#29 Atlético Madrid 1995-96
Mil-nove-e-setenta-e-sete. O Atlético solta o grito de campeão e, ironia das ironias, o Real Madrid falha a qualificação europeia pela primeira vez na história com o sexto lugar na Liga espanhola. Dezanove anos depois, em 1996, a tripla proeza repete-se: o Atlético saca o título de campeão e o Real Madrid acaba em sexto, sem direito a Taça UEFA.
Ao cabo de nove ‘projectos’, 27 treinadores despedidos e mais de 70 jogadores triturados, Gil y Gil faz finalmente a festa. Presidente do Atleti há nove épocas, Jesus é o louco visionário disposto a entregar a sua fortuna pelo clube, primeiro por devoção, depois por obrigação – quando a transformação dos clubes em sociedades anónimas (1992-93) o faz dar, como aval, as quintas, os cavalos, a fortuna pessoal.
A hesitação é de tal ordem que Gil y Gil só se decide na fuga para a frente a 10 minutos do termo do prazo estipulado pelo Estado para a conversão dos clubes em S. A. D. (excepção feita a Real Madrid, Barcelona, Athletic, Osasuna) e, assim, iniciar a reforma do sistema futebolístico para evitar a ruína financeira e, também atribuir responsabilidade máxima aos dirigentes dos clubes por eventuais gestões danosas.
Ao todo, Gil y Gil gasta 26 milhões de contos desde a sua eleição em 1987, com o trunfo Paulo Futre, até ao 25 Maio, dia em que os golos de Simeone e Kiko garantem a vitória vs Albacete no Vicente Calderón por 2:0. É o suficiente para cantar, dançar, curtir até de madrugada. Verdade seja dita, o Atlético passa 39 das 42 jornadas em primeiro lugar e é um vencedor justíssimo num campeonato louco e martelado com 22 equipas por culpa de burocracias várias, uma delas a envolver o Sevilha de Toni e Peixe.
Para 1995-96, Gil y Gil chama o treinador sérvio Radomir Antic, despedido inexplicavelmente do Real Madrid 1991-92 em primeiro lugar com sete pontos de avanço no início da segunda volta. Baaaah. O sucesso é Beenhakker, eliminado da Taça UEFA na ½ final e vice-campeão, atrás do Barcelona de Cruijff. Bahhhhhh. Antic vai pregar para outra freguesia e faz duas épocas interessantes no Oviedo, sempre em crescendo (9.º mais 7.º).
Quando Antic chega ao Atlético, o pensamento generalizado é ‘olha olha, mais um para a fogueira das vaidades’. Sim, o Atlético acabara a época anterior em 14.º. Sim, o Atlético tem um plantel de 30 jogadores. Sim, Antic vai ter trabalho em varrer.
A sua missão na pré-época é tirar as gorduras. Vai daí, adiós ao guarda-redes Abel – é aliás um Verão muito especial nas saídas de históricos como Butragueño (Real Madrid), Koeman mais Stoitchkov (Barcelona). Adiante, também saem Iván Rocha (lateral), Dobrovolski (extremo), Kosecki e Valencia (avançados).
Em matéria de contratações, Antic falha os três primeiros objectivos, dois deles já apalavrados: Onopko (a FIFA dá razão ao Oviedo e o central russo continua nas Astúrias) e Prosinecki (assina pelo Barcelona). O outro é Morientes, mais inclinado para o Saragoça.
E agora? Antic olha para o mercado e saca dois craques, ambos com 29 anos. Um é famoso, o avançado búlgaro Penev (Valencia), o outro é desconhecido, o maestro Pantic (Panionios). Juntam-se-lhes Biagini, miúdo argentino campeão mundial sub20 do Newell’s Old Boys, Molina e Santi, ambos do Albacete, e Roberto, do Espanyol. Assim de repente, nada de muuuuito especial se compararmos com as entradas internacionais e mais apelativas de Barcelona, agraciados com Popescu mais Figo, ou Real Madrid, com Esnaider mais Rincón.
Só que a equipa de Antic dá nas vistas e salta para a liderança com quatro vitórias seguidas (e seis golos de Penev). À quinta jornada, o Sevilha de Toni impõe um nulo no Sánchez Pizjuán. A fiesta prossegue com mais quatro vitórias seguidas. Stop vs Mérida em casa. Mais à frente, outro stop, vs Rayo também em casa. Na jornada seguinte, Raúl decide o dérbi no Santiago Bernabéu (1:0) e o Atlético desce para o segundo lugar, com os mesmos pontos de Barcelona (1.º) e Espanyol (3.º).
A ressaca é breve, nem dura seis dias, e o Atlético dá 3:0 vs Oviedo. A partir daqui, e estamos só a 25 Novembro, o Atlético soma e segue como nenhum outro rival e é campeão de inverno com sete pontos de vantagem sobre o segundo classificado, o surpreendente Compostela, cujo capitão/craque é o brasileiro Fabiano, futuro treinador do Estoril em 2015-16.
Com tanto à vontade, o Atlético dá-se ao luxo de se perder na imensidão de jornadas num calendário apertadíssimo e é normal que se veja em palpos de aranha uma vez ou outra. Como em Março, com tão-só duas vitórias em seis jogos. O Barcelona de Cruijff espreita a oportunidade e aperta com eles. À porta do clássico, em Camp Nou, três pontos separam as duas equipas. O que faz o Atleti? Espeta 3:1.
E agora? Não há volta a dar, Atlético é sofrimento puro. No regresso a casa, o Valencia de Luis Aragoñés aquece a Liga com bis de Mijatovic num 2:3. A quatro jornadas do fim, quatro pontos separam Atlético e Valencia – o Barcelona já corre por fora. Na penúltima ronda, a da eventual consagração, o Atlético saca um ponto em Tenerife aos 88’ com autogolo de César Gómez, enquanto o Valencia ganha 1:0 vs Espanyol.
Falta uma jornada, Atlético 84 pontos, Valencia 82. A emoção é garantida. Na maior enchente da época, com 60 mil pessoas no Calderón, o Atlético remata a sua faena com 2:0 vs Albacete, resultado construído antes do intervalo para descanso de Gil y Gil e fiéis seguidores. O primeiro golo da noite é de Simeone, actual treinador do Atlético. O homem joga no meio-campo, descaído para a direita (Pantic à esquerda, Caminero mais Vizcaíno no meio), e faz um campeonato verdadeiramente sensacional com 12 golos. Desses, três significam vitória e um empate. Contas feitas, sete pontos à conta de Diego.
Os 12 golos de Simeone superam os 11 de Kiko (três expulsões, caramba) e os 10 de Pantic. Acima do argentino, só mesmo Penev com 16. E o búlgaro ainda faz mais seis na Taça do Rei, também conquistada pelo Atlético – é a primeira dobradinha da sua história, e única, já agora.
Ah pois é, o Atlético faz bingo. E um bingo à maneira. No percurso, elimina Mérida, Betis, Tenerife, Valencia e Barcelona, tudo equipas de 1.ª, três delas apuradas para a final. É obra. De Gil y Gil. De Antic. De Pantic, o do golo solitário aos 102’ na final em Saragoça – é a terceira vitória seguida da época vs Cruijff, Figo, Hagi e Cª.
Na época seguinte, o Atlético de Antic perde magia por força do Real Madrid de Capello (e, vá, Secretário) e do Barcelona de Mourinho (e, vá, Robson). Ainda assim, há fogachos de qualidade. Que o diga Pantic, melhor marcador da Liga dos Campeões 1996-97 com cinco golos.
(a negrito, os jogos fora)
Real Sociedad | 4:1 | Penev-2 / Pantic / Simeone |
Racing | 4:0 | Penev-2 / Caminero / Simeone |
Athletic | 2:0 | Kiko / Penev |
Sporting Gijón | 2:0 | Vizcaíno / Penev |
Sevilha | 0:0 | |
Espanyol | 2:1 | Kiko / Pantic |
Celta Vigo | 3:0 | Kiko-2 / Simeone |
Deportivo | 1:0 | Simeone |
Valladolid | 1:0 | Simeone |
Mérida | 1:1 | Ángel Luiz (pb) |
Saragoça | 1:0 | Simeone |
Rayo Vallecano | 0:0 | |
Real Madrid | 0:1 | |
Oviedo | 3:0 | Vizcaíno / Simeone / López |
Betis | 1:2 | Penev |
Barcelona | 3:1 | Penev-2 / Caminero |
Valencia | 1:0 | Caminero |
Compostela | 3:0 | Penev / Simeone / Roberto |
Salamanca | 3:1 | Caminero / Penev / Roberto |
Tenerife | 3:1 | Juan Carlos / López / Penev |
Albacete | 1:1 | Simeone |
Real Sociedad | 0:1 | |
Racing | 2:0 | Penev / Kiko |
Athletic | 4:1 | Kiko / Pantic / Penev / Biagini |
Sporting Gijón | 2:1 | Pantic / Caminero |
Sevilha | 0:1 | |
Espanyol | 2:0 | Kiko / Penev |
Celta Vigo | 3:2 | Juan Carlos / Simeone / Caminero |
Deportivo | 2:2 | Penev / Pantic |
Valladolid | 0:2 | |
Mérida | 1:0 | Kiko |
Saragoça | 1:1 | Pantic |
Rayo Vallecano | 3:0 | Pantic-2 / Biagini |
Real Madrid | 1:2 | Pantic |
Oviedo | 1:1 | Caminero |
Betis | 1:1 | Pirri Mori |
Barcelona | 3:1 | Roberto / Vizcaíno / Biagini |
Valencia | 2:3 | Pantic / Geli |
Compostela | 3:1 | Caminero-2 / Simeone |
Salamanca | 2:1 | Kiko-2 |
Tenerife | 1:1 | Cesar Gómez (pb) |
Albacete | 2:0 | Simeone / Kiko |