António Garrido. ‘Num jogo entre Holanda e Irlanda do Norte com Cruijff e Best, os adeptos pediram-me autógrafos’

Mais You Talkin' To Me? 10/24/2020
Tovar FC

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António Garrido. ‘Num jogo entre Holanda e Irlanda do Norte com Cruijff e Best, os adeptos pediram-me autógrafos’

Primeiro, é Fernando Santos quem dá o ar da sua graça, pela Grécia. Depois, Paulo Bento qualifica 23 jogadores de uma só vez. Agora, o futebol português faz-se representar por um árbitro nomeado pela UEFA. Ainda falta algum tempo para começar o Euro-2012 mas os actores já estão escolhidos. O último deles a entrar em cena é Pedro Proença, o quinto juiz nacional numa fase final de um Europeu.

De cima para baixo, como mandam as regras, comecemos por Lucílio Baptista em 2004. Na estreia, não é nada económico nos cartões, com nove amarelos e um vermelho (ao suíço Vogel), o que vale críticas do avançado croata Sokota, então no Benfica: “Esteve mal!”. Segue-se, cinco dias depois, o Bulgária-Dinamarca (0-2), com mais 10 cartões exibidos, um deles vermelho, para Petrov, que aperta a mão a Lucílio mal se apercebe da expulsão.

Antes, em 2000, fora Vítor Pereira o digno representante português do apito. No Jugoslávia-Eslovénia, há 47 faltas e dois amarelos para o central Mihajlovic em quatro minutos. Seis dias mais tarde, a 19 de Junho, nem um cartão para amostra no Itália-Suécia (2-1). A squadra azzurra aparece-lhe novamente no caminho, nos quartos-de-final, com a Roménia. No 2-0 dos italianos, Vítor Pereira é figura por expulsar Hagi naquele que é o seu adeus internacional. O maestro romeno não gosta do vermelho: “Se isto é um árbitro internacional, então acabem com o futebol.”

O próximo (ou melhor, anterior) que se segue é Rosa Santos. Em dose dupla. No Euro-92, ajuíza o Suécia-Inglaterra (2-1) com amarelo ao benfiquista Schwarz e entrega da braçadeira de capitão a Lineker, no final do jogo, e depois deste a ter atirado para o chão em sinal de descontentamento pela substituição. Em 1988, a Inglaterra volta a perder com o bejense (1-3), agora com a URSS de Lobanovsky.

Ausente em 1984, a arbitragem portuguesa marcaria presença em 1980, na estreia. É António Garrido o eleito pela UEFA. Já com créditos firmados pela condução exemplar na final da Taça dos Campeões desse ano, entre os ingleses do Nottingham Forest e os alemães do Hamburgo, o leiriense assina exibição amarela no Itália-Bélgica. Mas amarela porquê? Os cartões? O sorriso? Calma, calma, vamos passar a bola ao árbitro. A partir de agora, é com ele, o primeiro árbitro em Europeus.

Boa tarde António Garrido, daqui o jornal i. [tudo muito clean para cair nas boas graças do MIB, Man In Black]

Olá boa tarde, está bom?

Muito bem, obrigado. O Pedro Proença foi nomeado o árbitro português do Euro-2012. Há 32 anos, calhou-lhe a si

É verdade, em 1980. O Itália-Bélgica. Era a última jornada da fase de grupos mas o jogo assumiu contornos tão decisivos que se assemelhava a uma meia-final. O empate qualificava a Bélgica para a final. À Itália, só a vitória interessava. Foi no Estádio Olímpico.

Roma? [pergunta óbvia para escapar ao amarelo na primeira acção faltosa]

Sim, a abarrotar. Havia enorme expectativa. Está a ver, não é? A Itália, uma das pátrias do futebol, a jogar em casa. O presidente da FIFA era italiano e todos sonhavam com a final Itália-RFA.

Como acabou?

Zero-zero.

Chiii, passou a Bélgica, então.

Pois.

E então?

Então que foi um jogo esquisito. Muito quezilento. Veja lá bem, mostrei cinco amarelos. E talvez tenha sido pouco… Mas foi um exagero para a época. Tanto os italianos como os belgas entravam muito duro, sem se preocupar com a bola. O Antognoni, o número 10, foi substituído por lesão aos 26 minutos. Na segunda parte, o Van Moer também saiu lesionado.

Só isso? [escapamos ao amarelo]

Não, não. Aos seis minutos da segunda parte, uma jogada entre Graziani e Altobelli apanha ali a mão de um belga, agora não me lembro o nome.

Meeuws?

Isso, isso. Ele estava dentro da sua área mas tocou a bola com a mão fora da área. Assim eu o entendi e assinalei livre. Os italianos protestaram imenso mas mantive a minha ideia. Nem na televisão se percebeu muito bem se foi dentro ou fora. De qualquer forma, antes de apitar, olhei para o fiscal-de-linha [Raul Nazaré ou Mário Luís] e ele nada me indicou. Portanto, para mim era livre directo. O Altobelli atirou para as nuvens, os belgas mantiveram o 0-0 e qualificaram-se para a final.

A UEFA criticou a sua arbitragem? [evitar nova entrada por trás numa futura pergunta]

Não, não, o observador até me deu nota 4, a máxima naquela altura. Sei que não consegui controlar o ímpeto dos jogadores mas…

E a sua imagem para os responsáveis da UEFA?

Nem a minha imagem saiu beliscada, nem a de Portugal. é claro que poderia ter apitado a final desse Europeu mas a escolha recaiu para o Rainea [Roménia] e paciência. É claro que os italianos ficaram chateados por falhar a final, mas paciência. Seriam campeões mundiais em 1982.

O Mundial de Espanha, onde o Garrido marcou presença.

Nesse e no de 1978, quando apitei o Argentina-Hungria no primeiro dia da prova.

Mas em 1982 apitou o 3º e 4º lugares.

Sim, e sabe que poderia ter apitado a final?

Como?

Naquele Mundial, o Brasil tinha de ir à final. Ou a selecção ou o árbitro. Foi o Arnaldo César Coelho, depois da Itália, outra vez ela, ter eliminado o Brasil na segunda fase de grupos.

E o Garrido foi desviado para o jogo da consolação?

É verdade, um Polónia-França. Bom jogo, emotivo, com cinco golos. Ao nível de uma final. Aliás, França e Polónia jogavam um futebol do outro mundo.

É a sua melhor recordação com árbitro?

Uma das.

Quais são as outras?

A final da Taça dos Campeões em 1980, antes do Europeu de Itália. Ganhou 1-0 o Nottingham Forest. E ainda hoje ouço as pessoas a dizer que dei um salto triunfante mal apitei para o final.

E é mentira?

Não, não é, mas dei o salto para libertar a adrenalina numa das semanas mais importantes da minha vida. Arbitrar uma final da Taça dos Campeões foi inédito para Portugal, e até agora ninguém mais repetiu esse feito. Quem acabou o jogo, dei um salto no ar como se estivesse a festejar qualquer coisa. Sim, estava: a minha felicidade por um jogo sem erros.

E jogadores, quem são os mais mal comportados?

Por aí, não entro. Há alguns, sim, mas prefiro os mais bem comportados. Quer um exemplo?

Sim, claro.

O Cruijff. Expulsei-o naquele torneio de Verão na Corunha…, o… Teresa Herrera. Num Barcelona-Peñarol. Ele tinha acabado de se transferir do Ajax para o Barça.

Falamos então do Verão de 1974?

Exacto. Ainda na primeira parte, entre os 25/30 minutos, expulsei-o a ele e mais um jogador do Peñarol, Rodríguez acho eu. Ele puxou a camisola ao Cruijff, o Cruijff caiu e respondeu-lhe no solo. Vermelho directo para os dois. Foi uma confusão mas sabe o que se passou no dia seguinte?

Nem ideia.

O Cruijff foi ao meu hotel e pediu-me desculpa pela acção. Assim, sem mais nem menos. Quer outra?

Do Cruijff?

Dele e do Best. Era um Irlanda do Norte-Holanda, em Belfast, salvo erro.

Ano?

1977, qualificação para o Mundial-78. De um lado, Cruijff, do outro George Best. Dois ícones do futebol. Foi 1-1. Sabe o que aconteceu no final do jogo?

Os adeptos pediram-me autógrafos. A mim, não ao Cruijff nem ao Best. Foi uma sensação tão agradável que nem imagina. Por essa arbitragem, é provável que tenha definido o meu espaço na arbitragem internacional porque fui ao Mundial-78 e nunca mais parei até 1982.

[Nós é que paramos por aqui] Obrigado. [viva o jogo limpo, sem amarelos]

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