Great Scott #126: Qual é o primeiro telefilme de Steven Spielberg?
Duel
É sábado, 13 Novembro 1971. Ainda há 45 mil marines no Vietname e uns quantos milhares de norte-americanos saem à rua para criticar a política do presidente Richard Nixon. Os que ficam em casa, talvez desejassem um fim de noite diferente, mais tranquilo e menos traumático. Pelo menos aqueles que assistem à rubrica “filme da semana” do canal ABC. Ninguém sabe mas é melhor largarem os chocolates, as pipocas ou os marshmallows porque “Duel”, assim se chama o telefilme, é uma aventura tão ilógica como assustadora.
Com prazo de validade (74 minutos) e final feliz, mas o estômago contrai-se, a garganta seca e a cabeça anda à roda com as emoções em crescendo. Enquanto um simpático Plymouth Valiant sai da garagem de casa e faz-se à estrada no meio do deserto californiano, os nomes dos protagonistas deslizam no ecrã. O principal é o de Dennis Weaver (David Mann). De bigode e óculos anos 70. Está com um ar descontraído, amigável, como o carro que conduz.
O ambiente é acolhedor. A câmara está montada na frente do veículo e dá uma sugestiva impressão de movimento através do trânsito, que diminui à medida que se sai de Los Angeles. Ainda estamos por encontrar a premissa do filme quando o Plymouth vermelho tenta ultrapassar um sujo e enferrujado camião castanho Peterbilt 281 de 1955, que se move abaixo do limite de velocidade. Não o consegue à primeira, só à segunda, e com esforço. Pronto, o assunto está resolvido. Apenas este susto inicial, vamos lá à trama, pensamos nós. Engano. Porque Spielberg…
Ai ainda não tínhamos dito isso? Sim, sim, este “Duel” é do jovem Steven Spielberg, de 24 anos. O realizador já tem um pequeno escritório em Los Angeles mas ainda não exibe um currículo que se veja. É então que a sua secretária lhe empresta a Playboy, onde lê um conto curioso escrito por Richard Matheson, inspirado numa história verídica sobre um atribulado e absurdo duelo na estrada entre o seu carro e um camião na viagem de carro no regresso de um jogo de golfe com Jerry Sohl, no dia do assassinato do presidente Kennedy.
Feito este parêntesis, retomamos a trama.
Engano. Porque Spielberg faz pensar ao telespectador que o Plymouth está a salvo. Só por uns segundos. De repente, o camião reaparece em cena. A partir daqui, instala-se o triângulo paranóia-perseguição-suspense, com um alucinante jogo de câmara em que se criam vários movimentos dinâmicos que conferem uma determinada velocidade a um e outro veículo, criando a ilusão de que o camião, com um motor mais potente, pode efectivamente apanhar o carro e abalroá-lo estrada fora.
Ainda ninguém sabe (nem o próprio Spielberg), mas o poeirento Peterbilt 218 parece-se com o Tubarão ou o T-Rex do Parque Jurássico, ambos de Spielberg, claro. Neste caso, a situação é mais angustiante ainda porque o condutor do camião jamais dá a cara. Ou seja, não sabemos como ele é fisicamente. É uma figura literalmente indecifrável. Ao contrário do próprio Spielberg, que aparece em duas cenas: na parte de trás do carro e no reflexo do vidro de uma cabina telefónica, à procura de uma camisa vermelha. E como acaba? Isso agora…
Com 13 dias de filmagens, em vez dos dez previstos, o filme não vai às salas e salta directamente para a televisão. Estamos num sábado, como já se disse, e a vida de Spielberg nunca mais será a mesma. Nem sequer passam 12 horas de segunda-feira para a secretária de Steven dar-lhe não uma Playboy mas sim dezenas de recados de produtores, que desejam conhecê-lo pessoalmente para convidá-lo a abraçar outros projectos. Coisas não tão básicas. Sei lá… “Tubarão” (1975), “Encontros Imediatos do Terceiro Grau” (1977), “Salteadores da Arca Perdida” (1981), “ET” (1982), “Indiana Jones e o Templo Perdido” (1984), “Indiana Jones e a Última Cruzada” (1989), “Parque Jurássico” (1993), “A Lista de Schindler” (1993) e “O Resgate do Soldado Ryan” (1998), só para citar os premiados com Óscar.