Sete negativas no sétimo ano
Medo. De quê? De ser apanhado a mentir, por exemplo. Em 1990, saco a respeitável marca de sete negativas em nove disciplinas, no primeiro período. Estou no 7.º ano, ali no Académico, à frente do Galeto. Tempos complicados, em que o meu corpo serve de bola de flippers para os mais velhos do 8.º, sobretudo à segunda-feira, na ressaca do Domingo Desportivo, quando o meu pai diz de sua justiça a respeito de um penálti bem assinalado contra o Benfica ou de uma derrota justa do Sporting. Como a malta não alinha pelo jornalismo opinativo, a intolerância cresce e eu, insisto, ando de um lado para o outro, invariavelmente salvo pelos ainda mais velhos do 11.º. Salta-me à memória os nomes dos maus da fita (Clavícula, Carapau) e os dos bons (Pança, Canoa). Medo, dizia eu. Continuo em 1990, com sete negativas em nove disciplinas – só escapo a Educação Física e Português, com um 4 e um 3. O resto é um ver-se-te-avias a Matemática, Francês, Inglês, Física, Ciências da Natureza, História e, tchan tchan tchan tchaaaaan, Educação Visual. Tudo corrido a 2. O que digo então aos meus pais?
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Que tenho seis negativas.
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Espeeeeerto. Epá, nem me perguntem o porquê desta decisão nem o diabo-a-sete. Como é que eu acho seis bem melhor que sete é um mistério insondável. Se recuar no tempo e puxar pela cabeça para compreender essa jiga-joga, dou mais voltas que um cubo rubik. A partir daí, cada vez que o meu pai vai abrir a caixa do correio, o que só acontece numa base diária desde Dezembro até Março, inclusive feriados, o meu mundo pára. A carta da escola lá chega em Abril, numa daquelas noites fixes de ar quente em que já nem penso por aí além no assunto. Na simples viagem caixa do correio-elevador-casa, o meu pai faz as contas. E refaz. Acompanho-o mentalmente. Um dois três quatro cinco seis sete. Sete negativas em nove. Me-do. Segue-se o olhar equivalente a um estalo daqueles. M-e-d-o. Escapo de boa. Na escola, quero dizer. Passo o ano com sete positivas.