei”. Qualquer coisa como “Até sempre, Montevideo” e é o relato social-político da participação desportiva da selecção jugoslava no Mundial-30. O filme bate recordes de bilheteira por toda a Jugoslávia – ou seja, Sérvia, Montenegro, Macedónia, Croácia e Eslovénia. Craque para sempre, Jaksic.