Víctor Hugo, o do barrilete cómico

Kavorka Mais 10/29/2020
Tovar FC

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Víctor Hugo, o do barrilete cómico

… La va a tocar para Diego, ahí la tiene Maradona. Lo marcan dos. Pisa la pelota Maradona. Arranca por la derecha el genio del fútbol mundial, y deja el tendal y va a tocar para Burruchaga. ¡Siempre Maradona! ¡Genio! ¡Genio! ¡Genio! Ta-ta-ta-ta-ta-ta… Goooooool. Gooooool. ¡Quiero llorar! ¡Dios santo, viva el fútbol! ¡Golaaaaaaazooooooo! ¡Diegooooooool! ¡Maradona! Es para llorar, perdónenme. Maradona, en recorrida memorable, en la jugada de todos los tiempos. Barrilete cósmico. ¿De qué planeta viniste?, para dejar en el camino a tanto inglés, para que el país sea un puño apretado gritando por Argentina. Argentina 2, Inglaterra 0. Diegol. Diegol. Diego Armando Maradona. Gracias Dios, por el fútbol, por Maradona, por estas lágrimas, por este Argentina 2, Inglaterra 0.

Vai continuar a ler? Ou prefere recordar o golo com os comentários? Vá, eu espero. Não levo a mal. Nem eu nem o Victor Hugo Morales. Sim, ele acena-me que sim com a cabeça. Também espera. Pode ver e rever o lance umas quantas vezes. É impossível ficar indiferente. Ao golo. E aos comentários. De Victor Hugo Morales. Tem 63 anos de idade e está impecável. Respira saúde. Cabelo grisalho, todo para trás, cachecol cinzento a tapar a garganta e sobretudo preto. Voz inconfundível. Sempre no mesmo tom calmo, como quem domina a bola. A linguagem, neste caso. Nasceu no Uruguai mas veio cedo para a Argentina, daí que se autodefina como “uruguaio-argentino”. É o autor do relato mais fervoroso do melhor golo do século XX. Quem o conhece, faz-lhe uma vénia. Quem não o conhece… Bem, quando não o conhece, passa a conhecê-lo. Já se viu alguém cruzar com Messi e não lhe passar cartão? Aqui, é a mesma coisa. Victor Hugo Morales é a referência jornalística da América do Sul. É o barrilete cósmico desta Copa América.

Queremos entrevistá-lo mas longe desta confusão da zona de imprensa do Auditório de Buenos Aires, onde centenas de jornalistas vão recolher os bilhetes para os jogos. Pedimos-lhe o número de telemóvel e ele diz não. O telefone fixo de onde trabalha e a resposta mantém-se negativa. Bem, estou a ver que só nos vamos entender por facebook ou coisa parecida. Quer ser meu amigo? Ele então explica-se: “Aproveita agora. Tenho 20 minutos até ao meu próximo programa. Além disso, não tenho telemóvel. Nem email. Mas já tive um twitter, sabes?” Eh lááááá. “Que não era gerido por mim. Sei lá entrar naquilo.” Floooop. “Estou fora disso. Não ando de braço dado com a tecnologia. Mas é o progresso e aceito-o, mesmo que embarque nessa aventura muito atrás dos outros. Sou do outro tempo. Do tempo em que não havia televisão e a minha vila vivia do cinema, do teatro, do futebol, do basquetebol. A televisão arrastou as pessoas para casa e o meu mundo de criança desapareceu para sempre. É triste mas é verdade.” Parece uma cena do Cinema Paraíso. Só que o actor principal é este homem.

“O meu sonho era jogar futebol mas desde cedo disseram-me que não passaria do amadorismo. Então, dediquei-me ao basquetebol. E ao jornalismo. Entrei na Radio Colonia aos 16 anos. Inesquecível esse dia: 20 de Abril de 1964. Primeiro, locutor de anúncios. Depois, de noticiários. Aos 17, já me sentia jornalista. E aos 18 experimentei o relato de futebol, já que tinha tendência para relatar tudo o que via. Levaram-me a sério e… cá estou”, diz, a sorrir amavelmente. Com a memória tão fresca, é fácil dizer o jogo de estreia, não? A resposta nem demora, porque “é um jogo que marca a minha condição de rioplatense”, que é como quem diz uruguaio-argentino. “Nacional Montevideo vs selecção juvenil da Argentina.”

E como foi parar à Argentina? “Convidaram-me para trabalhar em Buenos Aires durante um ano e fui ficando, ficando, ficando…” Até que chegou o México-86. “Grandes recordações. Comecei aí a deixar de fumar e a fazer uma dieta. Engordei 14 quilos num mês. Nesse Mundial, vivi o momento mais feliz e o mais ingrato como jornalista.” Então? “Nos 6-1 da Dinamarca ao Uruguai, apetecia-me sei lá fazer o quê. Que raiva, que angústia. Solucei em alguns golos dinamarqueses porque aquilo parecia-me inaceitável. Eles jogavam a mil hora e nós devagar e parados, como um caracol.”

O melhor está guardado para os quartos-de-final. “Ahhh, o Argentina-Inglaterra. Sabes que prefiro ouvir a mão de Deus ao barrilete cósmico?” Hãããã, como? “Relatei a mão de Deus com grande honestidade profissional. Disse logo que Diego tocou a bola com mão, depois insisti que o golo tinha sido irregular, que os ingleses tinham razão. E acabei por desabafar, ‘mas se querem que vos diga, festejo mesmo que tenha sido com a mão!’ Já no 2-0, deixei-me levar pela ansiedade. Quando digo ‘genio, génio, génio, ta, ta, ta’, não relato o que se passa. Não gosto dessa parte. É verdade que o digo com fascínio, mas não é um grande relato. O que digo depois, isso sim, deixa-me satisfeito, ‘a melhor jogada de todos os tempos’. O barrilete cósmico também me comove. Tem-me acompanhado ao longo destes 25 anos, como se fosse o meu Sancho Pança.”

Pois claro, é desse relato que o conheço. Eu e todos os portugueses. “Ay, eres portugués? Bueno, sabes que fui a Espanha relatar a final da Taça do Rei deste ano? Golo de Crisssss-ti-ano Rooooo-naaaaaaaal-do! [ele faz mesmo a divisão monossilábica e prolonga-a como se estivesse a relatar o golo naquele precioso instante] Hombre, que cabezazo! Pufff, ele foi à lua e a meio caminho parou no ar para rematar como se fosse com o pé. Increíble, a potência da bola.” Foi o seu primeiro jogo do Ronaldo? “Noooooo, já tinha feito dois, em que ele não tinha sido muito feliz. Ainda bem que quebrámos o enguiço.”

E o Messi vai quebrar o enguiço? “Antes de Messi, é preciso que a Argentina quebre o enguiço. Não ganha nada desde 1993 [Copa América]. Eu acredito que Messi é da constelação de Maradona e aprendi com Diego que não existe jogador ‘más grande’ que aquele que se esforça mais que os outros, como Maradona o fez em 1986, e como Messi o faz agora, no Barcelona e na selecção.”

Com um sorriso nos lábios, Victor Hugo Morales começa a distanciar-se. “Já passou o nosso tempo. Tenho de ir fazer o programa”. Mas então… e… o que lhe falta relatar? “Escreve aí: um golo do Forlán ou do Messi numa final Uruguai-Argentina!” E nesta Copa América? Ele está cada vez mais longe. “Uns golos do Peru. Admirei muito aquela selecção dos anos 70, com Cubillas, Oblitas, Sotil, era superior à do Brasil mas foi perdendo identidade e agora é um país futebolístico ferido na sua auto-estima.” Agora sim, é definitivo. Adeus, barrilete cósmico. Então, ainda está a ler? Mas já (ou)viu o golo? Vá, eu espero.

in jornal i, 6 Jul 2011

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