Arménia, Sá Pinto e Batta: que salganhada pegada
Finalizado o Euro-96, está na altura de iniciar a campanha para o Mundial-98, já com Artur Jorge como seleccionador. A Arménia parece o adversário ideal, só que não. A recém-criada equipa da ex-URSS consegue roubar dois pontos. Figo falha o jogo, por lesão. O substituto é Rui Barros, expulso pela primeira vez com vermelho directo na sua extensa carreira. Para evidenciar o desnorte luso, Oceano falha um penálti e Sá Pinto agride Paulo Alves. Tudo no minuto 89.
No jogo seguinte, derrota em Kiev com um brinde de Vítor Baía no 1:0 (detém um potente remate de Maksimov com as mãos abertas e não com os punhos). Para Artur Jorge, nada de dramatismos. “O balanço é positivo. Há falta de finalizadores no futebol português e lembrei- -me do Futre e do Domingos.”
Quatro dias depois da derrota em Kiev, eis a primeira vitória (3:0 na Albânia). Ainda assim, Eusébio dá uma achega valente: “Dei uma entrevista a uma televisão italiana depois do Euro-96 e afirmei que há pontas-de-lança em Portugal e que os treinadores portugueses não têm sabido aproveitar. Há agora um miúdo, o Nuno Gomes, que pode ir muito longe, desde que se faça um trabalho apurado.”
Na estreia em casa, 1:0 à Ucrânia com um golo de Couto a aproveitar uma escorregadela de Maksimov, curiosamente o herói do encontro em Kiev. Numa decisão polémica, os jogadores portugueses recusam-se a fazer declarações à imprensa pela escassa cobertura à selecção.
Segue-se o nulo com a Alemanha na Luz. Uma nulidade em todos os aspectos, excepção feita à fabulosa jogada de João Vieira Pinto, que “parte” Köhler, Ziege e Sammer antes de o seu remate embater no intransponível Köpke, aos 80 minutos. Franz Beckenbauer está maravilhado: “Este João Pinto é genial! Que lance! Isto só está ao alcance dos melhores do mundo!”
A viagem à Irlanda do Norte começa mal. Sá Pinto visita Artur Jorge no Jamor e agride-o. Na passada, também leva o adjunto Rui Águas à frente. Nove da manhã do dia 26 Março 1997, o primeiro da concentração. Sá Pinto chega ao Estádio Nacional, vestido à civil. Ninguém poderia adivinhar as suas motivações – o avançado do Sporting não fora convocado e poderia, por exemplo, vir desejar boa sorte aos companheiros para corresponder ao convite de Joseph Wilson, então a desempenhar funções na Federação Portuguesa de Futebol. Mas não: nas primeiras horas do dia, Sá Pinto lera no Record e ouvira na TSF que o fundamento para ter sido preterido por Artur Jorge se ficara a dever a eventuais actos de indisciplina ocorridos em jogos anteriores, dois particulares, um com a França, em Braga, outro com a Grécia, em Atenas.
Visivelmente fora de si, Sá Pinto chega ao Jamor numa carrinha Volvo azul-escura, pergunta pelo seleccionador nacional e segue o caminho do túnel de acesso ao relvado, ao encontro de Artur Jorge. Os primeiros relatos coincidem na violência do avançado, traduzida em dois socos antes de dois ou três pontapés com o seleccionador no chão, a tentar levantar-se. Todos convergem na tese de que não houvera qualquer diálogo prévio: Sá Pinto dirige-se a Artur Jorge, agride-o e insulta-o. A informação é mais relevante do que à primeira vista parece na fase final do processo que viria a castigá-lo e a dúvida quanto à pena a aplicar está relacionada com esse momento: cinco meses se respondera a uma provocação ou um ano se agira por livre iniciativa. Quando já está de saída do local, Rui Águas, adjunto de Artur Jorge, surge do interior das cabinas e bate com a mão no vidro da viatura de Sá Pinto.
Os ânimos voltam a aquecer, com confrontos físicos agora visíveis e registados por um repórter fotográfico na parte de fora do estádio. O acto de Rui Águas, imprudente por reacender um incêndio que já fora extinto (Sá Pinto seguiria viagem para Alvalade, de viagem até Marrocos), viria a ser um dos mais citados pela defesa do jogador. A selecção treina-se com Artur Jorge molestado na face esquerda do rosto. No fim da sessão, as primeiras reacções oficiais aos acontecimentos. Alberto Silveira, vice-presidente da FPF para as Seleções, dá o mote da revolta e considera a agressão como “um dos acontecimentos mais graves da história do futebol português”. Mais um caso a manchar a honra da selecção, estático em Belfast. Daí o 0:0. Acaba a primeira volta.
A ver se a segunda é menos traumática. A ver, a ver. Começa bem, pelo menos. Albânia, em casa. Entre os golos de JVP e Figo, uma história hilariante. Abazai, então jogador da Académica, só entra no relvado na segunda parte porque não leva consigo o bilhete de identidade pedido pelo árbitro e necessário para entrar em campo. O jogador tem de telefonar para casa, em Coimbra, e pedir ao pai que vá às Antas entregar-lhe o documento de identificação.
Já a pensar na Alemanha, a 6 Setembro, a selecção resolve o jogo com a Arménia na primeira meia hora (3:1 em Setúbal) e vinga-se do empate em Erevan, em Agosto do ano anterior. O único facto preocupante desta espécie de jogo-treino é o amarelo a Fernando Couto, que o afasta da decisão em Berlim.
É o sportinguista Beto o substituto no centro da defesa, na capital alemã, onde Portugal marca um golo (bonito) por Pedro Barbosa, se vê reduzido a dez por expulsão (incompreensível) de Rui Costa e sofre o empate (injusto) por Kirsten. No lance mais comentado, ninguém entende a expulsão de Rui Costa, quando este vai ser substituído por Sérgio Conceição (lentamente, segundo o árbitro francês Marc Batta) e vê o segundo amarelo. O capitão alemão Jürgen Klinsmann vai mesmo ao balneário português consolar Rui Costa.
Último capítulo no apuramento, a 11 Outubro 1997. Obrigatório uma vitória vs Irlanda do Norte e ainda esperamos por um empate da Ucrânia na Arménia. Nada feito, a Ucrânia ganha 2:0 e o nosso 1:0 (obra de Sérgio Conceição) é só válido para a estatística. Artur Jorge é despedido com lenços brancos, na Luz.
Uns anos depois, no uso da palavra, o seleccionador diz de sua justiça.
O que tem a dizer sobre a campanha para o Mundial-98?
O grupo de trabalho é bom, mas o percurso foi salteado por muitas decisões erradas e poucas coisas bonitas.
Dentro ou fora do relvado?
Dentro, sempre dentro. Os de fora não interessam para este assunto.
Fala em quê?
Daquela expulsão do Rui Costa em Berlim. Inaceitável. Ninguém compreende aquele vermelho, que nos deixa inferiorizados no campo do então campeão europeu. Lembro-me perfeitamente de o Berti Vogts, seleccionador alemão, falar comigo sobre a injustiça daquela situação. E o Klinsmann visitou o nosso balneário para nos confortar, em especial ao Rui Costa, que estava mesmo em baixo.
O árbitro é o Marc Batta.
Já o conhecia da minha passagem no PSG. Sabe onde é que ele está agora?
Não.
É director nacional da arbitragem em França e tem um lugar importante [no Comité dos Árbitros] na UEFA. Já está a ver, não está?