Barcelona 3:0 Porto, a vida em 90’
A Liga dos Campeões 1993-94 é única.
Para início de conversa, é a única vez sem o campeão europeu em título (Marselha) pelo escândalo Valenciennes da época anterior. A federação francesa retira-lhe o título e despromove-o à 2.ª divisão. A UEFA insiste no representante francês. Convida o segundo classificado, PSG. A equipa de Artur Jorge dá uma nega e quer continuar na Taça das Taças. Convida-se então o terceiro classificado, Monaco. O clube de Arsène Wenger dá uma cambalhota no ar e diz siiiiiiim. Ou melhor, ouiiiiiii.
Para início de conversa, parte 2, é a única vez de uma Liga dos Campeões com a ½ final a uma só mão. É uma criação fast food. Há duas fases de qualificação, depois grupos, ½ final e a decisão, agendada para Atenas. O Porto, digno representante português, passa Floriana (2:0 nas Antas, 0:0 em Malta) e Feyenoord (o tal golo solitário de Domingos em 180 minutos intensos). Nos grupos, o Porto calha em sorte com italianos, alemães e belgas. Na estreia, 3:2 ao Werder Bremen nas Antas (golaço de Rui Jorge em vólei). Seguem-se duas derrotas seguidas, uma no Giuseppe Meazza por claro 3:0, outra em Bruxelas pela margem mínima, cortesia de Nilis.
Na segunda volta, o Porto acerta o passo. Drulovic e Secretário derrubam o Anderlecht nas Antes (2:0) e, 15 dias mais tarde, o Werder Bremen é brindado com uma goleada nunca vista por 5:0. Rui Filipe, Kostadinov, Secretário, Domingos e Timofte (penálti) definem o resultado final numa noite de má memória para Paulinho Santos, substituído aos 8’ por lesão. Quem entra é Rui Filipe, autor do 1:0 aos 11’. O outro suplente da noite também assina o ponto. É ele Domingos. Bastam-lhe 120 segundos para selar o 4:0 num remate forte e colocado ao ângulo de Reck.
Para a última jornada, no dia 13 Abril 1994, o Porto tem obrigatoriamente de ganhar ao Milan nas Antas para acabar em primeiro lugar do grupo. No último minuto, Drulovic falha o golo na cara de Rossi. O nulo, o terceiro 0:0 do Milan em seis jogos, favorece o onze de Capello – que, a propósito, seria campeão italiano nessa época com 12 empates, oito dos quais sem golos.
No outro grupo, há espanhóis, franceses, russos e turcos. Spartak Moscovo e Galatasaray cedo se resignam à condição de figurantes, Barcelona e Monaco assumem-se como favoritos. Só falta definir o primeiro e o segundo lugares, importante para o tal jogo único da ½ final. Então? O primeiro joga em casa. Também aqui tudo se resolve na sexta e última ronda, a 13 Abril. No Estádio Louis II, o invicto Barcelona só tem de jogar para o empate. Já o Monaco, com Klinsmann, Ikpeba e Djorkaeff, está obrigado a ganhar. Nada feito, 0:1 de Stoitchkov.
Feito, Barcelona-Porto e Milan-Monaco na quarta-feira, 27 Abril. O Porto, terceiro classificado da 1.ª divisão, a quatro pontos de Benfica e Sporting, chega a Barcelona sem Timofte, lesionado. De resto, todos prontos. Aloísio, incluído. O central brasileiro é um velho conhecido do Barcelona, como (digno) representante de 1988 até 1990. Ganha uma Taça das Taças e tudo. Equipa-se no balneário dos visitantes e dá uma espreitadela no dos visitados para ver o seu cacifo, a seguir ao treino vespertino, antes da iluminação dos holofotes. E porquê tão cedo? Robson quer ver a final da Taça UEFA entre Inter e Casino Salsburgo, que eliminara o treinador inglês em Dezembro dessa época, ainda ao serviço do Sporting.
Na conferência de imprensa, a ausência de um tradutor afasta os jornalistas espanhóis. Muy bien, Robson fala pelos cotovelos e continua sem entender o porquê de Cruijff dizer que o Porto é uma equipa matreira, com muitas faltas a meio-campo. ‘No 5:0 em Bremen, por exemplo, não fizemos nem uma.’ Na conferência de Cruijff, o assunto até nem é muito o Porto, é mais o seleccionador espanhol Javier Clemente e as suas declarações anti-Barcelona. ‘Duvido muito que o Barcelona ganhe alguma coisa esta época’ (…) ‘o filho de Cruijff joga na filial e ganha mais que alguns jogadores da equipa principal’ (…) ‘às vezes, tenho de animar os jogadores do Barcelona na selecção, eles vêm completamente destruídos pelos métodos de lá’.
Quarta-feira, dia de jogo. Nas bancadas, tudo cheio e cartazes anti-Clemente. No Barcelona, o estrangeiro de fora é Laudrup (também o seria na final, vs Milan). Jogam Koeman, Romário e Stoitchkov. No Porto, o trio é Aloísio, Kostadinov e Drulovic. Dos três, só um sobressai. E pela negativa. É Aloísio, lateral-direito para impedir os avanços de Stoitchkov. Má decisão de Robson. Porque Stoicho faz trinta por uma linha e decide a ½ final antes do intervalo com dois golos em jogadas parecidas, aos 10 e 35 minutos: Romário desce para a intermediária e serve Sergi; o lateral corre como se fosse um extremo e oferece o golo a Stoitchkov. No lado oposto, o búlgaro Kostadinov ausenta-se por completo do jogo, culpa de uma marcação exemplar de Nadal.
Na segunda parte, o Porto continua amarrado às suas ideias e sofre o terceiro golo aos 72’, num portentoso pontapé de Koeman do meio da rua, a uns bons 30 metros. A bola ainda toca em Couto. Sem hipótese de defesa para Baía, numa altura em que o capitão João Pinto já fora expulso por duplo amarelo aos 61’. Até final, só Barcelona. Vale então Baía com duas defesas a impedir o 4:0 de Romário. Em Milão, o resultado é idêntico. Ganha o Milan com tranquilidade, golos de Desailly (14’), Albertini (48’) e Massaro (64’). Pormenor: Costacurta é expulso com duplo amarelo, aos 40’. Quem o expulsa é Klinsmann – na verdade, é o árbitro Heynemann. A dupla alemã também está na origem de um amarelo a Baresi (38’), que o tira da final de Atenas, vs Barcelona. Dito isto, a hipotética final entre Porto e Monaco é adiada dez anos, até 2004.