Veloso. ‘O Stoitchkov chama-me louco e eu respondo-lhe: ‘Se sou louco, vem cá que eu mato-te’
O último grande lateral do Benfica. Seja na direita ou na esquerda, Veloso é dos defesas mais consagrados da história do clube. Titular por 15 épocas (sete delas como capitão), não encontra um único adversário mais veloz, mesmo quando entra na casa dos trinta anos. Sóbrio e experiente, Veloso contorna sempre a falta de velocidade, defeito da idade, e é célebre o confronto com a gazela Asprilla num Benfica vs Parma para as meias finais da Taça das Taças 1994.
Nascido em São João da Madeira, o jogador larga o emprego numa fábrica de calçado e dedica-se ao futebol, aos 16 anos. Dos juniores do Sanjoanense, onde é ponta-de-lança, passa para o Beira Mar, onde se mantém por quatro anos. Em 1980, com 23 anos, assina pelo Benfica. É aqui que começa uma emocionante
aventura, com três finais europeias, 15 títulos (sete campeonatos, seis Taças de
Portugal e duas Supertaças) mais 40 internacionalizações. Na selecção, é um
dos convocados para o Euro-84 e joga com a RFA. Dois anos mais tarde, falha o Mundial do México por dar positivo de Primobolan num controlo de doping. A contra-análise dá negativo. Em vão, José Torres já chamara o substituto Bandeirinha.
Adiante. Sempre reconhecido pelos adeptos, só abandona a carreira aos 38 anos de idade. Consigo, arrasta uma credibilidade ímpar. E o recorde de jogos nas competições europeias pelo Benfica (77), hoje batido pelo brasileiro Luisão, por ocasião da visita a Bucareste para a segunda jornada da Liga dos Campeões, com os romenos do Otelul Galati.
Bom dia, Veloso. Dos 77 jogos nas Eurotaças, qual aquele que lhe desperta mais recordações?
Inevitavelmente, o de Estugarda, com o PSV Eindhoven. Por ter sido uma final
da Taça dos Campeões e por ter falhado aquele penálti [o primeiro da segunda série, defendido por Van Breukelen].
Mas o Veloso esteve em mais duas finais.
Sim, é verdade. O Benfica é enorme. Cá dentro e lá fora. Tenho muito orgulho
em ter chegado a três finais em 15 anos. Em 1983, com o Anderlecht para a Taça UEFA. Essa foi dura, porque assistimos à festa do Anderlecht em pleno Estádio da Luz. Perdemos lá, em Bruxelas, por 1-0, um resultado aceitável, que nos dava opções para a segunda mão. O estádio estava cheio e ficámos ainda mais animados quando entrámos em campo e vimos todo aquele ambiente. O Shéu marcou e igualou a eliminatória, mas eles tinham uma equipa fortíssima, a base da selecção belga, e empataram. Esse golo [1-1] afastou-nos do título.
Depois 1990, com o Milan.
Essa final falhei porque levei um cartão amarelo na segunda mão das meias-finais com o Marselha.
Justo ou injusto?
Justo. Era um contra-ataque do Marselha e fiz falta. Se não o fizesse, a bola ia
parar ao Papin e ele não dava qualquer hipótese. Naquela altura, marcava 98,
99 golos em 100 lances dentro da área.
Mas viajou para Viena?
Sim, claro. Perdemos 1-0 com o Milan.
Então só se cruza com o Van Basten mais tarde?
Sim [risos], em 1991. Num Portugal-Holanda, nas Antas, qualificação para o Euro-92. O Artur Jorge puxa-me para central, ao lado do Venâncio, e ganhámos 1-0. O Van Basten não fez nada e há um lance em que o pisei acidentalmente. Saltámos, ele caiu e eu também. Para evitar pisar-lhe a cabeça e as costas, piso-lhe a mão. Ele barafustou comigo mas não lhe liguei nenhuma. No final, já a caminho dos balneários, estou a festejar com o Oceano quando ele me dá um murro e parte-me um dente. Levou troco. Meu e do Oceano até chegar a polícia. Fiz queixa na polícia e na UEFA mas como era o senhor Van Basten não lhe fizeram nada. Se fosse o Veloso…
Ao longo dos tais 77 jogos das Eurotaças, lidou com mais casos assim?
Não, o pior jogador que encontrei, e aqui o pior é de maldade, foi o Stoitchkov. Ele era mesmo mau. Perturbava o adversário com bocas e acções menos dignas.
Uma vez, em Barcelona [fase de grupos 91-92, derrota do Benfica por 2:1], o Eriksson meteu o José Carlos e eu na esquerda. Na segunda parte, tirou o José Carlos e eu fui para a direita. Na primeira vez que o Stoitchkov recebe a bola, vou
com tudo. Ele diz-me que sou louco e eu respondo-lhe: ‘Se sou louco, vem cá que
eu mato-te’. São aquelas conversas de sempre, em campo. A verdade é que ele
nunca mais se aproximou de mim e raramente passou do meio-campo. Intimidei-o à primeira. [risos tímidos]
E mais jogadores?
Não, não há mais histórias dessas. Só mesmo o Stoitchkov. O inglês Chris
Waddle, do Marselha, era muito irrequieto mas caladinho. O alemão Klaus
Allofs era um portento físico, muito complicado de segurar.
E o Asprilla?
No Benfica-Parma de 1994.
O Veloso tinha 37 anos e o Asprilla devia ser o Usain Bolt daquele tempo.
[risos] Pois, mas devo dizer-te que esse jogo foi aquele em que fiz a primeira e
única rotura em 15 anos de Benfica. Perto do intervalo, fiz um corte in extremis
sobre o Asprilla. Acertei na bola, claro, mas dobrei-me todo e lesionei-me. Nem
sequer joguei a segunda mão.
Nessa noite do Benfica-Parma, o Veloso joga a defesa-esquerdo. Pelo que
percebi, andava sempre de um lado para o outro.
Só não joguei a avançado e guarda-redes. De resto. E olha que comecei a carreira como avançado. Na Sanjoanense, o clube da minha terra. Nos dois primeiros jogos, um golo em cada. Depois, à medida que aumentavam os anos de carreira, recuava no terreno. Primeiro, médio. Depois, defesa.
E hoje é um defesa chamado Luisão que o ultrapassa como jogador do Benfica com mais jogos na Europa. Sabia disso?
Claro. É óptimo porque significa que o Benfica continua forte na Europa, a fazer
muitos jogos por época. Mas atenção: no meu tempo, era sempre a eliminar,
sem fases de grupos, que garantem logo seis jogos.