Great Scott #372: Quantos segundos aguenta Batista em campo até apanhar de Maradona no Mundial-82?

Great Scott Mais 09/08/2021
Tovar FC

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Great Scott #372: Quantos segundos aguenta Batista em campo até apanhar de Maradona no Mundial-82?

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Diego concentra-se totalmente no Mundial-82, em Espanha. Com o futuro resolvido, ainda por cima do lado de Menotti no Barcelona. Que comecem os jogos. Por coincidência, o jogo inaugural é em Camp Nou, no dia 13 Junho. De um lado, a campeã mundial Argentina. Do outro, a vice-campeã europeia Bélgica. É o tal jogo da mais famosa fotografia de Diego em que um número considerável de belgas parecem assustados com a bola controlada no seu pé esquerdo.

Puro engano, o lance é um livre indirecto em que Ardiles rola a bola para Diego. O repórter fotográfico Steve Powell bate a chapa no preciso momento em que a barreira de seis belgas se desfaz e encara o 10. Do cruzamento, zero de perigo. Millecamps afasta para fora da área. A Bélgica surpreende, por conta do golo solitário de Vandenbergh, aos 62 minutos. Acaba 1-0, uma decepção maiúscula para a Argentina e, sobretudo, Diego, marcado em cima (e bem) pelo capitão Gerets.

No jogo seguinte, dia 18 Junho, em Alicante, a Argentina afasta os fantasmas da estreia e atira 4-1 à Hungria, que havia goleado El Salvador por 10-1 três dias antes. A estrela da companhia marca dois golos, o primeiro é uma palomita (salto de peixe), o segundo um zurdazo de fora da área. Na baliza, o ilustre sportinguista Meszaros.

Segue-se o pobre El Salvador, país metido numa guerra civil e, para cúmulo, desvastado por um tremor de terra. A ilusão é imensa. Todos os salvadorenhos querem tocar em Diego. E tocam. É faltas atrás de faltas, não há maneira de Diego sair a contento com um drible. Por isso, recua no terreno e veste o manto de invisibilidade. Com a vitória mais que assegurada por Passarella, de penálti, e Bertoni (2-0), a Argentina qualifica-se em segundo lugar do grupo, atrás da Bélgica.

Na fase seguinte, Argentina cai no grupo mais difícil de todos, com Itália e Brasil. Que regabofe no Sarriá, a caixa de fósforos do Espanyol, em Barcelona. O primeiro jogo é vs Itália, apurada para esta fase com três empates (Peru, Polónia e Camarões). No campo, Diego apresenta-se disposto a fazer história. E faz, só que ao contrário, e por culpa de um defesa-carraça. Claudio até pode ser, Gentile é que não. Claudio Gentile é um dos defesas mais chatos da história, estilo Nobby Stiles, conhecido e reconhecido para sempre como o marcador mais implacável de Eusébio. Único campeão mundial nascido na Líbia, o bom do Gentile faz-se notar na Juventus de Trapattoni, ao lado de figuras históricas como Zoff, Scirea e Cabrini. Se todos estes três transmitem uma áurea de gentleman e fair-play xxl, Gentile é totalmente o contrário. Irascível ao máximo, quer lá saber da educação. Daí que seja um marcador exímio. A sua fama remonta aos anos 70, na noite em que a Itália apanha 2-0 da Inglaterra em Wembley, a caminho do Mundial-78.

Steve Coppell conta. ‘Gentile marcou-me e passou o tempo a cuspir-me na cara e a chamar-me ‘english pig’. Levou um cartão amarelo ainda na primeira parte por puxar-me a camisola. Já no chão, conseguiu dar-me um pontapé na cabeça com a desculpa de que a bola estava perto. Enfim, Gentile era este tipo de jogador. Numa outra jogada, já na segunda parte, a bola ainda ia no ar e ele apertou-me os testículos com tanta força que me deu vontade de pedir a substituição’. Passam-se uns anos. Gentile aprimora a arte da marcação individual. No mercy. E quase zero vermelhos. Em toda a carreira espalhada por 677 jogos, só uma expulsão. E por duplo amarelo, em Brugge (Bélgica), para a Taça dos Campeões 1978. Na segunda fase de grupos do Mundial-82, a fama de Gentile atinge o pico. Há dois 10 exasperados. Um é Zico, o outro é Maradona. Se a camisola de Zico é rasgada nas costas (mal se percebe o número), a de Maradona até acaba o jogo intacta.

O problema (para Maradona, claro) é o número abusado de entradas desleais. Na primeira parte, 11 faltas. Na segunda, 12. Ao todo, 23 faltas em 40 duelos entre eles. Incrível, e inédito. Significa uma falta em cada quatro minutos. Nunca um jogador sofrera tanto aos olhos de toda a gente em pleno Mundial-82. Como se isso fosse pouco, o árbitro romeno Rainea comete a proeza de sacar primeiro o amarelo a Maradona do que a Gentile. O argentino vê aos 35 minutos, por refilar um puxão na camisola, o italiano aos 43′ por what else.

A intra-história da marcação individual também tem o que se lhe diga. A dois dias do jogo com a Argentina, o seleccionador Enzo Bearzot bate à porta do quarto de Gentile e pergunta-lhe sem rodeios se se importa de marcar Maradona. ‘Sem problema’ é a resposta. Bearzot vira as costas e Gentile passa as 48 horas seguintes a devorar vídeos de Maradona. E chega a uma conclusão, é impossível travá-lo lealmente. Diria mais tarde, num tributo a Maradona para a revista argentina ‘El Gráfico’, ‘se pestanejas meio segundo, já o perdeste’. E remata assim: ‘Ainda não percebi como é que dois seleccionadores com amplo conhecimento do jogo como Bobby Robson e Guy Thys deixaram-no à solta, sem marcação individual. Porquê? Como? Difícil de entender.’ Portanto, toma lá 23 faltas.

Com Zico, o relato é mais divertido. Porque Bearzot assinala-lhe Éder como marcador. No túnel de acesso ao relvado, Bearzot muda de ideias e diz-lhe ‘afinal é o Zico’ ao que Gentile retribui ‘Éder e Zico, os dois? Va bene’. É só rir, é a Itália no seu melhor, a caminho do tri. E Maradona, puteado com Gentile? Nada, nem um tiquinho. ‘Ele fez o seu jogo, o árbitro é que devia ter feito o seu trabalho’. Simples mais simples não há.

Ainda falta o Brasil de Telê Santana. Completamente desorientado, e sem maneira de brilhar em campo nem de se associar com Ramón Díaz (o seu fiel escudeiro no Mundial sub20 em 1979) ou Kempes, a impaciência de Diego ganha asas. Vai daí, acerta um pontapé em Batista e é expulso com vermelho directo, a cinco minutos do fim. ‘Passei o tempo a apanhar. Quando resolvi dar uma vez, fui expulso. Estou arrependido, claro.’

Pormenor inquietante: Batista acabara de substituir Zico. Com a vitória mais que assegurada, Telé mexe. Batista entra na boa, para cumprir o sonho de jogar no Mundial, ainda por cima com a Argentina. Passa um segundo, maravilha. Dois, quatro, oito, 16, 32, 64. Ao 94.º segundo, pauuuuuuu. Batista apanha de Diego. Aí está uma história para contar aos netos.

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