Ajax 8:2 Feyenoord, e agora?
Cruijff. O nome impõe admiração, cultiva paixão, ultrapassa fronteiras. É intemporal. Da cabeça de Johan saem as ideias mais mirabolantes, jamais vistas. Dos seus pés as jogadas mais inverosímeis. É a revolução do futebol em marcha. Primeiro no Ajax, depois na selecção holandesa. O estilo apanha-nos desprevenidos a todos. Até aos holandeses. É um tipo de magia, construída com base na ordem e no progresso de onze cabeludos ao longo de 90 minutos. Ou 120, como naquele 3:0 ao Benfica após prolongamento, para a Taça dos Campeões.
O estilo é libertador. Pensa por ti, executa para o bem da equipa. O futebol reinventa-se. Culpa de Cruijff, o mais talentoso executante de um futebol puro, descontraído, ousado. Em 1983, já com 36 anos, Johan é rei e senhor do Ajax. Líder do balneário por direito próprio, junta com alguma naturalidade o campeonato e a Taça da Holanda. Dobradinha. Nesse Verão, o Ajax vira-lhe as costas. Nem uma proposta nem uma conversa. Nada de nada. Cruijff sente o desprezo. Se fosse outro qualquer, acusaria o golpe. Como Johan é Cruijff, o maior, há que olhar em frente. Aparece o Feyenoord.
Ponto prévio: o Feyenoord é o primeiro clube holandês a sagrar-se campeão europeu (1970) e mundial (1970). Só que agora, em 1983, está longe dos holofotes da fama e até é ultrapassado pelos emblemas da ilustre classe média, como o PSV, vencedor da Taça UEFA 1978 e o AZ ’67 Alkmaar, finalista da Taça UEFA 1981, perdida para o Ipswich de Bobby Robson. O Feyenoord nada risca no futebol holandês. Até chegar Cruijff para se juntar a um plantel com nomes jovens como o fulgurante Gullit e o guarda-redes Hiele, ambos campeões europeus de selecções em 1988.
Voltemos a 1983, o ano em que o Feyenoord começa por ganhar cinco dos seis primeiros jogos da 1.ª divisão. À 7.ª jornada, jogo grande em Amesterdão. Sai a sorte grande ao Ajax, vencedor por categórico 8:2 com direito a hat-trick de Van Basten. Cá fora, Cruijff é um cidadão tranquilo. ‘Não perdemos nada de especial, foi só um jogo.’ Picam-lhe, claro. E ele responde à letra. ‘Ainda vamos ser campeões’. À falta de gargalhadas sonoras, porque uma instituição é uma instituição, há risos interiores. Tanto dos jornalistas como dos adeptos do Ajax. Que, a propósito, insultam os do Feyenoord e vice-versa, ao ponto de obrigar a polícia a intervir com energia.
Feitas as contas, golo a golo, esse jogo no dia 18 Setembro é assim
1:0 Jesper Olsen (5’)
2:0 Van Basten (14’)
3:0 Boeve (23’)
3:1 Houtman (27’)
3:2 Duut (33’)
4:2 Molenaar (61’)
5:2 R. Koeman (64’ p)
6:2 Van Basten (75’)
7:2 Jesper Olsen (84’)
8:2 Van Basten (87’)
Siga a marinha. Na semana seguinte, o Feyenoord recompõe-se com 2:0 vs Go Ahead Eagles. Bis de Gullit, um portento de músculo e técnica. Na véspera, o Ajax joga fora vs Haarlem. Ao intervalo, 0:3. Golos de Ophof, Rijkaard e Koeman. No fim, 3:3. Böckling, Verschoor e Böckling garantem o extraordinário empate entre os minutos 74 e 84. O Ajax acumula mais erros nas duas jornadas seguintes e permite a ultrapassagem do Feyenoord, que acumularia uma série de 12 vitórias nos 15 jogos seguintes. Até ao 1:0 em Groningen.
A derrota é a 19 Fevereiro, só quatro dias depois de um jogo desempate para os 1/8 final da Taça da Holanda, no qual o Feyenoord afasta o Ajax após prolongamento por 2:1. Marca Houtman, empata Van Basten, decide Houtman aos 98’, de penálti. Sim, o Houtman do Sporting daí a uns anos. No Feyenoord de Cruijff, é um jogador diferente, titular na selecção holandesa e com capacidade para fazer a diferença em lances de bola parada, sejam penáltis ou livres directos.
Animado com a qualificação para os ¼ final da Taça, o Feyenoord perde em Groningen. Disso se aproveita o Ajax para reduzir a diferença para um ponto. Na jornada seguinte, Feyenoord vs Ajax no De Kuip. Acotovelam-se 58 mil pessoas para assistir a uma jornada histórica. Aos 12 minutos, Cruijff faz o 1:0. Aos 14’, Gullit amplia. Acaba 4:1. Contra todas as previsões, o Feyenoord é campeão a duas jornadas do fim, com o inevitável Cruijff a abrir o caminho para (mais) uma goleada, 5:0 em Tilburg vs Willem II. Com o embalo, o Feyenoord apura-se quatro dias mais tarde para a final da Taça com bis de Gullit e 4:1 em Haarlem. Na final realizada no De Kuip, o suplente Houtman entra aos 69’ e desata o nó aos 72’ vs Fortuna Sittard (1:0). É a dobradinha. A segunda seguida para Cruijff. Agora sim, Cruijff sai em beleza.
Contas feitas do Feyenoord na 1.ª divisão 1983-84
Top 5 de minutos
3016 Wijnstekers
2970 Hiele
2916 Gullit
2821 Cruijff
2808 Hoekstra
Top 5 de golos
21 Houtman
19 Hoekstra
15 Gullit
11 Cruijff
8 Jeliazkov
Numa homenagem a Cruijff, os 14 resultados mais non-sense em 1983-84
Go Ahead Eagles 4:6 Willem II
Ajax 7:2 Helmond
Utrecht 7:4 Excelsior
Roda 7:3 Zwolle
Utrecht 6:2 Zwolle
Utrecht 6:4 Helmond
Utrecht 1:7 AZ Alkmaar
Feyenoord 7:2 Haarlem
Excelsior 7:4 Utrecht
Sparta 8:1 Drechsteden
Groningen 6:2 AZ Alkmaar
PSV 7:1 Go Ahead Eagles
Helmond 2:6 Zwolle
Ajax 7:2 Drechsteden