Great Scott #460: Única equipa africana na final da Taça dos Campeões Europeus em hóquei em patins?
Ferroviário Lourenço Marques
É um sonho, uma equipa africana a jogar a Taça dos Campeões Europeus. É um conto de fadas, uma equipa africana a chegar à final da Taça dos Campeões. Acontece ao Ferroviário de Lourenço Marques, de Moçambique, onde joga (e de que maneira) o mestre Fernando Adrião.
First things first. Estamos em 1973, às portas do 25 Abril, e as colónias ainda pertencem a Portugal. No futebol, há um mini-torneio entre equipas de todos os PALOP para definir dois (às vezes, três) representantes para entrar a meio da Taça de Portugal. Por essa razão, o Mindelense, de Cabo Verde, está no livro de recordes da competição como actor secundário da maior goleada de sempre, um 21:0 vs Sporting no José Alvalade. Curiosamente, no mesmo dia, 23 Maio 1971, regista-se a única eliminação de uma equipa portuguesa (U. Coimbra) vs equipa africana (Independente de Porto Alexandre, de Angola).
No hóquei, a movida sobe de parada. Porque a federação autoriza a participação de equipas ultramarinas no quadrangular final. Em 1973, o Benfica de Livramento ganha as duas fases metropolitanas com uma só derrota (6:1 vs Sporting no arranque da época) em 24 jogos. Ganha assim o direito de viajar até Luanda para jogar o tal quadrangular, com a participação de um representante moçambicano (Ferroviário de Lourenço Marques), um angolano (Banco Comercial de Angola) e o anfitrião (Benfica de Luanda). No sistema de todos contra todos, o título só se resolve no último dia.
É uma sexta-feira, 26 Outubro 1973. No primeiro jogo da noite, o Ferroviário de Lourenço Marques despacha o Benfica de Luanda por 3:0 e aguarda o desfecho do Benfica vs Banco Comercial. O Benfica só precisa de um empate para se sagrar campeão. Cai o Carmo e a Trindade, o Benfica perde clamorosamente por 4:2 e acaba em segundo lugar. O Ferroviário é campeão português e apura-se para a Taça dos Campeões Europeus. O herói Adrião está nas nuvens. ‘Estive parado alguns anos, mas este regresso fez-me bem e somos uns justos campeões nacionais. Vamos entrar na Taça dos Campeões e queremos muito honrar a bandeira de Portugal. Há um ano, o Benfica perdeu a final à justa. Para o ano, queremos ser a primeira equipa nacional a conquistar a Taça dos Campeões.’
O caminho do Ferroviário na Europa começa com duas vitórias vs Zurique (Suíça), uma no Estoril por 13:3 e outra na Suíça por 7:3. Nos ¼ final, o Novara (Itália) é cilindrado em casa por 13:4 e já nem quer jogar a 2.ª mão no Paivlhão da Juventude Salesiana. Venha de lá então o Reus, campeão espanhol em título. Na primeira mão, a 15 Junho 1974, o primeiro golo da noite pertence ao inimitável Fernando Adrião. O Reus faz então jus ao factor casa e dá a volta antes do intervalo. Na segunda parte, mais três golos e a vitória está mais que assegurada com 5:1. Só que, entre os minutos 18 e 21, o Ferroviário aproxima-se vertiginosamente do vencedor com golos de Passos e José Adrião (2).
Uma semana depois, no dia 22 Junho, cerca de 1800 pessoas assistem à épica vitória do Ferroviário por 3:1. O Reus começa melhor, com golo de Ávila aos 5 minutos. Ainda antes do intervalo, Fernando Adrião empata o jogo, Pereira empata a eliminatória e Fernando Adrião bisa com outra stickada de longe. A segunda parte é um festival de oportunidades perdidas pelo Reus, a mais badalada é uma bola ao poste de Giralt. O Ferroviário congela a bola e segura a vantagem preciosa. A festa é linda, o Ferroviário está na final e vai discutir o título com o campeão em título.
Barcelona, eis o Palau Blaugrana cheio como um ovo. Mais de três mil pessoas puxam ruidosamente pelo Barcelona e o resultado é o mais fascinante possível para a equipa espanhola com 5:0 ao intervalo (hat-trick de Villacorta). Na segunda parte, Chércoles faz o 6:0, Passos reduz para 6:1, Chércoles amplia para 7:1, Borges volta a reduzir e é de Villacorta o 8:2 final. O jogador-treinador Fernando Adrião faz saber da recuperação física do seu irmão José para o jogo da segunda mão, daí a três dias. ‘O meu irmão é avançado e possui um disparo forte, conto com ele para dar uma alegria a Portugal.’
A decisão começa às 2230 e é transmitida em directo na televisão, tanto na RTP como na TVE. O Ferroviário Fernando António, José Pedro, Fernando Adrião, Borges e Jorge Adrião no cinco inicial. O Barcelona responde com Pons, Vilallonga, Vila, Chércoles e Villacorta. O pavilhão está novamente a abarrotar. O Barcelona marca aos 6’, por Villacorta, e o Ferroviário enche-se de brio para chegar ao 3:1 ao intervalo. Os irmãos Adrião jogam nas horas, com Fernando a somar duas assistências e José dois golos – o outro é de Borges.
O 4:1 de Fernando Adrião anima o pavilhão, e também o Barcelona. Com um golo de Villa e dois de Villacorta, chega-se ao empate a quatro e, aí, o Ferroviário vai-se abaixo. Ainda consegue o 5:4 da vitória, obra de Fernando Adrião, mas assiste à coroação do Barcelona como bicampeão europeu, e de novo em Portugal após o 7:7 vs Benfica em 1973.