Great Scott #337: Último árbitro português a chegar ao estádio sem conhecimento do adiamento do jogo na 1.ª divisão?
Manuel Lousada
Mil-nove-e-troca-o-passo.
Agora a sério, 1955-56. É uma época sublime para o Porto, a conquista da primeira dobradinha da sua história. Para tal, importa realçar a chegada de dois brasileiros. Um é avançado e chama-se Jaburu. Amante da noite, é um goleador irresistível. Daí os 29 golos em 28 jogos de 1.ª divisão. O outro é treinador e dá pelo nome de Dorival Knipel, mais conhecido como Dorival Yustrich pelas semelhanças físicas com Juan Elias Yustrich, popular guarda-redes argentino nos anos 30 e 40.
Yustrich vira Homão no Porto. Porquê homão? Pela sua estatura (1,90 de altura) e feitio irascível. Entre outras coisas, não gosta de jogadores com o cabelo comprido nem de fumadores. E afasta os jogadores Carvalho mais Porcel. É um homem complicado e, por isso, gera facilmente antipatias dentro e fora do balneário, razão pela qual é dispensado no final da época, mesmo com os dois títulos nacionais já citados.
A conquista da 1.ª divisão é festejada na última jornada, 3:0 vs Académica. Com a igualdade pontual em relação ao Benfica (41 pontos), a primeira forma de desempate é o confronto directo e, nesse aspecto, o Porto leva a melhor (3:0 nas Antas, 1:1 na Luz). A Taça de Portugal é levantada numa final inédita vs Torreense (2:0, bis de Hernâni). Ao todo, 31 jogos, 23 vitórias, sete empates e uma única derrota (com o Sporting). Na despedida, Yustrich diz apenas: ‘O FC Porto triunfou e eu fui a semente.’
Nesse bonito e quase imaculado percurso, o Porto irrita-se solenemente com a federação a propósito do clássico vs Sporting, nas Antas, marcado para 11 Dezembro 1955. Acontece o impensável, a selecção de Lisboa joga em Madrid e o voo atrasa-se por imperativos de ordem meteorológica. Neve, vá. Há quem chegue na tarde do dia do próprio jogo (o avião aterra às 18 horas na pista da Granja do Marquês, na base aérea n.º 1 em Sintra), há quem chegue só no dia seguinte, como Travassos. Posto isto, não há jogadores do Sporting para ir ao Porto. Só que ninguém sabe. Nem sequer o árbitro, o escalabitano Manuel Lousada.
O homem sai bem cedo de Santarém com os dois auxiliares e conduz até às Antas. O telegrama da federação a dar conta do adiamento do clássico só chega a sua casa às dez da manhã. À falta de comunicações como as de hoje, Manuel Lousada chega ao Porto e apanha um clima de natural euforia. Todos os 53 mil bilhetes esgotam num par de dias e há casa cheia. Na classificação, o Porto é o líder invicto com dois pontos de avanço sobre o Benfica e quatro sobre o Sporting. Só perto da hora do clássico é que se noticia o adiamento. Beeeeem, é o fungagá. A malta insurge-se, tanto fora como dentro do estádio. O presidente portista César Bonito é a cara do descontentamento com um discurso anti-federação.
Nas Antas, à hora do jogo, entram o trio de arbitragem e as duas equipas. Então? Yustrich organiza um treino à porta aberta entre os titulares e os suplentes. Para a história, o Porto A inclui Pinho; Virgílio, Arcanjo e Osvaldo; Pedroto e Monteiro da Costa; Hernâni, Gastão, Jaburu, Perdigão e José Maria. O Porto B reúne Acúrcio; Correia, Vale e Sarmento; Albosini e Sá Pereira; Carlos Duarte, Haffane Aly, Noé, Joaquim e Romeu. O clássico é adiado até ao primeiro dia de 1952. Nesse 1 Janeiro, o Porto joga finalmente com o Sporting e ganha 3:1, sob o apito de Manuel Lousada. Ao intervalo, 0:0. Na segunda parte, Carlos Duarte, Jaburu e Hernâni enganam Carlos Gomes. Cabe a Vasques reduzir a desvantagem, aos 79 minutos.