Pelé, o da fuga para a vitória

Here's Johnny Mais 09/27/2020
Tovar FC

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Pelé, o da fuga para a vitória

Estamos em 2010 e o Santos gasta 2,038 milhões de euros por mês em ordenados a jogadores (é o terceiro do ranking, atrás dos 2,144 do Corinthians e dos 2,120 do Internacional), com o prodígio Neymar no topo da hierarquia a receber 637 mil euros. Vamos agora recuar 40 anos, mais precisamente para 30 Outubro 1970, dia em que termina o contrato de um determinado Edson, no Santos. Sim, escrevemos o seu nome próprio porque ele era efectivamente o Edson Arantes do Nascimento, o cidadão, e não o Pelé, o Rei do futebol. Pelo menos, na hora de receber o salário mensal: 5000 cruzeiros, agora convertidos em 5539 reais, ou 1959 euros.

Entre Outubro 1969 e Outubro 1970, período em que marcou o milésimo golo, e se sagrou tricampeão mundial pela selecção brasileira, o genial Pelé leva uma vida economicamente modesta. Quer dizer, com esse dinheiro ele poderia comprar cinco televisões topo de gama da Philips de 23 polegadas, dar uma prestação de 16 para um apartamento T3 no bairro mais nobre em Santos ou dar entrada para um Volkswagen 1600 (Carocha) novinho em folha, o carro mais popular do Brasil. Posto isto, e atendendo à evolução salarial do futebol, é difícil (tentar) explicar aos mais velhos como os mais novos têm agora condições para comprar tudo em dinheiro com um simples ordenado. É outra realidade, totalmente descabida, relacionada com o descontrolo económico de um desporto em que os limites serão diariamente estabelecidos e sempre ultrapassados com televisão, marketing e publicidade.

Por falar nisso, Pelé era, isso sim, o Rei da publicidade, com uma marca de café
com o seu nome, mais anúncios a tudo e mais alguma coisa (Pepsi, por exemplo). Daí que recebesse luvas de 3822 euros por mês. Ou seja, quando Pelé marcou o milésimo golo da sua carreira, recebia 5181 euros do Santos. Ou seja (parte
2), Pelé ganhava bem para um cidadão comum brasileiro naquela altura, mas
mal para os padrões futebolísticos actuais. Quem diz isso é José Pascoal Vaz, professor de Economia da Universidade Católica de Santos. “Os cálculos destes valores reforçam a ordem de grandeza, válida para provar que hoje os grandes
jogadores, infinitamente menos craques que o Rei, recebem infinitamente mais
do que ele recebia.”

No tal documento do contrato assinado por Pelé e Athié Jorge Coury, presidente do Santos, havia uma cláusula curiosa que obrigava os jogadores do Santos a prescindirem de 50% do seu ordenado caso descessem à 2.a divisão paulista (o campeonato brasileiro só seria introduzido em 1971), o que seria uma tremenda ironia. Isso nunca aconteceu. Nem a Pelé. A palavra-chave do Rei é cotas. Nas
digressões do Santos, o caché do clube era de 300 mil dólares, fosse na Europa
ou em África. Pelé recebia 30%. É muito, não é? Para o Brasil dos anos 70, sim.
Mas tudo isso (salários, luvas e cotas) é apenas 10% do que Robinho ganhou por
mês na última passagem pelo Santos, no início de 2010. E lá voltamos nós ao início. Afinal, é o ano em que estamos.

“Três Corações sempre foi uma referência para mim. Significa o lugar onde nasci, onde cresci e onde joguei futebol – todos representam três corações para mim”

“Pouco antes de eu vir ao mundo, houve uma outra chegada a Três Corações: a da electricidade. Para comemorar esse grande progresso nas nossas vidas, o meu pai Dondinho resolveu chamar-me de Edson – sem i – em homenagem a Thomas Edison, o inventor da lâmpada eléctrica. Mas, na minha certidão de nascimento, o meu nome aparece como Edison, com i, um erro que permanece até hoje”

“O meu pai era um bom jogador. Era atacante, um jogador alto – quase um metro e oitenta – e bom cabeceador. Normalmente, essa característica era identifica com os jogadores ingleses, mas naquela época o Brasil tinha um atleta chamado Baltazar que marcava golos impressionantes de cabeça. Todo o mundo dizia que o meu pai era o Baltazar do interior”

“Contaram-me que o meu pai chegou a fazer cinco golos de cabeça na mesma partida. Eu era demasiado novo para me lembrar, mas, quando atingi a marca dos mil golos, alguns jornalistas começaram a pesquisar essa informação e chegou-se à conclusão que era verdadeira. Eles até escreveram que era o único recorde de golos que não pertencia ao Pelé, pertencia ao seu próprio pai. Só Deus pode explicar uma coisa dessas”

“Zoca, Maria Lúcia e eu, os três irmãos, andávamos sempre descalços e usávamos roupas em segunda mão. A casa era pequena e superlotada, com goteiras no tecto. Sem uma fonte de renda constante, lembro-me que as refeições eram várias vezes pão com uma fatia de banana. Nunca ficámos sem comida e aprendi que o medo da vida é o maior medo que existe”

“Na escola, sempre fui um tagarela e, claro, um problema. Lembro-me bem da minha primeira professora, a dona Cida. Não permitia discussões e era muito severa, intolerante com o menor desvio de comportamento. O castigo para mim era sempre o mesmo: ajoelhar-me sobre um punhado de feijões, duros como pedregulhos. Talvez isso tenha ajudado a fortalecer os meus joelhos para o trabalho que eles tinham pela frente”

“Queria ser aviador. Por isso, passava os dias no Astro Club para ver os aviões e planadores a fazer manobras. Queria desesperadamente ser aviador, parecia um jeito incrivelmente romântico de ganhar a vida – de viver. Lembro-me de ter esta conversa com o meu pai e dele até considerar bastante razoável o meu projecto. Imaginava que ele fosse descartar a ideia, mas não, gostou dela. E, astutamente, disse-me que tinha de estudar muito para chegar a esse objectivo. Foi a primeira vez que me trataram como homem”

“Nós, brasileiros, gostamos de apelidos [alcunhas]. Eu posso falar, porque tive alguns. O primeiro foi Dico, que é como a minha mãe me chama até hoje. No Santos, durante algum tempo, fui chamado de Gasolina. Obra do Zito, que estava a pensar num cantor brasileiro com o mesmo nome. Depois apareceu o Pelé. No início, aquilo irritava-me. E muito. Nunca tive 100% de certeza sobre a origem do Pelé, mas a versão mais provável é a que conto agora: tudo começou com um amigo do meu pai chamado Bilé. Como era pequeno, distorcia a pronúncia e dizia que queria ser o Pilé quando fosse grande. Dizia Pilé em vez de Bilé. Quando mudei de Três Corações para Bauru, o meu forte sotaque mineiro deu-me para passar a dizer Pelé. Foi assim”

“Passei o jogo da final do Mundial-50 a jogar à bola com os mseus amigos na rua. Quer dizer, entrava lá em casa de vez em quando e via toda a gente de ouvido colado na rádio mas não ligava muito. Quando o jogo terminou, lembro-me de ver o meu pai e todos os seus amigos absolutamente calados. Aproximei-me e perguntei o que tinha acontecido. ‘O Brasil perdeu’ – respondeu o meu pai, como um zombi – ‘o Brasil perdeu’. Disse-lhe para não ficar triste e a minha mãe puxou-me para o lado. ‘Deixe o seu pai em paz’. A decepção era maior do que podíamos suportar, Bauru era uma cidade fantasma”

“O meu torneio oficial foi aos 14 anos. Futebol de salão. Diziam-me demasiado novo para competir com adultos. Acabei por ser o artilho, com 14 ou 15 golos. Aquilo deu-me muita confiança e soube então que não teria medo de nada que me aparecesse pela frente. A partir daí, as oportunidades começaram a surgir. A primeira de todas foi através de um jogador chamado Elba de Pádua Lima, vulgo Tim, treinador do Bangu. Ele queria levar-me e falou com a minha mãe. ‘De jeito nenhum’, disse ela, ‘Bangu é no Rio de Janeiro. Além disso, o meu filho vai estudar para ser professor’”

“Apareceu o Santos e fui, acompanhado por Waldermar de Brito e o meu pai, primeiro de comboio, depois de autocarro. A primeira lição do Waldemar foi que continuasse a ser o mesmo dentro de campo, que não me impresionasse com os astros. A segunda lição foi sobre a imprensa. ‘Veja bem, uma coisa muito importante: você não vai ler jornais e não vai ouvir rádio. Principalmente antes do jogo. Nunca leia as gazetas desportivas nem ouça o rádio’ E a verdade é que ao longo da minha carreira, e mesmo depois, jamais dei muita bola para a imprensa”

“Só fumei uma vez, ainda em Bauru, numa rodinha com amigos, a 50 metros de casa. O meu pai passoiu no meio de nós e eu pensei que ele não me tivesse visto. Estava enganado. Quando cheguei a casa, a nossa conversa foi bem simples:

– Você estava a fumar.

– Sim. Foi só para experimentar.

– E qual foi o gosto do fumo?

– Não sei, não cheguei a puxar assim tanto.

– Você tem talento para o futebol. Pode até virar um craque, mas não vai fazer sucesso nessa profissão se fumar ou beber. O seu corpo não vai aguentar. E tem outra coisa [deu-me dinheiro para mão]: se você quer fumar, deve fumar os seus cigarros e não o dos outros’

Estou absolutamente convencido de que o gesto do meu pai e as palavras salvaram-me. Se tivesse levado uma surra, provavelmente teria fumado o segundo cigarro. E o terceiro, e o quarto, e por aí fora”

“Quando cheguei a Santos, a primeira coisa que fiz foi ver o mar e caminhar na praia. Quando pisei a praia, baixei-me para sentir a areia com as mãos e provei a água. A minha professora sempre me disse que era salgada – e estava certa, embora eu duvidasse dela naquela época”

“A estreia pela equipa principal do Santos foi um jogo-treino na cidade vizinha de Santos chamada Cubatão. Vencemos 6-1 e eu marquei quatro golos. Embora esse golos não contem para a estatística, foram fundamentais para mim. Porque comecvei definitivamente a acreditar em mim e os outros também. Os outros são os companheiros de equipa, os dirigentes, os adeptos e os jornalistas. Começou a haver pressão para me meter entre a equipa titular”

“Os primeiros golos a valer foram no dia 7 Setembro 1956, aniversário da independência do Brasil. Tudo parecia muito adequado. Foi no Maracanã, um campo muito maior que o da Vila Belmiro. Foi um combinado Vasco-Santos contra o Belenenses, de Portugal. O estádio estava lotado e entrámos debaixo de fogo de artifício, uma atmosfera fantástica. Marquei três golos. No primeiro, recebi a bola na área cercado por três homens e consegui mandá-la com violência para as redes. No segundo, driblei a defesa e dei um toquezinho por cima do guarda-redes, que vinha mergulhando. E o último foi uma bomba fora da área. Três golos muito diferentes e acho que mostrei a todo o mundo do que era capaz”

“O nosso hotel para o Mundial-58 era muito confortável, luxuoso até. A maioria dos pratos era à base de peixe e comemos as legítimas sardinhas portuguesas. Sentíamos era a falta do arroz. Quando os organizadores descobriram um saco de arroz em Gotemburgo, começámos a comer sempre arroz com peixe e, às vezes, carne”

“Como estava lesionado, não joguei os dois primeiros jogos, com Áustria e Inglaterra. Ao terceiro, com a URSS, fui dado como apto pelo médico. O seleccionador Feola ia utilizar-me, só que o psicólogo da selecção advertiu-o e disse disse-lhe que eu era ‘obviamente infantil’, de acordo com os testes realizados durante o estágio. Também deu o mesmo parecer ao Garrincha. Felizmente, para mim e para o Garrincha, o Feola sempre preferiu os seus instintos aos conselhos dos especialistas. Limitou-se a balançar a cabeça e disse: ‘Vocês pode estar certo, o problema é que você não entende de futebol. Se o joelho do Pelé está bom, ele vai jogar’”

“O melhor jogador brasileiro no Mundial-58 foi o Didi. Era o nosso mestre, cuidava bem de nós todos, sobretudo de mim e do Garrincha, os mais novos e inexperientes. A meio de nós, ele passava por nós e dizia-nos ‘preste atenção onde vai jogar essa bola’. Às vezes, ele fingia que ia passar a bola para um lado e, de repente, passava para o outro. Aquilo confundia-nos e ele xingava-nos: ‘seus idiotas, estou tentado confundir o time deles’”

“Durante o Mundial-58, observei uma coisa curiosa em relação às outras selecções: só havia brancos. Achei aquilo muito estranho. Lembro-me de perguntar aos meus companheiros: ‘será que só existe preto no Brasil?’”

“A festa dos campeões mundiais em 1958 foi demais. Em Bauru, fui recebido pelo prefeito Nicola Avalone Jr. Nunca tinha visto tanta gente nas ruas. Recebi todo o tipo de presentes, entre medalhas, beijos, taças, troféus. Pelo canto do olho, deu para perceber um pedaço enorme de lona a embrulhar qualquer coisa. Pareceu-me um carro. Ainda não tinha carta, mas imaginei logo um conversível para dirigir para cima e para cima na rua da praia em Santos. Puxaram a lona e o meu queixo caiu – de desapontamento. Era uma pequena Romisetta, um carrinho barulhento de três rodas, muito popular na época. Santos? Nem dava nem para dirigir para lá naquilo. Fiquei grato, claro. Um carro é um carro, mesmo com três rodas”

“Mal fui campeão mundial, entrei no exército. Ainda tentei escapar e, para tal, falei com dois dirigentes militares que pertenciam aos quadros do Santos. ‘Você ficou louco? Como vamos dizer que você tem pulmões fracos ou uma perna defeituosa? Você acabou de vencer uma Copa do Mundo. O país inteiro sabe que você é o exemplo ideal de saúde pura. Entrei no exército e representei a selecção brasileira militar”

“Na final da Copa América das Forças Armadas, calhou Brasil e Argentina, no campo do Botafogo, no Rio. Fui expulso pela primeira vez. Havia um argentino que se colou a mim desde o primeiro minuto e vivia chutando as minhas pernas. Quando me cansei daquilo, reagi e dei um chuto na canela dele. Começou uma briga propriamente dita e acabámos expulsos. Devo dizer que ganhámos 2-1. O que interessa é que no final do jogo o coronel Osman, meu superior hierárquico no exército, deu-me uma lição de vida que nujnca mais esqueci: ‘você precisa aprender a controlar o seu génio, sei que o argentino estava chutando você mas é melhor derrubar o adversário com técnica’”

“O meu nome já estava consagrado no futebol brasileiro. Isso notava-se na imprensa, na adesão popular onde quer fosse jogar e também dentro do campo. Não digo em relação à dureza ou respeito dos adversários, consoante o caso. Falo, isso sim, de um jogo em que marquei um golo em que a bola não entrou. Os protestos foram muitos. E o árbitro resolveu a questão desta maneira: ‘Quer saber de uma coisa? Foi uma jogada tão bonita que vou dar golo, mesmo que a bola não tenha entrado. Golo do Pelé e fim de papo’”

“Na ressaca do Mundial-58, saíram dois livros sobre mim e estrelei num filme chamado ‘Eu Sou Pelé’. Era um produto em demanda constante, tanto no Brasil como na Europa. O Inter interessou-se por mim, a troco de 40 milhões de cruzeiros. Não estava interessado nem o Santos. Depois foi a Juventus, em Turim, durante o torneio Itália 61, que o Santos conquistou. O presidente Umberto Agnelli convidou-nos para almoçar. Fui eu, o dr. Athiê Jorge Couty, presidente do Santos, e mais umas quantas pessoas. Lá para o final da refeição, o Agnelli perguntou ‘Você estaria interessado em negociar a transferência do Pelé para a Juventus?’ Athiê quase engasgou e respondeu ‘nós não negociamos o Pelé, seria caro demais…’ Agnelli interrompeu-o: ‘Que tal um milhão de dólares para começo de conversa?’ A mesa estava silenciosa e o Agnelli rematou: ‘Ah, o dia está lindo, o céu está tão azul; não vamos estragar tudo a falar de dinheiro’ A verdade é que a Juventus até subiu a parada mas nunca chegou a formalizar a oferta”

“No Mundial-62, no Chile, experimentei uma experiência pouca vista ainda hoje nos relvados por esse mundo fora. No segundo jogo da fase de grupos, com a Checoslováquia, rematei uma bola à baliza e fiquei no chão. Puxei a perna contra o peito para tentar anuar a dor, só que a dor não desaparecia. O Mário Américo saiu correndo disparado na minha direcção e cedo se deu conta da gravidade da lesão. Como ainda não havia substituições, tinha de jogar os restantes 70 minutos encostado a um canto, a fazer figura de corpo presente. Aí aconteceu uma coisa incrível: os checos não caíram em cima de mim, cada vez que tinha a bola em meu poder. Não me pressionavam nem tentavam roubar-me a bola, deixavam-me jogar à vontade, dentro das minhas capacidades. Nulas, ou quase. Esta é a própria definição de jogo limpo”

“Ganhámos a Libertadores com 3-0 ao Boca Juniors em Buenos Aires. Marquei dois golos e, no final, os adeptos argentinos tiraram-me tudo, até os calções. Com a vitória, fomos jogar a Taça Intercontinental com o Benfica do óptimo Eusébio. Em vez de jogarmos no Vila Belmiro, escolhemos o Maracanã. Ganhámos 3-2. Quando chegámos a Lisboa, percebemos que o Benfica estava tão confiante na vitória que já se falava na venda de ingressos para um terceiro jogo, o de desempate. Eles mandaram fazer galhardetes a dizer ‘Benfica campeão do mundo’. Isso espicaçou-nos e acabámos por ter um dos melhores desempenhos da história do Santos. Foi, sem dúvida, a melhor partida da minha carreira. Chegámos ao 5-0, acabou 5-2”

“O Mundial-66 foi o maior equívoco de sempre da selecção brasileira. Falo do meu tempo, claro. A nossa preparação foi tristemente insuficiente e a direcção do time era incompetente. A tomada de decisões era geralmente equivocada, sem sentido algum. E houve um choque cultura. Por exemplo, nós queríamos divertir-nos entre a burocracia dos treinos, mas os dirigentes não nos deixavam. Um dia, alguém nos disse que os Beatles adoravam futebol e queriam fazer um show em nossa homenagem. Fui falar com o Carlos Nascimento, um dos chefes da delegação. Como ele era mais velho que nós, falou: ‘O quê, aqueles garotos cabeludos? Olha, vocês, rapaz, estão aqui para jogar futebol, não para ouvir rock n’roll. Não vou permitir’ Saí dali furioso. Só conheci o John Lennon uns dez anos depois, em Nova Iorque. Estava a ter aulas de inglês na escola Berlitz, perto do Central Park. Na mesma escola, estava a Yoko Ono, namorada do John”

“No jogo com Portugal, fizemos tudo errado. Pareciamos uns novatos. Machuquei o joelho na primeira parte e continuei para a segunda, porque ainda não havia substituições. Fui marcado com violência, mesmo quando a partida já estava mais que decidida, pelas mãos (e pés) de Morais, que não me poupou nem por um minuto dos seus chutos e tesouras. Fiquei chateado por falhar, por não jogar em Wembley. Nunca joguei lá. Nem um particular. E decidi que não queria jogar mais nenhum Mundial”

“Como jogador do Cosmos, conheci um montão de gente famosa: Frank Sintra, Mick Jagger, Rod Stewart, Woody Allen. A lista é interminável. Fui às festas do 18.º e 19.º aniversário de Michael Jackson e tive um retrato pintado por Andy Warhol. Um vez, encontrei o Steven Spielberg num restaurante e ele disse-me: ‘Vou fazer um filme contigo a jogar futebol na Luz. Porque esse é o único lugar onde nunca jogaste’”

“Numa outra vez, estava a chegar ao escritório da Warner, no Rockefeller Center, e provoquei uma enorme confusão. As pessoas queriam todas o meu autógrafo e gritavam o meu nome. Entrei no elevador com outro homem. ‘Ninguém me prestou a mínima atenção?’ Era o Robert Redford. Que se ria que nem um perdido”

“Joguei quatro Mundiais, ganhei três. Estive a pensar em jogar o Mundial-74 e o de 1986, no México. Aó, seria o jogador mais velho de sempre, com 45 anos. O seleccionador Telê Santana disse que não seria impossível, sobretudo se fizéssemos uma boa gestão nas substituições. Mas foi só um capricho nascido da saudade de vestir aquela mágica camisola amarela outra vez”

“Um dos personagens mais engraçados com quem convivi foi Best, George Best. Lembro-me de encontros cauais e de ele ficar sempre espantado comigo, porque não bebia. A verdade é que nunca toquei sequer numa caipirinha, a bebida mais famosa do Brasil. Não fumo, nem bebo. E o Best provocava-me: ‘Que tipo de rei és tu? Não bebes nem fumas’”

“Um dos meus relacionamentos mais badalados foi com Maria da Graça Meneghel, a Xuxa. Conheci-a quando ela tinha 16 anos, numa sessão de fotos no Rio para a revista Manchete. Convidei-a para assistir a um show de música. Como era menor, falei primeiro com o pai. Convidei-a como amiga, mas ela acabou tornando-se mais do que isso. Ela classificava nosso relacionamento como ‘amizade colorida’. Eu costumava brincar que estava mais para preto e branco”

“A melhor incursão no mundo da representação dramática foi, sem dúvida, no filme de John Huston, de 1981, ‘Fuga para a Vitória’. Interpretei o cabo Luis Fernández e rodei o filme com a mesma paixão do que participava nos jogos de verdade. O realizador costumava gritar: ‘Relaxe Pelé, é um filme. É para ficar contido dentro da cena, a emoção precisa ser controlada’. Aprendi muito come e”

“E também aprendi que os ‘astros’ nem sempre trabalham democraticamente. Sylvestre Stallone, por exemplo, não permitia que alguém se sentasse na sua cadeira no set e corria o boato de que fazia questão que o seu personagem marcasse o golo da vitória. Considerando que ele fazia o papel de guarda-redes chamado Hatch, isso não deu muito certo, daí a cena do penálti defendido no último minuto” “De todos os jogos em que participei, nunca me esquecerei daquele Inglaterra-Brasil para o Mundial-70, em Guadalajara. Depois do apito final, esperei na fila para cumprimentar os jogadores da selecção inglesa. Tentei falar o pouco inglês que sabia. As palavras brotaram todas de uma vez. ‘Estou feliz, vocês jogaram bem, sim, boa sorte’. E troquei de camisola com o Bobby Moore. O problema é que, durante aquele jogo, alguns ladrões entraram no meu quarto de hotel na concentração e levaram as dez camisolas que tinha reservadas para o resto do Mundial. Chegámos a cogitar pedir ao Bobby que devolvesse a que eu lhe dera, para que eu tivesse o que vestir no jogo seguinte, com a Roménia. Felizmente, isso não foi necessário, mas as camisolas roubadas nunca mais apareceram”

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