2005, Real Madrid vs Barcelona
A ideia é-me familiar. De ler aqui e ali, em recortes de jornais espanhóis. Diego aplaudido no Bernabéu com a camisola do Barcelona. De sonho. Mais adulto, começo a ler mais e a própria hemeroteca dos jornais espanhóis abre-me o caminho.
Estamos na época 1983-84 e Diego continua a facturar. Em 16 jogos, o Barcelona está invicto com 10 vitórias e seis empates. Diego acumula 10 golos, três dos quais ao Apollon Limassol (8-0 em Camp Nou) e ainda um chapéu divinal no Marakanã (4-2 ao Estrela Vermelha, em Belgrado), para a Taça das Taças. É então que dá a primeira entrevista a um jornal português. O Record, através do jornalista Costa Santos e do repórter fotográfico Vítor Ramos, desloca-se a Barcelona e apanha o craque. As dez melhores frases, ei-las
– Sou um homem vulgar, com sentimentos e preocupações
– Há jornalistas peritos em inventar coisas, como conversas, lesões e saídas à noite
– Ninguém tem direito a dissecar a minha vida, nem o presidente do Barcelona
– A Argentina não fracassou no Mundial-82, simplesmente pensávamos que éramos os melhores
– Menotti não errou em Espanha, quem erraram foram os jogadores
– Sustento os meus pais e irmãos, a minha família
– Lattek é, como todos os alemães, frio e pouco comunicativo
– O futebol argentino é muito diferente do espanhol, aqui luta-se mais e joga-se menos
– Não sou um robot nem um homem esquisito, sou eu
– Não sei se sou rico, ganho o que justifico; sei, isso sim, que sou feliz
Quando tudo parece bem encaminhado, uma hepatite atira Diego para fora dos relvados durante três meses, de 15 Dezembro até 12 Março 1983 – o Barcelona só ganha sete dos 14 jogos nesse período. Diego está tão doente (da doença e, sobretudo, da situação) que nem vê futebol pela televisão. Fecha-se em copas. E só volta a sorrir no Natal, quando Núñez despede Lattek e contrata Menotti. É o melhor presente de siempre. Em Março 1983, antes do tal regresso, outra prenda do além: o seleccionador Bilardo comunica-lhe a entrega da braçadeira de capitão da Argentina. Já recuperado da hepatite e animado com a perspectiva de treinos leves liderados por um mestre, Diego atira-se à conquista das Taças, afastado o primeiro lugar da Liga, entregue ao Athletic Bilbao.
A final da Taça do Rei está marcada para 4 Junho 1983. Na semana anterior, dá-se um acontecimento surreal com a convocatória de Diego para o jogo de despedida de Breitner. O Barcelona retém-lhe o passaporte. Diego nem pensa duas vezes e desloca-se a Camp Nou para falar com o presidente. Como Núñez não o recebe, Diego pega numa belíssima taça de cristal do Teresa Herrera e deixa-a cair. Dá igual, Núñez continua fechado a sete chaves, tal como o passaporte. Adiante. A final é em Saragoça e o 2-1 ao Real Madrid é confirmado em cima do minuto 90, com um cabeceamento fulgurante de Marcos. Nas cabinas, Diego diz de sua justiça. ‘Quem me dera ter marcado o 2-1, foi belíssimo o golpe de cabeça. É daqueles golos inesquecíveis.’ Schuster é mais justiceiro. ‘Temos de dedicar esta taça do Diego, o que tem de passar para chegar aqui é de homem. Agora vamos atrás da Taça da Liga. Novamente com o Real Madrid, a duas mãos. A primeira é no Bernabéu, dia 26 Junho. Decore a data, é uma daquelas.
Ao intervalo, 0-0. Aos 53 minutos, Diego arranca pela direita o génio do futebol mundial. Salguero aperta com ele, qual quê. O drible é desconcertante, a velocidade ni hablar. Mete o turbo boost e cruza com conta, peso e medida para o cabeceamento fácil de Carrasco, 1-0. Aos 57, é Carrasco quem encontra Maradona lá na frente. O argentino corre solto, desvia-se do guarda-redes Agustín e, à boca da baliza, finge o remate. Juan José vai com tudo e embate no poste da baliza. Só aí, Diego atira para a baliza. O público delira. O público, sim, o do Real Madrid. Há olés nas bancadas, há pessoas levantadas a aplaudir a enésima genialidade de Diego. A situação repetir-se-ia em 2005, com Ronaldinho.
Quero chegar aqui, ao Ronaldinho. Apresento-me no Bernabéu para ver o clássico, o meu primeiro. E também o primeiro de Messi. O alvoroço entre os jornalistas na tribuna de imprensa é qualquer coisa, só se fala de Leo, Leo e Leo. Ainda o argentino é o número 30. O 10 é de Ronaldinho, o 20 de Deco. É o Barcelona de Rijkaard, a caminho do título de campeão espanhol e europeu. O pitstop no Bernabéu é um hino ao futebol de ataque desde o apito inicial do árbitro. Do que me lembro de cabeça (tricky, às vezes), o Real Madrid nunca se aproxima da baliza de Valdés. Nem Zidane nem Ronaldo nem Robinho nem Roberto Carlos nem ninguém. Zero, autêntico zero, a equipa de Vanderlei Luxemburgo.
No outro lado, um Barcelona glorioso a respirar classe e velocidade por todos os poros. Messi falha um golo na cara de Casillas e Eto’o outro antes do 0:1 de Eto’o, aos 14 minutos. Até final da primeira parte, Messi vê um golo ser-lhe bem anulado por fora-de-jogo, e é capaz de ser o golo anulado mais perfeito que vi, porque a bola entra no ângulo superior com uma categoria xxl. Na segunda parte, Ronaldinho abre o livro e parte os rins a qualquer um, seja Helguera, Ramos ou Roberto Carlos. Ninguém o agarra, simplesmente porque Ronaldinho é o melhor. Lá está, classe e velocidade. Pobre Casillas, impotente para segurar o vendaval de bola. A seguir ao 0:3, o momento hitchcockiano com adeptos madridistas da bancada central em pé e a bater palmas para um Ronaldinho verdadeiramente maradoniano.
Entre todos esses adeptos, um há mais destacado que todos os outros, graças à sua figura dos anos 80, com um bigode farto. Claro, o jornal Marca fixa-o e apanha-o para uma entrevista no dia seguinte. Só faltava mesmo isso para ser perfeito, que bigode ao Real Madrid.