Trinta perguntas do Mundial 1991
Quem marca o primeiro golo de Portugal na qualificação para o Mundial?
Rui Bento
O regulamento do Mundial sub20 é claro, o campeão tem de jogar a qualificação para defender o título. Portugal não foge à regra e vai à luta. Campeão em Riade 1989, entra na fase de apuramento com Albânia, Suíça e Itália. É trigo limpo, farinha amparo. Dos seis jogos, cinco vitórias (todas seguidas) e um empate a fechar o torneio. Na estreia, em pleno Jamor, o seleccionador Queiroz apresenta Brassard / Rui Bento, Alexandre, Jorge Costa e Paulo Torres / Peixe, Jójó, João O. Pinto e Paulo Pilar (cap) / Miguel Bruno e Gil. Ainda entram Miguel Geraldes e Bruno Jesus. De realçar a presença de Jójó, um miúdo dos Pescadores da Costa da Caparica, com 378 jogos na 2.ª divisão B em clubes como Montijo, Nacional, Casa Pia, Machico e Alcochetense.
O jogo é a 15 Março 1989, apenas duas semanas depois da conquista do inédito título mundial, em Riade. Aos quatro minutos, penálti apitado pelo francês Girard. Na marcação, Rui Bento engana Kruja e abre o caminho para o bi. Assim de repente, nota-se a ausência de Rui Costa, Figo e João V. Pinto. Os dois últimos jogam de início no compromisso seguinte, em St Gallen, na Suíça, com 3:0 antes do intervalo. Do primeiro, só se vai ouvir falar na fase final do Euro sub18, na Hungria, onde Portugal calha em sorte com o anfitrião em Gyula. Ao intervalo, 1:0 por Szabados. No fim, 1:1 por Paulo Torres.
Passa-se por cima do prolongamento e vamos logo para penáltis. Brassard é rei e senhor, já a adivinhar o segredo do seu (nosso) sucesso no Mundial. Dos quatro remates húngaros, só Halmai faz golo. De resto, Brassard defende as bolas de Wendlor, Beko e Szabo. No lado português, Rui Bento atira ao poste e Rui Costa à barra. Marcam Figo, Jorge Costa e Paulo Torres. Nas ½ finais, o resultado faz-se na primeira parte com os golos de JVP (passe em profundidade de Paulo Torres), Maurício (recarga a defesa de Brassard) e Figo (isolado). Na segunda, Jorge Costa vê o segundo amarelo aos 51 minutos e Peixe desce para central. Portugal aguenta estoicamente a magra vantagem.
A final de 1990 é a mesma de 1988, vs URSS, com honras de transmissão televisiva em directo na RTP2 a partir das 15 horas do dia 29 Julho. O ataque soviético contempla um homem chamado Cherbakov. No banco, há Kandaurov. Os dois convivem em campo os últimos 42 minutos, sempre 0:0. Quer dizer, Portugal até marca uma vez, prontamente anulado pelo árbitro austríaco Kapl por indicação de fora-de-jogo do fiscal-de-linha jugoslavo. Nos penáltis, Pomazoun detém as bolas rematadas por Rui Bento e João V. Pinto. Desta vez, Brassard nem agarra uma. Grishin, Charan, Pohlebaev e Manchur garantem o título. Seja como for, Portugal está apurado.
Fase de qualificação Euro sub18
Albânia 2:1 Rui Bento (p) / João O. Pinto
Suíça 0:3 Jorge Costa / Paulo Pilar / Paulo Torres
Albânia 0:2 João O. Pinto-2
Suíça 2:0 Gil / Figo
Itália 0:2 Paulo Torres / Figo
Itália 0:0
Fase final Euro sub18
Hungria 1:1 (3:1 p) Paulo Torres
Espanha 2:1 João V. Pinto / Figo
URSS 0:0 (2:4 p)
Único português com jogos nas competições europeias em 1990-91?
Abel Xavier
Carlos Queiroz chama 18, entre dois guarda-redes e 16 jogadores de campo. De todos eles, só Abel Xavier participa na UEFA dessa época 1990-91, em representação do Estrela, então treinado por Manuel Fernandes, coadjuvado por José Mourinho. Dos quatro jogos, vs Neuchâtel Xamax e RFC Liège, é titular em três. No primeiro, vs Neuchâtel, o número da camisola de Abel é o 9 e joga ao lado de Paulo Bento, o 10. Curiosamente, os dois jogam juntos no Benfica, lá fora (Oviedo) e também no Euro-2000.
Quantos portugueses não têm sequer um único minuto de utilização pelo respectivo clube na época 1990-91?
Oito
É certo e sabido, Queiroz organiza mil e um estágios durante a época desportiva e os clubes aderem ao esquema com toda a naturalidade. Daí que Figo seja uma carta fora do baralho para as contas de Marinho Peres – há Litos para o lugar de extremo-direito. Na época seguinte (91-92), Figo é totalista com 34 jogos, todos a titular. É o efeito Mundial-91. Dos 18 convocados, a maioria joga aqui e ali (o recordista é Rui Costa, 3122 minutos pelo Fafe na 2.ª B). E, finalmente, os não utilizados de todo. Oito. Ei-los.
Tó Ferreira, Famalicão (34 vezes no banco de suplentes)
Brassard, Louletano (2)
Figo, Sporting (1)
Cao, FC Porto (1)
Gil, Benfica (0)
Tulipa, FC Porto (0)
João Oliveira Pinto, Sporting (0)
Toni, FC Porto (0)
Qual é o adversário de Portugal no ensaio para o Mundial?
Rio Ave
É um jogo nas Antas, no dia 9, e acaba 7:0. Queiroz faz alinhar Brassard / Rui Bento / Abel Xavier, Jorge Costa, Paulo Torres / Peixe / Capucho, Rui Costa, Figo, JVP (cap) / Gil. O Rio Ave de Mário Reis acabara de se sagrar campeão da zona norte da 2.ª divisão B e não consegue dar luta. Abre a conta Jorge Costa, depois seguem-se três bis de Gil, Figo e Toni. Dos sete golos, só o último é de penálti, cortesia Figo – que falharia daí a uns dias, no mesmo palco, vs Irlanda, para a abertura do Mundial. Como nota de rodapé, Peixe sai ao intervalo e é Figo quem ocupa o lugar de trinco durante toda a segunda parte. Na zona mista, o capitão JVP respira saúde, após meses de confinamento no Atlético Madrid B, e promete boas exibições para responder a quem de direito. ‘Gostaria de dar uma bofetada de luva branca a Gil y Gil’
Quem é o árbitro português afastado do Mundial por lesão?
Veiga Trigo
É uma salganhada de todo o tamanho, fruto da falta de comunicação entre todos, sobretudo FPF e António Garrido, encarregue de notificar os árbitros portugueses para se apresentarem no Hotel Altis na véspera dos exames físicos organizados pela FIFA. Dos sete magníficos, entre Pinto Correia, Carlos Valente, Rosa Santos, Vítor Correia, Veiga Trigo, Fortunato Azevedo e Jorge Coroado, só um recebe a notificação e chega ao hotel a horas. É ele Pinto Correia, curiosamente o único designado como árbitro. Os restantes fazem-se representar como fiscais-de-linha, a título excepcional. No dia seguinte, lá aparecem alguns seleccionados. Um deles, Veiga Trigo, lesiona-se na corrida dos 50 metros, na pista do Jamor, com uma lesão muscular.
Qual é o prémio da selecção brasileira na ressaca do apuramento para a ½ final?
Fátima
Ernesto Paulo ainda não sabe, mas vai treinar em Portugal, mais concretamente na Madeira (União). Enquanto isso, é o seleccionador do Brasil. A final é quase uma obrigação, numa equipa com Roberto Carlos, Paulo Nunes e Élber, só para citar os mais conhecidos daí a uns anos. Na ressaca do segundo jogo da fase de grupos, os jogadores entram de castigo e são chamados à atenção com uma reunião séria no hotel. O motivo é simples, abrem vantagem 2:0 vs México e deixam-se empatar na segunda parte. O castigo é esquecido a partir do momento em que goleiam a Coreia por 5:1 nos ¼ final e o prémio é uma ida ao santuário de Fátima.
Qual é a condição mais peculiar da selecção da Coreia?
Substituições geográficas
Novembro, dia 15. Estamos em 1990, falta meio ano para o Mundial e joga-se a final da Taça da Ásia em Jacarta, na Indonésia. De um lado, a Coreia do Sul. Do outro, a do Norte. Acaba 0-0, após prolongamento. Nos penáltis, 4-3 para o Sul. Pelo regulamento da FIFA, qualificam-se os três primeiros classificados. Às duas Coreias acrescente-se a Síria, vencedora do bronze vs Qatar (1:0).
No início do ano 1991, as Coreia juntam-se num exercício de união geográfica, espiritual e tudo o mais. Para tudo ser seguido à risca, chega-se a um consenso: o seleccionador é norte-coreano e a lista dos 18 convocados é maioritariamente sul-coreana. Assim é, 10-8. Em Portugal, os convocados do Norte e do Sul alimentam-se de forma distinta e andam em grupos, sem misturas. No campo, só uma indicação: se o substituto é do Norte, o substituto tem de ser dessa região. Nunca um Norte pelo Sul ou vice-versa.
Quem é o jogador australiano quase quase a assinar pelo Braga?
Okon
Filho de pais alemães, Okon é uma das figuras da sensacional Austrália, instalada em Braga. Com o passar dos dias e dos treinos no 1.º Maio, os dirigentes bracarenses António Duarte e Manuel Ferreira sentem uma atracção pelo capitão Okon e chegam à fala. O interesse é manifestado e ambas as partes querem o mesmo, numa conversa traduzida do inglês para o português (e vice-versa) por Romeu Maia, responsável clínico do Braga. Só que aparece o FC Brugge, da Bélgica. Há contactos e o Braga perde momentaneamente a esperança.
Antes da ½ final vs Portugal, o Braga volta a dar sinais de vida porque o pai de Okon não vai à bola com o FC Brugge. Nem o filho, aliás, que se admite arrependido por ter chegado a um acordo verbal e muito confortável com a pcata vida na cidade de Braga. Os dias passam e a incerteza é muita, tic tac tic tac. Até que o Braga desiste de vez. Okon assina mesmo pelo FC Brugge e por lá joga cinco épocas antes de aterrar em Itália, onde representa Lazio (vencedor da última edição da Taça das Taças, na companhia de Sérgio Conceição e Fernando Couto) mais Fiorentina.
Com quantos minutos de atraso se inicia a ½ final entre Portugal e Austrália?
Sete
Um passeio, a qualificação da Austrália na zona da Oceania: quatro vitórias em quatro jogos mais 22:0 em golos. Em Portugal, os rapazes dormem sestas de quatro horas para acertar a enorme diferença horária e, assim, a boa disposição marca o seu dia a dia. No primeiro dia, por exemplo, cortam todos o cabelo da mesma maneira na barbearia do hotel. Para dar sorte, diz o assessor de imprensa. No campo, a fase de grupos é um passeio sem igual, três vitórias em três jogos (Trinidad e Tobago 2:0, URSS 1:0, Egipto 1:0).
Nos ¼, a Síria é a primeira selecção de todas a marcar um golo ao já badalado Bosnich, terceiro guarda-redes do Man United. O herói sírio é Abdullah Mando. O jogo arrasta-se para os penáltis e, aí, o suplente Stanton é o autor do 5:4 definitivo. Apurada surpreendentemente para a ½ final, a Austrália faz um insólito pedido à FIFA no sentido de atrasar em sete minutos o início do jogo, vs Portugal, na Luz. Todos de acordo, a bola só começa a rolar às 21 horas e 37 minutos em Lisboa, 6 e 37 da manhã em Camberra. Tudo em prol da televisão, publicidade e afins.
Qual é a táctica do seleccionador brasileiro Ernesto Paulo?
À Mike Tyson
Ernesto Paulo, mais uma vez. O seleccionador aterra em Portugal cheio de ilusão, ao Brasil foge-lhe o título desde 1985. A sua filosofia é simples, entrar a ganhar à Mike Tyson. ‘É um pugilista vitorioso, famoso por entrar sempre a matar para desfazer o adversário. Se não é vitória por KO; é quase.’ E os jogadores correspondem de forma eficaz em todos os jogos, á excepção da final. Costa de Marfim, 1:0 aos 29 minutos. México, 2:0 ao intervalo. Suécia, 1:0 aos 29’. Coreia, 2:0 ao intervalo. URSS; 3:0 aos 32’.
Qual é o prognóstico de Rui Costa para a final?
Meio a zero
Há dúvidas. Ou não há? Dos nove golos portugueses em 1991, dois fazem parte da história dos Mundiais. O primeiro é de Capucho, numa belíssima jogada individual em que dribla um, dois, três irlandeses até meter a bola por cima do guarda-redes, à saída deste. É o 2:0 vs Irlanda, nas Antas. O outro é de Rui Costa, num pontapé fenomenal a 30 metros da baliza à guarda de Bosnich. É o solitário 1:0 vs Austrália e garante o apuramento para a final. Na zona mista, Rui Costa é parco em palavras e exagerado no resultado para a final. ‘Meio a zero, chega-nos meio a zero’.
Qual é o único clube português a fazer uma oferta por Paulo Nunes?
Espinho
Paulo Nunes é amador, ainda. E é um jogador livre, há um impasse com o Flamengo. Vai ao Mundial à caça de um contrato. As exibições agradam a meio mundo, claro. Paulo Nunes e Élber é uma dupla de respeito. Nos jornais portugueses, fala-se muito do Boavista. Então, A Bola contacta um tal de António Nunes, irmão de Paulo. Ipsis verbis: ‘O meu irmão acabou o contrato com o Flamengo e ainda não é profissional. Do Boavista, nada sei e tudo tem de passar por mim. Até agora, o único clube português a falar comigo foi o Espinho, que até me apresentou um contrato de dois anos. Vamos ver quando acabar o Mundial’. E então? No regresso ao Brasil, o avançado chega a acordo com o Flamengo, onde joga até 1994, ano em que se transfere para o Grémio e joga ao lado de Jardel. Voltaria ao local da final, como reforço do Benfica em 1997. Faz oito jogos, marca dois golos, ambos na estreia, vs Campomaiorense (4:0). Nessa noite de Agosto, o Benfica está representado por três dignos mosqueteiros do Mundial 1991: além de Paulo Nunes, há o português JVP e o inglês Minto.
Onde almoça a selecção nacional no último dia livre antes da final?
Solar dos Presuntos
Irlanda 2:0, Argentina 3:0, Coreia 1:0, México 2:1 e Austrália 1:0. O caminho para a final é tranquilo e só sofre um pico de emoção nos ¼ final, cortesia México. É obrigatório prolongamento, resolvido com um cabeceamento de Toni após livre da esquerda de Paulo Torres. Antes da final, e para descomprimir, a selecção reúne-se fora do hotel e vai almoçar fora. O local eleito é o Solar dos Presuntos, liderado por Evaristo, um minhoto de Monção lançado ao mundo da cozinha e depois ao do futebol, como cozinheiro da federação a partir do Mundial-86. O repasto (bela palavra, hein?!) é à quinta-feira, com a companhia do Primeiro-Ministro Cavaco Silva.
Qual o erro mais flagrante do árbitro do Portugal-Argentina?
Engana-se no primeiro jogador expulso
Raymond Goethals é um treinador com nome na praça. Além de treinar o Vitória SC (1984-85), é campeão europeu pelo Marselha (1992-93). O seu filho também está ligado aos futebóis, como árbitro internacional, e é chamado pela FIFA para o Mundial. Na estreia, vai à Luz para o jogo mais esperado do grupo A. Sem futebol para dar, a Argentina começa a dar pau de virar o boneco. Num dos lances, já perto do intervalo, Loza acerta forte e feio em Figo. Autoritário qb, Goethals incendeia os já escaldados ânimos argentinos e expulsa Paris com vermelho directo. É um erro crasso, impossível de rectificar.
Na segunda parte, mais duas expulsões para a Argentina, uma para Pellegrino (62’) e outra para Esnaider (89’). Por cada cartão vermelho deles, um golo nosso. Acaba 3:0, por Gil, Paulo Torres e Toni. O curioso (ou não) é que Goethals é premiado pela UEFA com uma ida ao Euro-92 (Escócia 0:2 Alemanha) e outra ao Euro-96 (Alemanha 0:0 Itália, no tal jogo em que Köpke defende um penálti de Zola e elimina a Itália, ultrapassada pela República Checa no segundo lugar do grupo C).
Quantos penáltis falha o Brasil na fase de grupos?
Dois
A distância é considerável, 11 metros metem respeito. Se o guarda-redes engordar e a baliza emagrecer, a bola é um problema. Só muita cabeça fria para dar golo. Nem sempre isso é fácil. Antes mesmo do desempate na final vs Portugal, o Brasil apresenta problemas desde a marca do penálti. Na fase de grupos, o martírio brasileiro começa com Marquinhos vs Costa de Marfim (defesa de Konaté) e continua com Andrei vs Suécia (defesa de Hedman). Nos ¼, o Brasil acerta finalmente na baliza, cortesia Djar. É o momentâneo 4:1 vs Coreia. Todos os três lances acontecem nas Antas. Na Luz, o tal desempate volta a denunciar a falta de jeito do brasileiro para o lance mais eficaz do futebol. Ramon e Andrei até marcam, já Élber acerta na trave e Marquinhos chora a defesa de Brassard.
Qual a tendência dos penáltis no desempate da final?
Todos para a direita de Brassard
Uma final com penáltis é uma realidade incontornável desde a primeira edição, em 1977, entre URSS e México, com 2:2 no final do jogo. A segunda vez é em 1987, entre Jugoslávia e RFA, com 1:1. A terceira é na Luz, com 0:0. Zero golos em 120 minutos de bola. Quer dizer, até nem é bem assim. O Brasil marca duas vezes, ambas por Paulo Nunes. O árbitro argentino Lamolina anula as acções, por fora-de-jogo. Eis a estatística entre Portugal e Brasil.
Golos 0-0
Golos anulados 0-2
Cantos 4-13
Remates 15-20
Remates à baliza 6-7
Faltas cometidas 31-28
Faltas sofridas 22-29
Foras-de-jogo 0-3
Seguem-se os penáltis. Começa o Brasil.
Ramon, 0:1
pé direito, bola á esquerda, Brassard enganado
Jorge Costa, 1:1
pé direito, bola à esquerda, ainda bate na trave, Roger adivinha
Élber, à trave
pé direito, bola à esquerda
Figo, 2:1
pé direito, bola à direita, Roger adivinha
Andrei, 2:2
pé esquerdo, bola à esquerda, Brassard enganado
Paulo Torres, 3:2
pé esquerdo, bola à direita, Roger adivinha
Marquinhos, defesa
pé direito, bola à esquerda, defesa de Brassard
Rui Costa, 4:2
pé direito, bola à direita, Roger enganado
Quem é a estrela do Uruguai?
Tejera
Tejera, Marcos Marcelo Tejera Battagliese. Eis o craque do Uruguai, médio centro de qualidade acima da média, já alcunhado de Mago. Joga no Defensor Sporting e assina pelo Cagliari antes de aterrar em Portugal. A sua atitude é descabida, zero compromisso, zero dedicação. A fama sobe-lhe de tal maneira à cabeça que só se treina de sapatilhas e passa o tempo na esplanada do hotel, sem respeitar os horários de recolher ao quarto estabelecidos pela federação. O Uruguai consegue sair do Mundial sem uma vitória nem sequer um golo marcado (1:0 vs Síria, 6:0 vs Espanha, 0:0 vs Inglaterra). No Cagliari, a sua vida cai a pique e é devolvido ao Defensor Sporting em 1992. Acaba a carreira em 2006 e é empresário de jogadores acima dos 17 anos. Pudera, já tem a lição bem estudada.
Qual é a selecção mais antipática de todas?
Costa de Marfim
De longe. E há uma razão aparentemente lógica: a malta em geral torce o nariz ao físico imponente do vice-campeões africanos e queixa-se sobre a idade de alguns jogadores. A FIFA mete em marcha uma investigação e, claro, os marfinenses torcem o nariz à dita cuja. Na fase de grupos, a FIFA anuncia o veredicto favorável à Costa de Marfim através de análises ao sangue e dentes. Antes e durante o Mundial, a delegação da Costa de Marfim sente-se desconfortável e reage com desdém. A mais frequente birra é o riscar os impressos da FIFA a dizer Costa de Marfim. Sejam jogadores ou dirigentes, eles sacam da caneta, rabiscam o nome (às vezes furiosamente) e escrevem Côte d’Ivoire.
Quantos jogadores do Egipto fazem o exame do secundário em Lisboa?
Oito
Campeão africano em título, o Egipto aparece cheio de esperança e instala-se no Minho para jogar em Braga mais Guimarães. Mal aterram em Portugal, a delegação faraónica causa sensação com a recusa dos sumos da organização FIFA e encomenda litros de chá. E porquê? Porque é a bebida tradicional, facilita a concentração e os refrigerantes de lata provocam gases. Dito isto, o Egipto arrepia caminho e volta a causar sensação daí a dois dias, na antevéspera do arranque, vs URSS, com a deslocação de oito jogadores a Lisboa. Motivo? O último exame do secundário. Dos oito, só um marca golo no Mundial: é o número 18 Abdel Aziz, autor do 6:0 definitivo vs Trindade e Tobago. Na preparação para o Mundial, o Egipto empata vs Torreense (0:0) e perde vs Alverca (2:1).
Quem é o jogador apresentado por Sousa Cintra no dia do arranque do Mundial?
Iordanov
É o terceiro búlgaro do Sporting de Sousa Cintra, após Guentchev e Balakov. Melhor marcador do campeonato búlgaro dessa época 1990-91, com 21 golos (mais três que Mihtaski, então reforço do FC Porto), o bom do Iordanov é apresentado a meio do meeting internacional de atletismo no Estádio José Alvalade. O avançado, ladeado por uma guarda de honra liderada pelo próprio Sousa Cintra, interrompe o concurso de dardo, passa ao lado do campeão Serguei Bubka e acena para o público.
No uso da palavra, Cintra fecha as portas aos reforços estrangeiros e pisca o olho a quatro portugueses. ‘Com a contratação de Iordanov, atingimos o limite de estrangeiros e já temos um banco à altura do Sporting, ao contrário da época passada, em que foi notório a falta de jogadores com qualidade. Ainda queremos mais um ou dois jogadores portugueses e estamos a tratar disso com o Estrela, para Paulo Bento e Abel Xavier, e também com o Marítimo, para Carlos Jorge e Paiva.’
E Iordanov, o que diz? ‘Sou um avançado que joga bem na frente: utilizo os dois pés e jogo bem com a cabeça. Conheço muito bem Balakov e Guentchev, vão ajudar-me na integração ao clube e ao país.’ E o público do Sporting? ‘Jã sabia que o Sporting era um clube enorme, um dos melhores da Europa. Com a reacção do público à minha apresentação, fiquei com uma ideia mais real da sua grandiosidade.’
Qual é o resultado mais sensacional na pré-época do Mundial?
Trindade e Tobago 4:1 Brasil
Ponto de partida: é o primeiro Mundial de Trindade e Tobago. O apuramento é épico, dividido por duas fases. Em ambas, o capitão Dwight Yorke dá espectáculo com golos, muitos golos. Ao todo, 11. Na fase final, o favoritismo do México é uma realidade. Só que a junção das Coreia abre uma segunda vaga na Concacaf. Disso se aproveita Trindade e Tobago, à frente dos EUA.
Na pré-época do Mundial, por assim dizer, a selecção caribenha faz furor com 4:1 vs Brasil. A movida é imensa, estamos todos ansiosos por ver o seu toque de bola. À chegada ao Aeroporto das Pedras Rubras, no Porto, um grupo folclórico da Maia recebe os taboguenhos com pompa e circunstância. As fotografias são um mimo. No campo da bola propriamente dito, Trindade é uma tremenda decepção e a única selecção das 16 sem qualquer ponto nem golo marcado entre 0:2 vs Austrália, 0:6 vs Egipto e 0:4 vs URSS.
Quantos absurdos de contos pedem Fafe e Moreirense por disponibilizar os relvados para os treinos?
Quatro mil contos
O comité de organização da FIFA ajuda as selecções a encontrar um relvado para os treinos. É uma acção conjunta, palmas para eles. O problema é a ganância dos clubes à volta dessas selecções. Quando está sediado do Norte, nem quer acreditar nos preços em voga. O Fafe pede quatro mil contos, o Moreirense outros quatro. É o fungagá da bicharada. As selecções rejeitam, claro, e preferem continuar a usar o 1.º de Maio, à vez. O comité, por seu lado, abana a cabeça em sinal de descontentamento e afirma uma e outra vez que só tem 60 contos para desembolsar. Que artistas.
Um é australiano, outro é inglês: quem é dispensado à última hora por lesão?
Schwarzer e McManaman
O azar é inevitável, bate quase sempre à porta de alguém. Veja-se o caso português com Paulo Pilar, substituído por Rui Costa. Na Austrália, o azarado é Mark Schwarzer. No último dia de estágio na Holanda, o guarda-redes parte a mão e nem viaja para Portugal. No seu lugar, os australianos chamam Zeljko Kalac. Curiosamente, estes dois nomes jogariam o Mundial-2006. Para chegar aí, Schwarzer é o herói com a defesa de dois penáltis uruguaios no play-off entre Conmebol e Oceania. Também na qualificação para o Mundial-94, o mesmo Schwarzer cometera idêntica proeza no play-off entre Oceania e Concacaf, vs Canadá (um dos penáltis defendidos é de Alex Bunbury, o do Marítimo).
Na Inglaterra, o homem cortado à última hora é Steve McManaman. Titular indiscutível e vice-capitão dos sub20, o extremo já se estreara no Liverpool ao lado do malabarista John Barnes. Antes da partida para Portugal, um choque fortuito com um companheiro de equipa no treino deixa-o irremediavelmente de fora. Ao longo da carreira, colecciona 37 internacionalizações e só acumula três derrotas, a última das quais vs Portugal no Euro-2000, numa tarde em que até marca um golo a Vítor Baía.
Qual a maior gafe no jogo de abertura entre Portugal e Irlanda?
Falha de luz
O arranque do Mundial é a uma sexta-feira, às 21 horas do dia 14 Junho, nas Antas. A casa do FC Porto enche-se de 65 mil pessoas para receber condignamente a selecção portuguesa. A cerimónia de apresentação é qualquer coisa de banal, tudo feito em cima do joelho. Que comecem os jogos. Portugal joga ao ataque, como convém. De repente, aos 10 minutos, falha a luz elétrica do estádio. Valha-nos a luz do dia, ainda. O árbitro italiano Pierluigi Pairetto manda seguir na esperança do regresso imediato dos holofotes. Em vão. Tic tac tic tac. Passa um minuto, dois, três, quatro.
Ao todo, 11 minutos sem luz artificial. Nesse período, a Irlanda provoca o único frisson do jogo, com uma arrancada de Kieron Brady travada com autoridade por Brassard, e, acto contínuo, o golo português, pelo capitão JVP, após jogada envolvente de Toni e Gil. Daí até final, a luz está sempre presente e já se vê perfeitamente bem o 2:0 de Capucho mais o penálti falhado por Figo, a castigar falta de Gil, numa altura em que o seleccionador irlandês Setters já fora expulso por protestos.
Quem vaticina a Inglaterra na final?
Gascoigne
Paul Gascoigne já é um ícone à escala planetária. Figura do Mundial-90 pela Inglaterra, todos se lembram bastante bem do seu desespero por ter visto o amarelo na ½ final vs Alemanha e depois as lágrimas lavadas pela sua camisola, na sequência da derrota pelo desempate de penáltis. De férias em Vilamoura, o touro inglês está lesionado e apresenta-se no Estádio São Luís para ver o Inglaterra vs Espanha. Aos jornalistas, Gazza perspectiva a Inglaterra na final e antevê o seu regresso aos relvados daí a uns meses. Pois bem, a Inglaterra nem passa a fase de grupos e o próprio Paul está mais de um ano sem jogar.
Quem é o único jogador de campo a ir à baliza?
Mamtchour
A URSS, na qualidade de bicampeã europeia em título, é uma séria candidata à final. Para tal, organiza estágio de mais de um mês em Moscovo. Segue-se o voo para Portugal, a sede é em Braga. Os primeiros dias são difíceis pelo calor minhoto e o espírito introvertido dos soviéticos, queixosos com a falta de água nos quartos do hotel e até nos treinos. A organização FIFA assobia para o lado, a comitiva abastece-se nos supermercados mais perto de si. Só uns dias depois é que os sorrisos aparecem aqui e ali, o ambiente desanuvia-se. A culpa é de Aleksander Donner, treinador do ABC, juntamente com os jogadores Bolotski e Tchikoulaev.
No treino de adaptação ao Municipal de Guimarães, o titular Pomazoun (Metalis Kharkiv) lesiona-se no polegar da mão direita num lance casual. Prontamente assistido pelo massagista vitoriano Salgado, é suturado com três pontos. No dia seguinte, vs Egipto, o suplente Andre Novosadov (CSKA Moscovo) entra directo para o 11 e, azar dos azares, lesiona-se no cotovelo esquerdo em choque com Sadek. Sem guarda-redes no banco, é o capitão Mamtchour quem assume a baliza nos últimos três minutos e segura a magra vantagem.
Operado pelo ortopedista Mário Bessa no Hospital Santa Maria, no Porto, a figura de Novosadov já nem conta para o totobola. O seleccionador Kostylev chama então um terceiro Keeper de emergência, Tumilovich (Dínamo Minsk). Acreditem, suplente de Pomazoun. O titular recupera milagrosamente e joga com uma tala debaixo da luva.
Qual é o castigo da FIFA para Esnaider pela expulsão vs Portugal?
Um ano
A Argentina joga um futebol da tanga. A sua abordagem ao jogo é rudimentar, sem pés nem cabeça. Há uma falta gritante de ligação entre os sectores. Na estreia, a Coreia toma conta do assunto (1:0). No segundo jogo da fase de grupos, também na Luz, é Portugal a dar baile (3:0). Os argentinos, pobres coitados, andam de cabeça perdida e o avançado Esnaider é o terceiro expulso desse jogo, a um minuto do fim. A sua atitude é vergonhosa, embaraçosa. Atira-se ao árbitro, gesticula espalhafatosamente e só sai de campo com a ajuda de companheiros.
A FIFA nem perde tempo e, menos de uma semana depois, delibera uma suspensão de um ano para Esnaider. Logo ele que se prepara para jogar na primeira equipa do Real Madrid, após uma época entre os juniores e as reservas do clube espanhol. Como o destino tem destas coisas, Esnaider volta a Portugal dez anos depois e joga no FC Porto. Ao todo, seis jogos, seis vitórias e um golo marcado (Estrela 3:0 para a Taça de Portugal), Nas Antas, reencontra três heróis portugueses do Mundial-91: Nélson, Jorge Costa e Capucho.
Qual é o castigo da FIFA para a Argentina pelo comportamento dos seus jogadores vs Portugal?
Exclusão do Mundial-93
Com um peso indiscutível nas camadas jovens, a Argentina sagra-se campeã mundial sub20 em 1979, no Japão, por obra e graça de Maradona (e, vá, Ramón Díaz). Chega depois à final em 1983, perdida para o Brasil. Daí para a frente, nem final nem ½ final. Em 1991, a selecção dá ares de importante. No plantel, a maior figura é um tal Esnaider, avançado dos juniores do Real Madrid, contratado em 1990 ao modesto Ferro Carriul Oeste ao fim de seis jogos (ya, 6). Também Mogrovejo e Waltez Paz, ambos contratados pelo FC Porto de Bobby Robson sem o efeito desejado. Aliás, juntos acumulam cerca de zero jogos. Ya, 0. É um duplo fenómeno sem igual, ambos reforços do Argentinos Juniors.
Seja como for, a Argentina acha-se. E é um desastre completo. Último lugar do grupo A, só um ponto e 2:6 em golos. Para cúmulo, aquela cegada na Luz vs Portugal com três cartões vermelhos e tanta pancadaria mais insultos ao árbitro durante e depois do jogo. A FIFA toma uma decisão e afasta a Argentina da qualificação para o Mundial-93, na Austrália. A federação argentina parte então do zero e contrata um treinador desconhecido chamado José Pekerman. É ele o Queiroz argentino, tricampeão mundial em 1995 (Biagini), 1997 (Riquelme, Aimar) e 2001 (Saviola).
Qual é a queixa de JVP no 1:0 à Austrália?
Problemas de audição
Um jogo da selecção portuguesa na Luz é qualquer coisa de especial. A intensidade cresce, a emoção idem idem, os adeptos aspas aspas. Porque há bilhetes à borla para os sub18. Daí a discrepância entre bilhetes e assistência. No primeiro jogo, o tal 3:0 vs Argentina, vencem 17 mil bilhetes e aparecem 70 mil adeptos. Uauuuuuu. A onda ganha volume e já se ultrapassa os 100 mil espectadores na ½ final, vs Austrália. Na verdade, 112 mil.
É um feito inacreditável, está batido o recorde do Mundial sub20, estabelecido no Azteca, Cidade do México, por ocasião da final entre Brasil e Argentina em 1983. Nesse 1:0 resolvido por Rui Costa com um pontapé do meio da rua, a conferência de imprensa de João Vieira Pinto é curiosa. Queixa-se o capitão de problemas de audição. ‘Nunca jogámos com tanta gente. Estávamos lá em baixo e não nos ouvíamos uns aos outros, foi incrível.’
Quantos adeptos no jogo com menor assistência?
1500
É um dia atípico nas Antas, só 1500 pessoas nas bancadas para assistir ao desequilibrado Costa de Marfim 1:4 Suécia. Na jornada anterior, nada faria prever um desfecho assim. Até porque a Suécia é goleada por 3:0 vs México e a Costa de Marfim aguenta o Brasil até aos 79 minutos (2:1). O sucesso dos africanos tem a ver com a defesa em linha. Os brasileiros caem muito em fora-de-jogo e, quando escapam, apanham com o guarda-redes Konaté, uma espécie de Higuita. O miúdo joga fora da área e sabe mexer-se com a bola nos pés.
Neste jogo vs Suécia, o seleccionador marfinense aposta no suplente Tade, um guarda-redes mais burocrática, da velha escola do ficar quieto na grande área à espera de acção. O resultado é desastroso, obviamente. Quando Konate substitui Tade aos 59 minutos, há 3:0 para a Suécia. Também para a história, é o único jogo apitado por um português (Pinto Correia, no caso).
Quem escapa a uma expulsão por descuido do árbitro provocado pelo lápis?
González
Ryszard Wojcik é um árbitro polaco dos anos 80/90. O seu currículo até nem é vasto, só um jogo a sério, no Mundial-98, entre Holanda e Coreia (5:0). Antes, em 1991, encarrega-se do Brasil vs Costa de Marfim e, depois, do Portugal vs México. Aos 24 minutos, mostra o cartão amarelo a González, número 14 mexicano, por falta sobre JVP. No intervalo do prolongamento, González protesta com Wojcik e este dá-lhe outro amarelo. Todos aguardam o respectivo vermelho. Nada feito, o 14 continua em campo e vai até ao fim.
Na zona mista, os jornalistas questionam o árbitro e a resposta é sincera. ‘Já pedi desculpas a quem de direito e fiz o mea culpa junto dos dirigentes da FIFA. O lápis apagou-me o 1 do 14. Quando mostrei o segundo amarelo ao González, pensei que fosse o primeiro. Que aquele da primeira parte tivesse sido ao 4 [Trejo].’