Great Scott #229: Único treinador a ganhar Copa América e Libertadores em anos seguidos?
Roberto Fleitas
Há homens com queda para a história. Veja-se o caso de Fleitas, defesa central do Liverpool (o do Uruguai). Passa pelos pingos da chuva, meio incógnito. Arrumadas as chuteiras, abraça a carreira de treinador. E aí, senhoras e senhores, uh la la c’est magnifique.
Sucessor de Omar Borrás na ressaca do desastroso Mundial-86 (uma só vitória em quatro jogos e aquela expulsão de Batista aos 57 segundos), Fleitas de 55 anos assume o comando da selecção uruguaia com o objectivo de restituir o orgulho perdido na competição seguinte, a Copa América-87 na Argentina.
Na qualidade de campeão sul-americano, o Uruguai entra directamente para a meia-final. Até lá, os outros jogam. A Argentina ganha o grupo A (empate vs Peru, vitória vs Equador), o Brasil é eliminado pelo Chile no B (4:0) e a Colômbia passeia no C (duas vitórias sem sofrer qualquer golo).
Meias-finais, aí estamos nós. No Monumental, o 4-3-3 de Fleitas atrapalha os campeões mundiais e, claro, silencia os adeptos. A táctica é bem simples: dez faltas nos primeiros dez minutos para meter Maradona, Caniggia e Cª em sentido. Depois, agarrar-se o mais possível à bola para baralhar o adversário. No final, decide um golo de Alzamendi aos 43 minutos.
Na final, daí a três dias, outra vez no Monumental, o seleccionador Fleitas aposta no mesmo onze vs Chile e volta a dar-se bem, com outro 1:0, agora cortesia Bengoechea aos 56’. Acaba nove contra nove, com expulsões de Gómez (Chile 14’), Francescoli (Uruguai 27’) mais Astengo (Chile) e Perdumo (Uruguai), ambos aos 88’. O Uruguai levanta a taça, na Argentina – a situação repetir-se-ia em 2011.
Ainda mal refeito da conquista, Fleitas aceita o convite do Nacional de Montevideo e deixa a selecção para Oscar Tabarez. A caminhada da Libertadores é cheia de altos e baixos. Na fase de grupos, por exemplo, apanha 6:1 do Millonarios, da Colômbia, em Bogotá. Passa em segundo lugar e elimina a Universidad Católica pela regra dos golos fora (1:1, 0:0). Nos ¼ final, o Nacional afasta o Newell’s Old Boys (1:1 na Argentina, 2:1 no Uruguai). Nas ½ finais, aparece o América Cali, vencedor do grupo do Nacional. Ao 1:0 em Montevideo segue-se o 1:1 em Cali, golo salvador de De Lima aos 78 minutos.
Final, aí vamos nós. O adversário é o Newell’s Old Boys. Em Rosário, 1:0 do suplente Gabrich. Em Montevideo, o Nacional já dera a volta à eliminatória antes do intervalo, por Vargas (13′) e Ostolaza (36′). O central De León fixa o 3:0 aos 78 minutos, de penálti. Vitória? Essa é boa. Nada disso, as regras da Libertadores prevêem um prolongamento. Whaaaaat? Isso mesmo, se há uma vitória para cada lado, joga-se prolongamento. Se se mantiver o resultado, aí sim, levanta a taça quem marca mais golos ao longo dos 210 minutos.
A conquista vale uma viagem para Tóquio, onde o PSV de Hiddink aguarda-o com impaciência. Esse mesmo, o PSV dos penáltis vs Benfica. Curiosamente (ou não), há penáltis no Japão. Até aos 90 minutos, 1:1. Ostolaza de cabeça, Romário à Romário. No prolongamento, penálti de Koeman e, no último suspiro, 2:2 de Ostolaza, novamente de cabeça. O que é extraordinário para Fleitas. Porquê? ‘O Nacional ficou hospedado no mesmo hotel do PSV e era habitual cruzarmo-nos no hall e na sala de refeições. Eles eram todos altos, à excepção do Romário, e estavam vestidos de forma elegante. Qual jogadores qual quê, eles pareciam empresários, de gravata e tudo. E perguntei-me como é que iríamos dar a volta à situação. Então não é que marcamos dois golos de cabeça?’
Nos penáltis, é necessária uma segunda série. Ao todo, 10 jogadores de cada equipa partem da linha dos 11 metros. Nem todos com sucesso. Kieft, Lerby, Gerets e Van Aerle falham. Todos os quatro para defesa do enorme Seré. Quem decide é o lateral-direito Gómez (o Veloso uruguaio, vá), embora Van Breukelen tenha adivinhado o lado da bola. ‘Mal começou o desempate, fui para o balneário. Nem vi os penáltis’. Fleitas, único.