Peter, Peter, Terry, Terry, Peter
O lance é célebre. O mais célebre de sempre em Mundiais, seguramente. É um jogo dos ¼ final em 1986, no Estádio Azteca, na Cidade do México, entre Argentina e Inglaterra. Ao intervalo, 0:0. Na segunda parte, Maradona dá um espectáculo muito próprio.
O 1:0 é sobejamente conhecido, com a mão. Cinco minutos depois, o 2:0 é um hino ao futebol. A Inglaterra procura o empate, Enrique rouba a bola no meio-campo argentino e entrega-a a Maradona, ali a centímetros de distância. O capitão recebe, acossado por Beardsley e Reid. A roleta sai-lhe perfeita e entra no meio-campo inglês, perseguido pelo insistente Reid. Inicia-se então uma correria de nove segundos em 60 metros. Aparece-lhe Butcher e um golpe de anca deixa-o completamente perdido. À entrada da área, Fenwick ainda estica o braço na tentativa de travar o andamento. Em vão, também é ultrapassado pela velocidade e magia de Diego. Está quase, quase. Shilton é o último súbdito de Sua Majestade a prestar vassalagem. O guarda-redes sai-se dos postes, Maradona finge o remate e contorna-o pelo lado direito com a bola colada ao pé. Butcher, outra vez ele, ataca a bola. Falha por milésimos de segundo. Ouchhhhh, Butcher acerta é no pé de Maradona. Que cai. E levanta-se num ápice, como se fosse uma mola. Por essa altura, já a bola mora na baliza. É um golo fenomenal, memorável, histórico. Até hoje.
Os cinco ingleses driblados por Maradona prestam a sua homenagem ao golo de todos os séculos.
Peter Beardsley. O primeiro toque dele é sublime porque nos deixa, a mim e ao Peter [Reid], sem reacção. O que ele fez com aquele jogo de pés naquela fracção de segundos arrumou-nos, sem misericórdia. Foi um toque de classe como nunca vi até então, e só voltei a ver com Zidane. A roleta. O Diego é que inventou a roleta, naquele instante. O Zidane aperfeiçoou-a, dou isso de barato, mas o inventor foi Maradona. E à minha frente. Na minha cara. Quer dizer, eu estava à espera de tudo menos daquilo, e ele fugiu-me por entre as mãos como se nada fosse. Sim, é verdade, o 1-0 foi com a mão, mas o 2-0 valeu por dois.
Peter Reid. Os jogos desse Mundial eram a horas tremendas. À hora de almoço, no pico do calor. Esse não fugiu à regra. Aquele estádio estava um forno e eu não me lembro de correr tanto atrás de alguém como naqueles segundos. Nunca o apanhei. Às tantas desisti. E o Diego com a bola controlada! A única coisa que me passava pela cabeça era tentar travá-lo, mas ligeiramente, sem ser em falta. Sei lá, estender o braço direito à volta da cintura dele ou no seu ombro, mas era impossível. Ele bateu todos os recordes possíveis e imaginários de velocidade, técnica e ligeireza nesse lance histórico.
Terry Butcher. Quando o vi arrancar, pensei para mim ‘bem, alguém o vai parar, não vai?’. Depois ele aproxima-se de mim e eu penso ‘bem, eu vou pará-lo, não vou?’, mas ele dá-me a volta com um jogo de cintura e a bola colada ao pé. Parecia um ioiô, que lhe obedecia. Ainda pensei ‘bem, agora o Fenwick, que era um defesa forte na marcação que raramente se deixava enganar, vai pará-lo, não vai?’ e não é que Diego passa por ele como se nada fosse? No fim ainda fui de carrinho a tentar impedir o golo, mas ele foi mais rápido que eu. Again!
Terry Fenwick. Nunca pensei que alguém com a bola controlada conseguisse correr mais que os outros. Ele passou por mim como se nada fosse e o incrível desse lance é que ficou na cabeça de toda a gente. Mesmo 20 anos depois! Em 2006, estou eu tranquilo da vida, na Jamaica, de férias, quando o dono do hotel reconhece o meu nome a fazer- -me o check-in. Pergunta-me se sou quem ele julga que sou, digo-lhe que sim, ele chama os amigos e começamos ali a falar de todos os pormenores do golo. Só consegui ir para o quarto duas horas depois.
Peter Shilton. Durante anos, anos e anos, não consegui rever esse jogo. Por causa da mão de Deus, desse golo irregular que o árbitro [tunisiano Ali Bennaceur] não viu, nem o fiscal-de-linha. Mas claro que aplaudo o 2-0. Uma obra de arte. Dizem que o Messi marcou um igual, mas não podemos comparar o golo. Nem o momento. Nem o adversário. Nem os intervenientes. É tudo diferente, com vitória de Diego. Quando eu lhe saí aos pés ele fez- -me uma coisa impossível: fintou-me com a anca. Em corrida! Com a bola controlada! Come on.