Great Scott #110: Quantos lances demora o jogo de xadrez entre Bobby Fisher e Joaquim Durão?
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Havana, 28 Outubro 1966. É a 17.ª Olimpíada de xadrez. O norte-americano Bobby Fischer já ameaça a tradicional hegemonia soviética na modalidade. A Portugal cabe defrontar a selecção dos EUA, para o grupo 3.
De um lado do tabuleiro Fischer, do outro Joaquim Durão, no Salão dos Embaixadores do Hotel Habana Libre, onde se disputa a competição entre equipas de 52 países. “Por razões religiosas, Fischer não aceitava jogar entre o pôr do Sol de sexta-feira e o pôr do Sol de sábado”, lembra Durão. “Cumpria aquele preceito a rigor e isso na altura até lhe causava alguns problemas.” Fischer tornara-se membro da Igreja Cristã Mundial de Deus (do Sétimo Dia, adventista), uma facção fundamentalista do cristianismo.
David Byrne é o chefe da delegação norte-americana em Cuba e solicita na véspera o adiamento. Os responsáveis portugueses assinam por baixo. “Eu tinha uma grande amizade por David Byrne e aceitei logo a antecipação. Iniciámos o jogo e só duas horas mais tarde começaram as restantes partidas, já com o rodopio normal de uma Olimpíada”, recorda Durão.
O jogo dura cinco horas, qualquer coisa como 46 lances. Durante o prélio (adoro prélio), Fischer pergunta à organização se pode almoçar enquanto movimenta as peças. Pedido aceite. “Para mim era uma honra defrontar um jogador daquele calibre. Não me lembro o que comeu. Sei que me ofereceu, gentileza que agradeci, mas não estava habituado a comer durante as competições.” No final, os jogadores cumprimentam-se e ficam a conversar noutra sala do hotel.
“Depois da partida, convidou-me a analisar a partida. Uma coisa que ele não fazia com os outros. Conversámos muito sobre xadrez e solidificámos a nossa amizade.” Um ano depois, em Monte Carlo, os dois reencontram-se. “Cheguei ao hotel com a minha mulher e ele [Fischer] fez-me uma autêntica festa. Ficámos admirados com a recepção. Não éramos amigos íntimos, éramos amigos normais. Mas era uma amizade rara, ele tinha uma personalidade complicada e não tinha muitos amigos no xadrez. Apesar de tudo, Fischer tinha muita consideração pelos colegas jogadores, independentemente da categoria que tivessem. O mesmo não acontecia com alguns organizadores e ‘sponsors’, com os quais era exigente, pois considerava-os os ‘marchants’ do xadrez, uma espécie de ‘exploradores’ da arte alheia.” O último contacto é durante as Olimpíadas de Siegen (então RFA), em 1970: “Conversámos várias vezes durante a competição e depois disso, pessoalmente, nunca mais o encontrei”. Na retina de Joaquim Durão, a figura de Fischer é “muito peculiar” na abordagem ao jogo. “O mundo do xadrez era o mundo dele, fora desse universo não ligava muito às pessoas.”