#2 Benfica 1972-73
Março, dia 11. Ainda faltam dez dias para começar a primavera e o Benfica já solta o grito de campeão. Aliás, tricampeão. A sete jornadas do fim. É obra. Mérito maiúsculo para o trabalho do treinador inglês Jimmy Hagan e o insaciável goleador Eusébio, Bota de Ouro pela segunda vez na carreira, aos 31 anos de idade.
Vamos lá. Arranca a 1.ª divisão e o Benfica recebe o Leixões às 15 horas. Ao intervalo, 3:2. Renhido hein?! Nada disso. Em vez de um jogo na Luz, assiste-se a um monólogo entre Eusébio (hat-trick aos 20’, 23’ e 36’) e Artur Jorge (bis aos 12’ e 45’). Na segunda parte, Nené fixa o 6:0.
Para a deslocação ao Bessa, o inglês Jimmy Hagan substitui Jaime Graça e Jordão
por Vítor Martins e Nené. O Boavista aguenta 10’, golo de Artur Jorge. Após
o intervalo, Eusébio festeja aos 53’ e 86’. Pelo meio (68’), Moinhos lá dá uma alegria aos boavisteiros.
Com Artur Jorge lesionado, como jogará o Benfica? É hora de lançar Nené e Jordão no onze pela primeira vez. Muda aos quatro, acaba aos nove. O guarda-redes tem nome de imperador (César) e então, who cares? Jordão abre e fecha a
conta. Pelo meio, ainda marca mais um (4:0). É um hat-trick. Tal como o de Eusébio (2-0, 3-0, 7-0).
Recém-promovida, a União de Coimbra não tem arcaboiço para travar o futuro campeão e é abalroado por quatro golos sem resposta, através de Jordão, Toni, Eusébio e Adolfo. No banco, Jimmy Hagan nem ai nem ui. Zero substituições. Avança-se uma semana, 8 Outubro. Aos 30 anos, Eusébio marca quatro a Damas. O Benfica ganha 4:1 e assume a liderança isolada de forma definitiva. O Sporting soçobra bem cedo e já perde 2:0 ao intervalo. Na Luz, 80 mil pessoas deixam uma receita recorde de 2000 contos de receita.
O Benfica dorme tranquilo à sombra do primeiro lugar, já Eusébio arrepia caminho para Inglaterra. À sua espera, um senhor guarda-redes chamado Gordon Banks. “Não custa nada. Vá lá, são só 11 metros.” É o que se ouve dizer. Ainda por cima, a baliza mede 7,32 metros de largura por 2,44 m de altura, enquanto a bola
tem um perímetro de 69 centímetros. Por isso, qual é a dificuldade de marcar
uma grande penalidade? As respostas variam. De um lado, temos o cúmulo do
erro, personificado no avançado argentino Martín Palermo, que falha três no
mesmo jogo, vs Colômbia, na Copa América. Do outro, temos o quase infalível
Eusébio — só falha três ao longo da carreira, entre 47 pelo Benfica e mais seis pela selecção portuguesa.
No dia 9 Outubro, o Queens Park Rangers (QPR), então da 2.ª divisão inglesa, desafia Eusébio a marcar dez penáltis a Banks, titular do Stoke, na baliza sul, cuja bancada Ellerslie Road do Estádio Loftus Road seria inaugurada nessa tarde. “Eu conhecia bem o Eusébio. No Mundial-66, ele marcou quatro penáltis, um deles à Inglaterra. Costumava atirar sempre com o pé direito para o lado esquerdo do guarda-redes, e sempre, mas sempre, rente ao poste, à excepção daquele à
URSS [para o mesmo Mundial], em que ele, apercebendo-se da envergadura de
Lev Yashin – quase dois metros – preferiu atirar por alto. Foi golo, claro”, conta Banks entusiasmadíssimo.
E sem parar, desbobina: “Então, lá fomos. Eu e ele, para a baliza da bancada sul, a dizer piadas. ‘Ficas bem de azul [o QPR veste-se de azul e branco, às riscas na horizontal]’, disse-lhe eu. E ele respondeu que o vermelho é que era a cor dele. Meteu a bola na marca, ganhou balanço, eu olhei-o nos olhos e pareceu-me que ele ia mudar o seu estilo, porque, sei lá, talvez tivesse adivinhado o meu pensamento. Mas não. Eu atirei-me para o meu lado direito e ele rematou para o esquerdo. Na segunda tentativa, pensei: ‘Agora é que ele vai mudar a estratégia.’ E ele repetiu. O gesto e a celebração do golo. Aquilo era mecânico!”, desabafa Banks, a rir. “Na terceira vez, again [outra vez]. And again, and again, and again. Em dez tentativas, só falhou um e porque acertou no poste. Foi um espectáculo imperdível.”
De volta à 1.ª divisão, há jogo no D. Manoel de Melo e, pela primeira vez na época, o Benfica não marca na primeira parte. Parabéns aos barreirenses. O problema é depois: Humberto Coelho e Nené-2. Segue-se a sétima jornada. E, por supuesto, a sétima vitória. Simões é o abrelatas (29’), Jaime Graça faz o segundo (51’) e depois é mais um hat-trick de Eusébio. Pobre Belenenses, 5:0 na Luz.
No fim-de-semana seguinte, Sporting e Porto perdem em casa, vs Leixões e Vitória SC. O Benfica, esse, mantém a rotina. Vítor Baptista é nome do herói do 1:0 no Bonfim. Chega então o domingo do clássico. Um clássico atípico, digamos. O Benfica tem mais que o dobro dos pontos (16-7) e quase o triplo dos golos marcados (35:9) do Porto. Nada interessa, o 11.º classificado está em vantagem ao intervalo. Abel faz o 0:1. A meio da segunda parte, Flávio assina o 0:2.
E agora, Benfica? Carreeeeeeega. Vítor Baptista reduz aos 75′, Jaime Graça empata no quadradinho seguinte e Humberto Coelho garante a vitória mesmo em cima do apito final. É uma das mais memoráveis reviravoltas de sempre. E sem Eusébio, cujo regresso na jornada seguinte é coroado com um golo, em Tomar.
Até ao final da primeira volta, o Benfica acumula mais cinco vitórias, duas das quais seladas por Eusébio, ambas na outra margem (CUF 1:0 aos 90′, Montijo 1:0 aos 50′). Esta última significa o fim da primeira volta e o Benfica já lidera com
oito pontos de avanço sobre o Belenenses (2.º), dez sobre o Sporting (3.º) e 15 sobre o FCP (9.º).
No início da segunda volta, o Leixões dá um ar de sua graça. Obra de Esteves, aos 8′. A reacção benfiquista é fortíssima: Humberto Coelho, Eusébio, Nené, Vítor Martins e Vítor Baptista. Toma lá 5:1 em Matosinhos. A epopeia continua placidamente, com muitos resultados gordos e alguns magros. Nesse aspecto, é Artur Jorge quem salta duas vezes do banco para garantir os dois pontos, com duplo 2:1 (Aveiro e José Alvalade).
A oito jornadas do fim, o Benfica visita o segundo classificado, com 11 pontos à maior. A moldura humana no Restelo não engana, é o jogo do título. Ou espécie de. Eusébio abre, Artur Jorge fecha. Acaba 0:2. Se o Benfica ganhar daí a uma semana, é campeão. Ainda no Inverno. Incrível, jamais visto (e nunca mais repetido).
O Vitória chega à Luz com um currículo respeitável de 46 golos, é o segundo melhor ataque da 1.ª divisão, atrás de você-sabe-muito-bem-quem. Jacinto João, o famoso JJ, e José Torres apresentam-se motivados para surpreender. Ou não. Artur Jorge faz o 1:0. E o 3:0. Pelo meio, o inevitável Eusébio.
Daí em diante, só interessa jogar para Eusébio. É o sonho da Bota de Ouro, prémio destinado ao melhor marcador da Europa. O adversário de peso (literal e metaforicamente) é o alemão Gerd Müller, do Bayern. Até final da 1.ª divisão, Eusébio marcaria 14 golos e chega aos 40. A Bota é sua, por três de diferença. Tudo se decide no último fim-de-semana. No sábado, Müller em branco. No domingo, póquer de Eusébio ao Montijo.
A festa é grande enorme gigante. O Benfica é campeão invicto, o primeiro da história do futebol português. Dos 60 pontos em prova, só dois perdidos. Um nas Antas, na ressaca do tal 3:0 ao Vitória FC, e outro na Tapadinha, no campo do penúltimo classificado.
Benfica 1972-73 (a negro, os jogos fora)
1. Leixões | 6:0 | Eusébio-3 AJorge-2 Nené |
2. Boavista | 3:1 | Eusébio-2 AJorge |
3. Beira-Mar | 9:0 | Eusébio-3 Jordão-3 Nené JGraça Simões |
4. U. Coimbra | 4:0 | Eusébio Jordão Toni Adolfo |
5. Sporting | 4:1 | Eusébio-4 |
6. Barreirense | 3:0 | Nené-2 HCoelho |
7. Belenenses | 5:0 | Eusébio-3 JGraça Simões |
8. Vitória FC | 1:0 | VBaptista |
9. FC Porto | 3:2 | VBaptista JGraça HCoelho |
10. U. Tomar | 2:0 | Eusébio Adolfo |
11. Farense | 3:0 | Nené-2 HCoelho |
12. Vitória SC | 2:1 | VMartins-2 |
13. CUF | 1:0 | Eusébio |
14. Atlético | 2:0 | Eusébio Simões |
15. Montijo | 1:0 | Eusébio |
16. Leixões | 5:1 | Eusébio HCoelho Nené VMartins VBaptista |
17. Boavista | 4:1 | VBaptista-2 Eusébio Nené |
18. Beira-Mar | 2:1 | Simões AJorge |
19. U. Coimbra | 6:1 | Eusébio-2 Simões VBaptista HCoelho Nené |
20. Sporting | 2:1 | Nené AJorge |
21. Barreirense | 3:0 | AJorge-2 HCoelho |
22. Belenenses | 2:0 | Eusébio AJorge |
23. Vitória FC | 3:0 | AJorge-2 Eusébio |
24. FC Porto | 2:2 | Nené Eusébio |
25. U. Tomar | 2:1 | Eusébio-2 |
26. Farense | 5:0 | Eusébio-2 HCoelho VMartins AJorge |
27. Vitória SC | 8:0 | Eusébio-3 HCoelho Toni Nené Nelinho Osvaldinho (pb) |
28. CUF | 2:0 | Eusébio-2 |
29. Atlético | 0:0 | |
30. Montijo | 6:0 | Eusébio-4 Toni Jordão |