Great Scott #402: Único Mundial de futebol sem jogos ao domingo?
1966
A táctica é bem simples: guarda-redes do Belenenses, defesa do Sporting e ataque do Benfica. Com estes ingredientes, Portugal estreia-se de forma entusiástica na história dos Mundiais após eliminar a então vice-campeã mundial Checoslováquia na fase de qualificação.
Pela mão do treinador brasileiro Otto Glória, que chegara a Lisboa em 1954 para mudar o Benfica do futebol amador para o profissional, a selecção nacional enche-se de glória, assim como os jogadores, mais conhecidos por Magriços, na sequência de um concurso de alcunhas promovido pelo jornal “A Bola”. Entre Zé, Lusito, Piruças, Magriços, Cockinhas e Pimpão, o povo escolhe Magriços e Magriços é até ao fim. Vestido de galo futebolista de Barcelos.
Na comitiva portuguesa, 34 pessoas entre 11 dirigentes, já incluídos o seleccionador Manuel da Luz Afonso, o treinador de campo Otto Glória e o seu adjunto Fernando Caiado, e 23 jogadores (aos 22 convocados pela FIFA acrescente-se o intruso Fernando Mendes, que fractura a perna na Checoslováquia durante a qualificação e ganhou este prémio). À chegada a Londres, um dirigente da FIFA, de seu apelido Robinson, dá as boas-vindas a Portugal com um certo cinismo, que se revelaria premonitório: “Desejo-vos todas as felicidades, sem esquecer que a Inglaterra está na prova.”
Que comece então o Mundial. Instalada em Manchester, a selecção portuguesa despacha os três rivais do grupo com a chapa 3 (Hungria, Bulgária e até o Brasil de Pelé). Pelo meio, uma série de curiosidades. Na estreia, por exemplo, ninguém em Portugal vê o primeiro golo, de José Augusto, aos três minutos. A Emissora Nacional só começa a transmitir o jogo um pouco depois. Com a Bulgária, outro exemplo, o autocarro da selecção parte para o hotel sem Otto Glória, que faz a viagem no carro dos jornalistas! Com o Brasil, o inesquecível episódio da quezília entre Morais e Pelé. Lesionado, após duas entradas fora de tempo ao joelho direito, o brasileiro ameaça: “Eu ti parto uma perna.” Ao que Morais responde: “Vai mas é fazer as malas [para casa].” E a isto Coluna acrescenta: “Pelé, olha que o Morais é perigoso, tem maus fígados.”
Nos quartos, a Coreia do Norte ganha 3:0 aos 24’ quando Eusébio se irrita e marca golos seguidos. Mais um de José Augusto e 5:3. Meias-finais, aí vamos nós. Espera-nos a anfitriã Inglaterra em Wembley. O avançado Bobby Charlton marca duas vezes e Portugal só uma, Eusébio de penálti. Resta a consolação, 2:1 à URSS com José Torres a garantir o pódio a três minutos do fim. “Os Magriços em mangas de Tamisa”, escreve Carlos Pinhão n’A Bola. A história está escrita. Com glória. Daí para a frente, só a Croácia 1998 repete o feito português de estrear-se em Mundiais com um terceiro lugar.
A Inglaterra ganha o título, num sábado à tarde (4:2 vs RFA após prolongamento). É uma final esquisita com dois golos irregulares, os dois últimos, os da vitória. No 3:2, a bola não passa completamente a linha de golo. No 4:2, há adeptos em campo no momento do remate vitorioso. Enfim.
Repetimo-nos: a Inglaterra ganha o título, num sábado à tarde. Sábado? Oh yeaaahh, o Mundial-66 é o único de sempre sem qualquer jogo aos domingos. Considerado um dia sagrado pela igreja anglicana, o Mundial começa a uma segunda-feira e acaba a um sábado.