Três pontos para o Jimmy Hill
OBE. Order of British Empire. Em português, Ordem do Império Britânico. Estabelecida pelo Rei Jorge V em Junho 1917, no pós 1.ª Guerra Mundial, é uma ordem de cavalaria britânica como forma de premiar as contribuições para as áreas mais diversas da sociedade sob o motto ‘Por Deus e pelo Império’. Há cinco classes de nomeação, do MBE (Membro) ao GBE (Cavaleiro-Grã-Cruz). Pelo meio, o OBE (Oficial).
OBE. Repetimo-nos, de propósito. James William Thomas Hill é um dos premiados. Quem? Jimmy Hill, para os meus amigos da família. Jiiiiiiimy, para os amigos do pub. Seja como for, Jimmy é um dos homens mais multifacetados do universo desportista. A sua vida é um atentado à monotonia e um prodigioso exercício do ‘quando for grande, quero ser como ele’. E quero, muito.
Comecemos pelo início, com soi dizer-se. Ora bem, Jimmy nasce em 1928, filho de um veterano de guerra e uma dona de casa. Adepto do Crystal Palace, atira-se de cabeça para o futebol ao serviço dos amadores do Folkstone Town. Ao terceiro jogo, sofre uma lesão no joelho. Pára. E recomeça, no Reading, aos 20 anos, como interior direito. Faz toda uma época na terceira equipa e é informado de que não lhe oferecem um contrato profissional. Desanimado? No way.
Jimmy caça o seu futuro e assina pelo Brentford, onde acumula 87 jogos divididos por três épocas. Em Março 1952, muda-se para o Fulham, da 2.ª divisão. Sempre a subir. Ao longo de nove anos, é um goleador por excelência e ainda hoje detém o recorde de golos do clube como visitante (cinco em Doncaster). Corre então o ano de 1958, o da subida do Fulham à 1.ª, e, guess what?, já é o presidente da Associação dos Jogadores Profissionais (PFA).
No seu currículo empresarial, sobressaem duas medidas irreverentes. Uma muda a história do desporto, a outra é um statment de valor inqualificável. Uma é o fim ao tecto salarial de 20 libras em Inglaterra – a persistência dá os seus frutos e, em 1961, no seu último ano de jogador, Johnny Haynes é o primeiro a assinar um contrato de 100 libras por semana, precisamente pelo Fulham. A outra é a assinatura numa carta enviada para o jornal Times a opor-se à política do apartheid na África do Sul como defesa do princípio de igualdade racial na Declaração dos Jogos Olímpicos.
Penduradas as chuteiras em 1961, aos 33 anos de idade, Jimmy continua no futebol e abraça a carreira de treinador no Coventry. A experiência de seis anos é inesquecível. Para início de conversa, muda a cor da camisola. Antes, rosa. Antes, preto e vermelho. Antes, verde e vermelho. Tudo esquecido, a partir de agora é azul. Ou melhor, sky blues. Jimmy, ao seu estilo, fala em Sky Blue Revolution. A revolução é social, acima de tudo: cria-se um hino, inventa-se uma rádio e volta-se a permitir os cameramen nos balneários mais as entrevistas no final dos jogos. Calma, há mais: chama as mulheres e as crianças aos estádios com pacotes de bilhetes familiares e venda de bebidas mais infantis e snacks.
Como se isso fosse pouco, é o primeiro clube a ter um marcador electrónico (1964) e o primeiro a transmitir o jogo em directo pelo quatro ecrã espalhados pelo estádio CCTV (1965). Só mais este pormenor: o Coventry é o primeiro clube a publicar programas de jogo a cores. Astonishing, simplesmente astonishing.
E resultados, hum? Pois bem, o Coventry é campeão da 3.ª divisão em 1964 e da 2.ª em 1967. O sonho da First Division é real pela primeira vez na história do clube. Jimmy recebe os créditos e sai de cena pouco depois do início da época 1967-68.
Quo vadis? Jimmy vai para a televisão. Isso mesmo, quem te viu e quem TV. Primeiro como produtor da BBC na série futebolística United. Depois como chefe da secção de desporto do canal ITV, em Londres, entre 1968 e 1972. Pelo meio, em 1970, por ocasião do Mundial do México, inventa a posição de comentador para a análise dos jogos.
(só um parêntesis para – mais – uma história do além: em 1971, o Arsenal quer lançar o seu hino em resposta ao You’ll Never Walk Alone do Liverpool e pede à ITV para lançar um concurso á escala nacional; a adesão é maciça, só que as letras carecem de inspiração; vai daí, Jimmy Hill pede autorização ao treinador arsenalista Bertie Mee e escreve a música, que se mantém no top 20 durante sete semanas seguidas, antes e depois da conquista da Taça de Inglaterra 1971, precisamente frente ao Liverpool)
(só mais um parêntesis para outra história do arco da velha: em Setembro 1972, jogam Arsenal e Liverpool em Highbury, quando um dos fiscais-de-linha se lesiona; sem Dennis Drewitt, é impossível reatar o jogo; é então que os altifalantes pedem alguém com conhecimentos na matéria; Jimmy Hill levanta-se do seu lugar na bancada, veste o fato macaco e cumpre o papel, amazing grace)
Avancemos na narrativa. Jimmy sai da ITV em finais de 1972 e volta em 1973 à BBC, onde é apresentador do famosíssimo ‘Match of the Day’. O homem é a cara do programa até 1998. Ya, mil-nove-e-noventa-e-oito. Ao todo, 25 anos. Um quarto de século a comentar jogos por todo o país, por todo o mundo. Não lhe escapa nada, entre sete Mundiais e seis Europeus. Campeão, sem espinhas. Em 1999, transfere-se para Sky Sports. Por oito anos, até 2007, é o apresentador do Jimmy Hill’s Sunday Supplement. Morre aos 87 anos em 2015, com Alzheimer. Para trás, uma vida cheia a valer por cem. Espere aí, já escrevemos que é presidente do Coventry nos anos 70, do Charlton e ainda do Fulham em 1987, onde impede a falência técnica do clube e o casamento com o Queens Park Rangers. Uffff, que homem.
The end.
The end? Essa é boa. Só falta um detalhe, Jimmy Hill é o inventor da vitória por três pontos.
Whaaaaaaat?
Nem mais. Jimmy Hill está sempre à frente no seu tempo e pede um novo sistema pontual à federação inglesa com o único objectivo de acabar com os empatas, com o ‘they puy the bus in front of the goal’. A federação analisa o pedido e aceita-o. A saga começa em 1981. Daí para cá, em quase 40 anos de história, a história do campeonato inglês só sofreria um ligeiro desvio caso o sistema dos dois pontos por vitória ainda vigorasse – em 1994-95, o Manchester United arrebataria o título na vez do incrível Blackburn.
E por cá? O sistema dos três pontos encontra forte resistência. Quer dizer, a ideia até se fala aqui e ali, no final dos anos 80 e início dos 90. Em vão, sempre. O último campeonato dos dois pontos é o de 1993-94, o primeiro dos três é o de 1994-95. Das 26 edições, só existem dois desvios de personalidade, por assim dizer, e ambos a dar o Sporting como campeão. Em 2006-07, o Porto de Jesualdo contabiliza 22 vitórias e três empates, o que se traduziria em 47 pontos. Pois bem, o Sporting de Paulo Bento acumula 20 vitórias mais oito empates igual a 48.
Na década seguinte, em 2015-16, tanto Sporting como Benfica apresentam treinadores novos. Jorge Jesus de um lado, Rui Vitória do outro. A época começa com a Supertaça no Algarve e a vitória sorria ao Sporting de Jesus. Em Outubro, novo duelo, agora na Luz. Acontece o impensável, 0:3 como resultado ao intervalo e final. Mais à frente, ainda antes da virada de ano, o Benfica de Vitória é abalroado pelo Sporting na Taça de Portugal, no José Alvalade, após prolongamento (2:1).
Olha olha tu queres ver?! Só que não. Na segunda volta, o Sporting desliza duas vezes seguidas. O Benfica aproxima-se e visita o José Alvalade à distância de um ponto. Bastam noventa minutos e o Benfica já está à frente, dois pontos à maior, graças ao golo solitário de Mitroglou. Assiste-se então a um final incrível, com Benfica e Sporting a vencerem todos os últimos nove jogos. Todos, insistimos. Ninguém dá um passo em falso. Os dois pontos de diferença mantêm-se a favor do Benfica.
E se fosse dois pontos por vitória? Benfica e Sporting acabariam empatados com 59 pontos. O primeiro factor de desempate? Pontos nos jogos entre eles. Dois para cada. O segundo factor? Golos nos jogos entre eles. Cá está, eis a vantagem sportinguista. Cortesia Téo, Slimani e Bryan, no tal 0:3 na Luz. O pontapé de Mitroglou no José Alvalade é um pormenor. Não é, ò Jimmy Hill?
Portugal
2016
59 Sporting
59 Benfica
(vantagem nos golos do confronto directo, 3:0 na Luz e 0:1 no José Alvalade)
2007
48 Sporting
47 Porto
Itália
2002
51 Roma
51 Juventus
(vantagem no confronto directo, 2:0 em Turim e 0:0 no Olímpico)
2020
58 Inter
57 Juventus
Espanha
2007
54 Barcelona
53 Real Madrid
Alemanha
2000
52 Bayer
51 Bayern
2001
44 Schalke
44 Bayern
(vantagem no confronto directo, com dupla vitória, 3:2 em Gelsenkirchen e 3:1 em Munique, hat-trick de Sand)