Da Vinci, gourmet e guardanapo
Bob Dylan, sempre. Há pessoas ainda a escrever sobre o Nobel da Literatura. Admito, é estranha a sensação de dizer a meio de um jantar de amigos “olha lá, bora aí ouvir um som do Nobel da Literatura.” É a mesma coisa que dar um Nobel da Nouvelle Cuisine ao Mestre Leonardo. Sim, esse mesmo, o Da Vinci. O da Mona Lisa. O da Última Ceia.
O mestre Leonardo é um génio como nenhum outro. Leonardo, Nobel da Nouvelle Cuisine. Porquê? Reparem só nesta preciosidade: “Aquilo que recobre a mesa do meu Senhor Ludovico enche os meus olhos de vergonha. Cada prato é uma imundice monstruosa. Tudo é quantidade. Existe mais beleza num simples rebento, mais dignidade numa pequena cenoura do que numa dúzia das suas taças de ouro a abarrotar de carne e ossos, há mais subtileza numa velha ameixa seca, mais alimento num par de feijões verdes?” G’anda nível. “Se o meu Senhor Ludovico quer o prato de carne e ossos, que seja apresentada como tal e não sobre uma mistura irreconhecível, sufocada por um molho indestrutível, mas que, pelo contrário, a carne seja apresentada em pedaços de contorno nítido, com linhas igualmente nítidas e os ossos belamente dispostos à sua volta.”
Calma, há mais do Leonardo. Como aquele episódio da invenção do guardanapo. Conta-o Pietro Alemanni, embaixador de Florença em Milão. “Ultimamente, o mestre Leonardo tem descurado as suas esculturas e geometrias para dedicar toda a atenção para os problemas das toalhas de mesa. Ontem à noite, apresentou a solução, com um pano individual colocado à frente de cada conviva. Mas, para perturbação de Mestre Leonardo, ninguém achou modo de o utilizar ou soube o que fazer com ele. Alguns foram ao ponto de se lhe sentar em cima. Outros assoaram-se nele. Outros, ainda, serviram-se dele para o atirarem, em tom de brincadeira, a outros comensais. Mas houve também quem o utilizasse para envolver a vitualha e a ocultar no bolso. Depois do repasto terminado, encontrando-se a toalha tão suja como de costume, Mestre Leonardo confiou-me a sua angústia de que o invento nunca chegasse a ter aceitação.”