Great Scott #149: Como se chama a viúva branca de Maradona?

Great Scott Mais 10/30/2020
Tovar FC

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Great Scott #149: Como se chama a viúva branca de Maradona?

Ingrid Maria ou Sue Carpenter

O Sporting das 11 vitórias seguidas acaba em terceiro lugar no campeonato, atrás de Artur Jorge (FC Porto) que inédita e estranhamente perde as estribeiras no jogo do título com o campeão Benfica, obrigado a equipar-se no túnel de acesso ao relvado, tal é o cheiro intenso a bagaço dentro do seu balneário. Carlos Queiroz, Nelo Vingada e João Vieira Pinto sagram-se bicampeões mundiais frente ao Brasil de Roberto Carlos. O Salgueiros apura-se para a Taça UEFA e apadrinha a estreia europeia de Zidane, então no Cannes. O Boavistão de Manuel José elimina o Inter de Matthäus, Brehme e Klinsmann. A Sampdoria de Mancini e Vialli é campeã italiana pela primeira e única vez. E Maradona é apanhado nas malhas do doping.

Há 39 anos, a RAI Uno abre o noticiário da noite com a notícia de controlo anti-doping positivo para o capitão do Nápoles. Cocaína é a substância encontrada, numa análise feita depois de um jogo com o Bari, a 17 de Março, no qual o Nápoles ganha em casa por 1-0, golo de Zola. Conhecido o resultado, Maradona é logo afastado de toda e qualquer actividade desportiva, não só pela federação italiana, também pela FIFA. Mais tarde é condenado a 15 meses de suspensão. Apesar de tornar público que ficaria em Itália a aguardar julgamento, o artista, verdadeira artista, viaja dois dias mais tarde para a Argentina, e só voltaria a Itália sete anos e meio depois, em Novembro de 1998.

Na noite de 29 Março 1991, com a bruta notícia da cocaína, fecha-se o parêntesis mais feliz da história de futebol do Nápoles. Sete anos com Maradona, sete anos de sucesso, de títulos, de festa. Dois campeonatos italianos, uma Taça de Itália, uma Taça UEFA e uma Supertaça italiana. Sete anos inesquecíveis, que resgatam (desportivamente e não só) a imagem de uma cidade, apoiada por um clube outrora modesto e sem ambição de se equiparar aos grandes do Norte como Inter, Milan e Juventus.

Com todas estas conquistas, Maradona é um ídolo dos napolitanos, venerado por toda a população, que o vêem como um dos seus. Tão excessivo amor sufoca o astro, que pede ao presidente Corrado Ferlaino a transferência para o Marselha no Verão de 1990, na sequência da derrota com a RFA na final do Mundial de Itália, em que Maradona é constantemente assobiado pelos italianos, sobretudo em Milão. A sua vida torna-se caótica, à mercê de oportunistas, gangsters e mafiosos (descubra as diferenças), e a permanência em Nápoles, ingovernável.

Aliás, essa época 1990-91 é para esquecer. O Nápoles, como detentor do título de campeão italiano, não ganha um único jogo fora de casa nas 12 primeiras tentativas e só vence seis em 23 jornadas. Em 10.º lugar, a 12 pontos da líder Sampdoria, o Nápoles é uma sombra do que foi, tal como Maradona, autor de seis golos, todos de penálti.

Seja como for, Maradona merece um adeus mais emotivo, e não aquela fuga da noite para o dia como se se tratasse de um delinquente. Aquele 29 de Março é o fim de uma fábula. Mas a vida não é um conto de fadas, e nem sempre tem um final feliz. Nostradamus, Lutero ou Da Vinci sabem do que estamos a falar. Maradona também. Afinal, ele é apanhado novamente num controlo anti-doping em pleno Mundial-94.

(…)

Mil-noventos-e-noventa-e-quatro. Avançamos três anos e reencontramos Maradona em grande forma no Mundial-94. Logo que fora dado como desaparecido para o futebol. Abro aqui um parêntesis para falar de Silvio Piola, ainda hoje detentor de três recordes: o de melhor marcador da 1.ª divisão italiana (274 golos), o de jogador com mais golos num jogo do campeonato italiana (seis num 7-2 entre Pro Vercelli e Fiorentina) e o de mais velho a marcar na Serie A (aos 40 anos, seis meses e nove dias, num Novara-Milan).

Pelo meio, 30 golos pela selecção italiana, um deles com a mão à Inglaterra. É campeão mundial, em 1938, com dois golos na final à Hungria. Destacado para o Exército para a Segunda Grande Guerra, é dado como morto em 1943, até que reaparece pelo seu próprio pé, em Itália, três semanas depois. A Maradona, que marca à Inglaterra com a mão, também o consideram desaparecido de 1991 até 1994. O regresso é precisamente no Mundial-94 e o impacto é imenso. Porque a Argentina joga à bola como nunca, com Redondo, Caniggia, Batistuta, Balbo e outros que tais. O sonho do tri está bem vivo. Na estreia, 4:0 à Grécia. Há um golo icónico, o 4-0 de Maradona.

No segundo jogo, 2:1 à Nigéria. É o dia 25 Junho, em Boston. O árbitro sueco Karlsson apita para o final e uma senhora loira de bata branca vai buscar Maradona pela mão, ainda no meio-campo. Os dois saem alegremente de campo, directamente para a sala de controlo anti-doping. Horas mais tarde, a Argentina chora o adeus (triste) do seus Deus, novamente apanhado nas teias do doping. Agora com efedrina. Na sua autobiografia ‘Yo Soy el Diego’, Maradona justifica o resultado positivo no controlo com o facto de consumir a bebida energética Rip Fuel, cuja versão norte-americana, ao contrário da argentina, contém o tal químico proibido. A FIFA expulsa Maradona do Mundial com efeitos imediatos e a Argentina perde os dois jogos seguintes, um com a Bulgária, ainda na fase de grupos, e outro com a Roménia, para os 1/8 final. O efeito Maradona é tramado. E a dobrar.

Pergunta de algibeira, quem é a enfermeira, também conhecida pelos argentinos como a viúva branca? Sim, quem? Durante dois anos, o nome passado pela FIFA ao resto do mundo é Ingrid Maria. Para despistar, tão-só para despistar. Porque os argentinos reagem mal à exclusão de Maradona e, por supuesto, à tal enfermeira. Milhares de teorias de conspiração voam, claro. Como é que é uma enfermeira vai buscar um jogador? Porque é que lhe dá a mão? Porquê, porquê, porquê?

Calma lá. Se virmos os finais de todos os jogos do Mundial-94, é costume as enfermeiras irem buscar os jogadores escolhidos aleatoriamente por sorteio para o controlo anti-doping. Depois, quem dá a mão é Maradona. Aliás, quando está para entrar no túnel de acesso aos balneários, manda um beijo à sua mulher Claudia e pisca-lhe o olho, como quem diz ‘olha quem tenho aqui ao lado, hein?’. Outro detalhe: Ingrid Maria não é enfermeira, simplesmente é uma rapariga do marketing, que trabalha em eventos desportivos, eleita pela FIFA como auxiliar do controlo anti-doping.

Adiante. Vamos mesmo à história. Maradona é escolhido para o controlo anti-doping, juntamente com Sergio Vázquez, número 2 da Argentina. A notícia é dada ao médico adjunto da selecção argentina meia-hora antes do final do jogo com a Nigéria, no Foxboro, em Boston. Produz-se então um diálogo casual entre o tal médico, Roberto Peidro, de seu nome (assim mesmo, P-e-i-d-r-o), e a tal enfermeira, perto do banco de suplentes.

Estive casada com um argentino

Ah sim, de onde?

Congresso. Nunca fui lá, mas sempre quis visitar.

Congresso? Eu sou de Congresso!

Não posso. O que significa Congresso?

Peidro explica-lhe então que Congresso é o nome do bairro onde está o palácio legislativo. A conversa flui, com naturalidade. Quando acaba o jogo, Peidro diz-lhe ‘anda comigo, vamos buscar o Maradona, assim sais em todos os jornais’. Meu dito, meu feito. Maradona espanta-se com a senhora de branco e pergunta ao chileno Harold Mayne Nicholls, um jovem dirigente da FIFA e futuro presidente da federação chilena.

‘E esta mina?’

‘Diego, saíste no controlo anti-doping, ela vai escoltar-te até à sala’

‘Perfecto’

Na sala do controlo, Sergio Vázquez despacha-se em três tempos. Pudera, é suplente durante os 90 minutos e acumula cerca zero de desidratação. Com Maradona, tudo é diferente. O 10 anda às voltas e diverte-se com a malta, sobretudo com o nigeriano Ekoku, outro dos sorteados. ‘Uy, al perro este también le tocó el doping’. Ekoku ri-se sem compreender uma só palavra e pede-lhe uma fotografia. Maradona olha-o com enfado e diz-lhe ‘hijo de puta, mirá lo que me hiciste. Vos sos un perro, sos un guau guau.’

Diversão, pura diversão.

Três dias depois, a tristeza apodera-se de todo um país. O controlo dá positivo e Maradona é excluído. A enfermeira de branco passa a viúva branca, vilã da história. João Havelange, então presidente da FIFA, antecipa o cenário de crise e renomeia a enfermeira como Ingrid Maria, 33 anos. Só dois anos depois, durante os Jogos Olímpicos Atlanta-96, a viúva diz o seu nome verdadeiro em amena cavaqueira com jornalistas argentinos. ‘Sue Carpenter, chamo-me Sue Carpenter e fui eu quem levei Maradona’. Desfaz-me o mito, acabam-se as dúvidas. A vilã é, afinal. inocente.

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