A nova província da Catalunha

Kavorka Mais 10/29/2020
Tovar FC

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A nova província da Catalunha

Alfredo di Stéfano. É nome de estádio. E de jogador. E que jogador. Um dos melhores de sempre, sem sombra de dúvida. Porque domina a bola como ninguém, porque marca em cinco finais europeias seguidas e porque joga em todo o campo. Um revolucionário pré-Cruijff. Como treinador, comete a proeza de se sagrar campeão argentino por Boca e River. Génio e figura. E Mundiais? Cerca de zero. Di Stéfano nunca joga o Mundial. Ainda está para ir ao Chile-62 pela Espanha, só que se lesiona e é afastado da convocatória.

Alfredo di Stéfano, o maior de siempre sem um jogo em Mundiais. Certo dia, falam-lhe de Maradona, já um craque do além. ‘Todos fazem-me a mesma pergunta, se Maradona é o maior do mundo. Maradona é um jogador fenomenal e é argentino. Se dissesse que é o maior do mundo, estaria a hipotecá-lo para toda a vida e, a partir daí, nunca poderia falhar um passe, um penálti, uma exibição ou sequer um minuto. Por isso, é preferível dizer que é o segundo melhor do mundo e deixamo-lo viver tranquilo.’

Filosofia.

Maradona assina pelo Barcelona e é elevado a herói num piscar de olhos. Já se conhece a vertiginosa sede dos catalães em promover os seus produtos, como Cruijff, Romário, Stoitchkov e por aí fora. Pois bem, Maradona é más que un jugador. E joga bem, só que perde-se a meio do caminho. Por culpa de uma hepatite, por culpa da marcação selvagem de alguns adversários (como Goikoetxea, o ‘butcher’ do Athletic), por culpa de uma lesão no tornozelo esquerdo, por culpa da entrada ao mundo da droga, por culpa da tal nula margem de erro profetizada por Di Stéfano.

Filósofo, o don Alfredo. Certo dia, na ressaca de um golo memorável ao Real Madrid na final da Taça do Rei, em que arranca para a baliza, dribla o guarda-redes e, à beira da linha de golo, simula o remate só para ver um defesa blanco embater com os tintins no poste antes de atirar para o golo certo. Certo dia, dizíamos nós, os jornalistas apanham esta conversa deliciosa entre o filósofo e Puskas.

— Oye Ferenc, sabes quantas províncias tem a Catalunha?

Ao silêncio de Puskas a tentar puxar pela cabeça, a resposta memorável de Di Stéfano

— Lérida, Girona, Tarragona, Barcelona, Maradona.

Isso mesmo, Maradona é elevado a herói, primeiro, e a província catalã, depois. Maradona é fenomenal com os pés e divinal com as mãos. E é um pugilista esforçado de vale-tudo naquela noite de 5 Maio 1984, no seu último jogo pelo Barcelona. O argentino perde a final da Taça do Rei para o Athletic e também perdeu as estribeiras no final do jogo, ao pontapear e esmurrar todos os adversários, fossem eles futebolistas, roupeiros ou massagistas. É a raiva, diz ele.

A raiva acumulada, dizemos nós. Afinal de contas, o butcher do Athletic atirara-se contra Maradona em Setembro do ano anterior. A entrada é arrepiante, a lesão ni hablar. É operado ao tornozelo e a recuperação demora o seu tempo. Quando as duas equipas se voltam a cruzar na época seguinte, por ocasião da final da Taça, o azedume é mais que evidente. ‘Se não conseguirmos ganhar a Liga, que vença o Real Madrid e não o Athletic.’ A provocação de Maradona, a propósito da recta final da Liga em que há três candidatos ao título, merece o adjectivo imbecil por parte do treinador bilbaíno Javier Clemente.

Os ânimos, claro, aquecem. E explodem. Ganha o Athletic, com golo de Endika aos 13 minutos, numa final com sete cartões amarelos, insuficientes para controlar a agressividade em campo. Se a primeira parte é pobre, a segunda é inexistente. O relógio anda 45 minutos, a bola é que não. Ao todo, só dez minutos de tempo útil. Uma vergonha inaudita. Culpa de todos, Maradona inclusive.

Com o visionamento das imagens chocantes pela federação espanhola, Maradona é suspenso de todas as competições nacionais por três meses (18 jogos), a contar desde o início de época, em Setembro. Nessa base, Josep Lluis Núñez, presidente do Barça, decide vender o passe de Maradona ao Nápoles. As voltas que a vida dá. Obrigado ò Goikoetxea.

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