Great Scott #384: Quem renuncia entrar em campo no Benfica vs Liverpool em 1978?
Vítor Baptista
O maior. O maior, sim. O rei da encrenca. Época 1977-78, o sorteio da primeira eliminatória da Taça dos Campeões dá Benfica vs Torpedo Moscovo. Na Luz, 0:0. Á partida para Moscovo, ainda no Aeroporto da Portela, o inglês John Mortimore convive com a excentricidade de Vítor Baptista, mascarado de ‘teddy boy’ no meio da elegante comitiva benfiquista. Chamado à atenção pelos dirigentes, Vítor barafusta e lança um ultimato: ou é como eu quero ou não vou para a URSS. O Benfica baixa a bola e aceita-o na viagem.
Passam 24 horas, já é terça-feira, dia de treino para adaptação ao relvado do Torpedo. Neva até mais não, o campo é um lençol branco. Os jogadores do Benfica apresentam-se de fato de treino, Vítor Baptista de manga curta e calções e, ainda por cima, a desdenhar do outfit dos companheiros. O treino propriamente dito é um regabofe. Os de fato de treino fazem tudo bem, o jovem de calções salta e pula como uma criança. Mortimone nem lhe dirige a palavra e, claro, não o convoca para o jogo. Que acaba 0:0. No prolongamento, nada de nada. Nos penáltis, Bento defende o remate de Iurine e assina o 4:1 definitivo.
A segunda eliminatória é vs KB Copenhaga, duplo 1:0 com dois golos do lateral-direito Pietra, um de penálti na Luz e outro de bola corrida na Dinamarca. Em frente, de olho na final. Ou não. Nos ¼, sai o Liverpool. A primeira mão é cá, em Lisboa e o cartão de visita do Benfica é do melhor: 26 jogos sem qualquer derrotas entre 19 vitórias e sete empates. Quem contrai a tendência. Sim, quem?
Tchan tchan tchan tchaaaaaaan, Vítor Baptista. O homem, autor de um super golo ao Sporting no dérbi da Luz a 12 Fevereiro, é uma sombra de si mesmo. Três semanas depois desse golo, o do brinco, Vítor Baptista volta a protagonizar uma cena escandalosa. O filme começa na segunda-feira de manhã, com um telefonema do jogador para o Estádio da Luz a dar conta da sua dor de cabeça para justificar a falta ao treino matinal. Mortimore obriga-o a ir à Luz para ser visto pelos médicos, ao mesmo tempo que solicita ao Benfica a convocatória dos médicos do clube a título extraordinário. Tanto Vieira da Fonseca como Amílcar Miranda, profissionais em outros afazeres, chegam à Luz e aguardam Vítor Baptista, cuja entrada na Luz só se efectua às 13 horas, via táxi. Diz-se indisposto, sem forças e com dores de cabeça. Amílcar Fonseca observa-o e envia-o para estágio, com início marcado para as 1900.
No hotel do estágio, o toque de acordar para o pequeno-almoço é às 0845. Vítor Baptista levanta-se, toma o pequeno-almoço e volta a deitar-se. Às 0925, o seu companheiro de quarto diz-lhe que faltam cinco minutos para descer e apanhar o autocarro. Toni sai do quarto, Vítor Baptista vai lavar os dentes. Às 0930, o autocarro sai para o treino na Luz sem Vítor Baptista. Às 11, Mortimore incumbe o massagista José Ramos de ligar para o hotel e saber do paradeiro de Vítor Baptista. As queixas das dores de cabeça continuam e acrescem-se as de dentes. ‘Se olho em frente, tudo bem; se viro a cabeça para qualquer lado, sinto dores fortíssimas.’ Muito bem, Mortimore chama então o médico Levy Aires e este leva o avançado a um dentista chamado Eduardo Matos. Uma radiografia ao jogador detecta uma artrite no malar do maxilar interior esquerdo.
Mortimore reúne-se com o capitão Toni e chega a um entendimento: se Vítor Baptista se treinasse ainda nesse dia, o plantel do Benfica aceitá-lo-ia de volta; caso contrário, seria expulso do estágio. Mortimore concorda com o plano de Toni e, juntamente com José Ramos, conversa demoradamente com Vítor Baptista sobre o ultimato dos companheiros. Vítor acede e treina das 18 às 19 horas com Mortimore no Estádio da Luz. Segue-se o jantar, sem novidades de maior.
No dia seguinte, o do jogo na quarta-feira, Vítor Baptista vai ao treino matinal e, na parte final, queixa-se a Mortimore de dores. Palavra puxa palavra, Vítor insiste no problema físico e diz-se sem forças para ir a jogo. Segue para o hotel, onde só almoça sopa, enquanto todo o plantel manifesta a sua surpresa com a autoexclusão. O capitão Toni toma a decisão de manter Vítor Baptista no hotel para evitar dar trunfos ao Liverpool.
Em noite de chuva intensa, impraticável para o futebol nas declarações do treinador inglês Bob Paisley, o Liverpool ganha 2:1 e um dos assuntos é a ausência de última hora de Vítor Baptista. Toma a palavra o capitão. ‘Chega de brincadeiras, porque o nome do Benfica se sobrepõe aos nomes de todos os Tonis e de todos os Vítores Baptistas. Falo em nome dos jogadores e posso afirmar que não contamos mais com o Vítor Baptista. De há algum tempo para cá, o Vítor estava a comportar-se excelentemente. Depois de ter assinado pelo Vitória, o Vítor nunca mais foi o mesmo, não sei se foi por receber dinheiro do clube de Setúbal. É uma pena tudo isto.’