Great Scott #177: Quem entra em campo a meio do França-Kuwait do Mundial-82?
Fahad Al-Sabah, presidente da federação do Kuwait
O Mundial-82 reúne grandes momentos, como o golo de Sócrates à URSS e o hat-trick de Rossi ao Brasil. Fora de campo, as selecções abrem as portas e divertem os jornalistas. Repare bem, os polacos vão à pesca, os italianos vão às touradas, os peruanos vão à missa e os argentinos concentram-se à volta da piscina do hotel, a curtir o calor espanhol.
Outro tipo de calor traz-nos o França vs Kuwait em Valladolid, para a segunda jornada do grupo 4. O árbitro é o então soviético Miroslav Stupar, guarda-redes nas divisões secundárias da URSS de 1958 até 1969. Penduradas as luvas, abraça a carreira do apito. E chega alto, bem alto. Mais de 150 jogos da 1.ª divisão e duas finais da taça nacional. A convocatória para o Mundial é um mero pró-forma para quem ganha o título de melhor árbitro da URSS em sete ocasiões.
A FIFA nomeia-o para o França-Kuwait. Na jornada anterior, a França perde 3:1 com Inglaterra e necessita urgentemente de uma vitória, enquanto o Kuwait saca um ponto surpreendente à Checoslováquia (1:1). A França de Henri Michel entra em campo mais determinada que nunca e é superior em todos os capítulos, embora o Kuwait troque bem a bola. Ao intervalo, 2:0 por Genghini e Platini. No reinício, 3:0 de Six. Aos 75’, o estreante Kuwait reduz por Al-Buloushi. Ao cair do pano, 4:1 de Bossis.
Dito assim, tudo bem, na boa. Só que não. Para já, Stupar anula quatro golos aos franceses (Six 15’, Soler 68’, Lacombe 77’ e Giresse 80’) e um ao Kuwait (Sultan 82’). Desses cinco, aquele aos 80’ arrasta polémica xxl. Porque o golo é validado, numa primeira instância. O lance é corriqueiro, Giresse isola-se e marca com todo o Kuwait parado. E porquê? Queixam-se de um apito. Das bancadas, claro. Stupar nem faz caso e aponta para o meio-campo.
Cai o Carmo e a Trindade, todo o Kuwait amonta-se à volta do árbitro. Às tantas, até o próprio presidente da federação do Kuwait desce da tribuna VIP e entra no relvado para dialogar com Stupar, rodeado por polícias. A situação é delicada, sui generis até. Porque Fahad Al-Sabah, assim se chama o senhor indignado, sai do relvado e até do estádio. Os jogadores do Kuwait querem fazer o mesmo, numa atitude sem precedentes.
Stupar fala então com os fiscais-de-linha, o sueco Erik Fredriksson mais o jugoslavo Damir Matovinovic, e decide-se pelo golo anulado. Está entornado o caldo, agora com os protestos franceses. O seleccionador Henri Michel manifesta-se ruidosamente, tal como Bossis, retirado em maca a contorcer-se com dores na sequência de alguns empurrões mais dramáticos – Bossis voltaria a entrar em campo para selar o definitivo 4:1.
À saída do estádio, o tal Fahad Al-Sabah diz finalmente de sua justiça: ‘A FIFA é pior que a mafia italiana. Antes de começar o Mundial, já sabíamos que não iríamos passar a segunda fase. Se quiser, digo-lhe quais as selecções apuradas.’ Mais à frente, ‘não me interessa nada que me castiguem, é-me indiferente; nós vimos servir o desporto e não servimo-nos deles’.