Great Scott #430: Qual é a primeira equipa da 2.ª divisão numa ½ final europeia?
Cardiff
Atenção, muita atenção, ok Cardiff é uma equipa muito especial. Special one, até. Para início de conversa, é o único clube fora de Inglaterra a levantar a Taça de Inglaterra. Acontece em 1927, vs Arsenal. O solitário golo da tarde em Wembley é marcado pelo escocês Ferguson aos 74 minutos, num lance em que o guarda-redes galês Dan Lewis deixa a bola escapar por entre os braços, depois de a ter encaixado contra o peito. Queixa-se o homem do equipamento novo, ainda todo brilhante e escorregadio. Verdade seja dita, a partir daí, o Arsenal passa a lavar a camisola do guarda-redes no próprio dia do jogo para evitar mais incidentes deste tipo. Só mais um pormenor de outros tempos, o Cardiff conquistaria a Taça de Gales duas semanas depois (2:0 vs Rhyl).
Passam-se uns anos, já estamos em 1967. O Cardiff evita a descida à 3.ª divisão inglesa na última jornada e ganha mais uma Taça de Gales, agora ao Wrexham. Apurado para a Taça das Taças, a equipa galesa elimina Shamrock Rovers (Irlanda) e NAC Breda (Holanda) até chegar aos ¼ final. So far, so good: duas vitórias, dois empates e 8:3 em golos. O sorteio indica Torpedo Moscovo como próximo adversário. É o fim da aventura?
Os soviéticos têm uma equipa bastante boa, com Eduard Streltsov à cabeça. Ele é o Pelé da URSS, cheio de truques e fintas. Por culpa de uma facada no matrimónio (ou de uma emboscada do regime, nunca se saberá), é preso durante sete anos. No regresso à competição, muito duvidam da sua forma e Streltsov dá uma bofetada de luva branca com o título de melhor jogador do campeonato 1966, conquistado precisamente pelo Torpedo. Na altura do sorteio, Streltsov é o melhor jogador da URSS, eleito pelo comité. Há mais craques no Torpedo, como o maestro Voronin (irradiado do futebol por problemas com o alcoolismo e, depois, readmitido) e o guarda-redes Kavazashvili.
Em Cardiff, 30 mil adeptos soltam o grito de vitória graças a um golo do extremo Barrie Jones. Na 2.ª mão, os campos em Moscovo estão completamente gelados. É impossível jogar à bola, daí que o jogo seja transferido para Tashkent, agora Usbequistão, a mais de três mil km da capital soviética – o dobro de Cardiff. Uma nuance: o Cardiff joga na UEFA sob as regras da UEFA. Ou seja, não pode alinhar com mais de dois estrangeiros e, aos olhos da lei, escoceses e ingleses consideram-se como tal. Portanto, é preciso fazer mudanças em relação ao onze que costuma jogar na 2.ª divisão – jogam então Richie Morgan a central e Bob Wilson a guarda-redes
Tashkent, ‘tá frio. O Torpedo ganha 1:0 e empata a eliminatória. À falta de formas de desempate, é necessário um terceiro jogo. A UEFA decide Augsburgo, na RFA. É ali a meio caminho e tal. O Cardiff surpreende tudo e todos com outro 1:0, outro golo aos 43 minutos, agora do ponta-de-lança Norman Dean, ainda sem qualquer golo nessa época desportiva. A exibição de Wilson é épica, ao ponto de o treinador soviético Ivanov soltar um curioso desabafo. ‘Se este é o guarda-redes suplente do Cardiff, então devem nascer guarda-redes debaixo das árvores em Gales.’
Toma lá, ½ final para o Cardiff – é a primeira equipa de sempre, a segunda é a Atalanta de Strömberg nos anos 80, também na Taça das Taças. O adversário agora é o Hamburgo e a movida é discutida até ao último instante, 1:1 na RFA, 2:3 em Gales. Na final, o Hamburgo soçobra perante o Milan de Trapattoni (ainda jogador) por 2:0. Para tras, o conto de fadas do Cardiff. Que seria eliminado à primeira na época seguinte, pelo FC Porto, com direito a penálti falhado por Toshack (defesa de Américo) a evitar o prolongamento nas Antas.
Só a título de curiosidade, o Sporting vencedor da Taça das Taças 1964 é afastado à primeira da defesa do título em 1964-65 precisamente pelo Cardiff. À derrota 2:1 no José Alvalade, junta-se o nulo em Gales. Que equipa, o Cardiff.