Great Scott #127: Quem é o campeão português na última época sem 0:0 na 1.ª divisão?

Great Scott Mais 09/30/2020
Tovar FC

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Great Scott #127: Quem é o campeão português na última época sem 0:0 na 1.ª divisão?

Belenenses 1946

Elvas. O título decide-se no Alentejo. Numa série imparável de 11 vitórias seguidas, o Belenenses só precisa de mais uma para garantir um feito inédito e extraordinário no futebol português, o de interromper a hegemonia dos três grandes.

Naquele tempo de pós-guerra, uma viagem de Lisboa a Elvas é o cabo dos trabalhos. Como não há auto-estradas nem autocarro oficial do clube, os jogadores dividem-se em carros particulares e abalam para Elvas pela Estrada Nacional N.º 4, entre Vila Franca, Pegões, Vendas Novas, Montemor-o-Novo, Arraiolos, Estremoz e Borba. Ao todo, 230 quilómetros de distância, com paragem em Estremoz durante a noite para pernoitar. Qualquer coisa como cinco horas e meia de viagem. Em 9.º lugar no campeonato, o Elvas é um osso duro de roer em casa.

Às derrotas compreensíveis com Benfica e Sporting, acrescenta-se só mais uma, com o Atlético (a tal equipa que impede um comportamento cem por cento vitorioso do Belenenses na Salésias, com aquele 2-2). A figura maior é um homem da terra alcunhado de Patalino. À sua conta, oito golos dos 30 marcados em Elvas. O treinador é Joaquim Alcobia. Quer dizer, hoje não o será. Alfredo Valadas, autor do primeiro golo de sempre do campeonato nacional, em Janeiro de 1935, é o enviado-especial do Benfica para treinar o Elvas, filial número um dos encarnados.

O Belenenses de Augusto Silva alinha com o mesmo onze das últimas quatro jornadas. O Estádio Municipal está esgotado há dias. Há gente por todos os lados. E de todos os lados. Muitos adeptos belenenses das proximidades, como Alvor e Crato. O apoio é essencial e vibrante. Começa o jogo e a bola já lá mora na baliza de Capela. É uma jogada pela direita, finalizada pelo tal Patalino. Nem um minuto de jogo e o Elvas já ganha por 1-0. No Campo Grande, o Benfica sente o golo através do público e joga mais à vontade com o Vitória SC. Aos 17’, um-zero de Teixeira. Aos 39’, dois-zero de Rogério. Aos 55’, três-zero de Teixeira.

Então e o Belenenses? Um remate meio atabalhoado de Rafael a dar canto, aos 13’, e um livre de Feliciano por cima da trave, aos 29’. De resto, zero de futebol rendilhado e ofensivo, a imagem de marca. O nervosismo apodera-se de alguns jogadores, inclusive o capitão Amaro. Conta Quaresma: “Ao intervalo, o moral estava de rastos. Alguns companheiros ficaram desorientados e até o grande Amaro foi-se abaixo. O Vasco e eu, que éramos mais descontraídos e frios, começámos a puxar por eles.”

O puxar por eles não serve de muito no primeiro quarto de hora, com o Belenenses a abusar do jogo aéreo, sem consequências de maior para a baliza de Semedo. Às tantas, Rafael serve Andrade com um cruzamento perfeito. É o momento ideal para o 1:1. Ou não. O avançado, encadeado pelo sol, dá um pontapé na bola sem a ver e coloca-a nos pés de Rafael. Assim é complicado. Para chegar à vitória, é preciso mais competência na área. E também fora dela. Vai daí, Vasco comporta-se como um autêntico lateral-direito pós-moderno, agarra na bola e só pára na linha de fundo antes de cruzar para trás. Aparece então a figura de Quaresma, com um remate feliz, desviado por Andrade.

Está feito o empate, só falta o 2:1 para celebrar o título. Vasco, mais uma vez, desce o corredor e cruza largo na direcção de José Pedro, então postrado no extremo esquerdo a fazer número por se encontrar lesionado. De primeira, a bola segue para o meio, onde Quaresma lateraliza rapidamente para Rafael. O pontapé é admirável, cheio de força e colocação. Semedo está batido, o mundo belenense entra em parafuso. No último minuto, um livre de Feliciano faz a bola sair ligeiramente ao lado. Acto contínuo, o árbitro portuense Domingos Miranda apita para o fim. Do jogo e do campeonato.

O Belenenses sagra-se campeão nacional pela primeira vez. Há abraços e mais abraços dentro de campo. E lágrimas, muitas lágrimas. Diz Feliciano: “Estávamos todos arrasados, completamente exaustos, mas mesmo assim ainda tivemos ânimo para chorar de felicidade, como Madalenas inconsoláveis.” O regresso a Lisboa é apoteótico, pois claro. “Os carros foram obrigados a parar no Cais Sodré e o trajecto até Belém foi lento, com muita gente nas ruas a agitar bandeiras”, lembra o guarda-redes suplente Sério. Quando se chega finalmente a Belém, “nunca mais se viu uma festa tão bonita na Praça Afonso de Albuquerque”. A frase é de Quaresma e encaixa-se na perfeição.

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