Great Scott #120: Quem é o ilustre espectador brasileiro de um Sporting vs Académica em 1970?
Garrincha
O Sporting já é campeão nacional há uma semana. Faltam ainda quatro jornadas e há festa rija em Alvalade, com a visita da Académica. Afinal de contas, é a primeira vez que os campeões se exibem perante o seu público. Nas bancadas, um senhor brasileiro chamado Manoel Francisco dos Santos, vulgo Garrincha. Chega a Lisboa na véspera do jogo, um sábado, dia 28 Março 1970, na companhia de Elza Soares. Aliás, Garrincha é que é o acompanhante. O título do Diário de Lisboa é ‘Elza (samba) Soares trouxe Garrincha a Lisboa’. No texto, mais uma rebocada no Mané. ‘Saiu de Pau Grande há 20 anos à conquista do mundo futebolístico e, depois de ter ganho fortunas e ser passeado em ombros, depois de ter apertado mão a reis e a estrelas terrenas, é, hoje, apenas o acompanhante de Elza.
Elza vai actuar no palco do Monumental para o programa ‘Curto-Circuito’ da RTP e é entrevistada por Artur Agostinho. Tal como Garrincha, aliás. Começa assim, de forma prometedora. ‘Fui ontem ao Estoril, estou meio com sono’. Mané, com os dedos a tremer, puxa de um cigarro e fala sobre a eventual riqueza como futebolista. ‘Isso de dinheiro é uma história meio triste. Ganhei mais num ano no Corinthians do que em todo o tempo no Botafogo. E foram 13 anos. Quando eles disseram que eu estava acabado, meti-me nos amistosos. Joguinho para aquecer e ir cobrando.’ Quanto, pergunta Artur Agostinho? ‘Uns dois mil dólares por jogo. Fiz perto de vinte.’
Quantas vezes foi internacional brasileiro?
Não me lembro, isso é assunto para perguntar aos jornalistas. Olhe, fiz as campanhas. Suécia-58. Chile-62. E saí do team depois do jogo com a Hungria, em Londres. Enjoei da selecção. Depois de ter sofrido o que sofri, deixei de ligar a isso de amizade falsa. Fui operado ao joelho em 1964. No outro dia, em Roma, o Franco Ferrara levou-me ao melhor médico italiano. Sabe o que ele disse? Que eu nunca tivera nada no joelho. Que foi tudo intriga de amigos. Negócio de me tirar da selecção. De me matar o moral, entende?
(…)
O maior que viu?
Di Stéfano.
Os melhores defesas?
Jordão e Hilário.
E os seus golos?
Era difícil rematar ao golo. Só molhava o pão quando havia muita sopa.
(…)
Como se chamam as suas filhas?
Vai com calma, tenho de pensar. A Teresa, a Marinete. Eu já digo, eu já digo. Sou eu quem tenho de mandar o dinheiro para o negócio das sete meninas que ficaram com a mãe. A mais velha tem 17 anos e estão crescendo, crescendo.
Você juntou dinheiro?
Não, não tenho dinheiro junto. O dinheiro da gente (e aponta para Elza) dá para a nossa filha. Mas precisamos de trabalhar, não é? Queria jogar dois anos e depois virar treinador.
Tem curso para isso?
No Brasil tudo é fácil de conseguir. Dê-me dois meses e apresento o diploma. Como brasileiro, seria uma honra minha jogar no futebol português. Futebol, aliás, não tem pátria. Você me arranja um contrato?
(…)
Fim de papo. Garrincha apaga o cigarro no chão e sai de cena. Elza continua a deslumbrar. Todos de olhos postos na cantora. No dia seguinte, Garrincha aparece no Estádio da Luz para fazer umas corridas. ‘Estou gordo’. E está mesmo. Por isso mesmo, é recusado pelo Sporting. Sim, porque Garrincha oferece-se ao Sporting. No final do tal jogo em Alvalade, um jornalista apanha-o nas escadas e faz-lhe a pergunta da praxe. ‘Gostava de jogar aqui. Senti-me em casa e vocês são um povo caloroso.’ Garrincha, 37 anos de (má) vida e afastado dos relvados desde Dezembro 1969. Só voltaria a jogar em 1972, pelo Olaria, no estadual do Rio de Janeiro.