Great Scott #684: Único expulso na ½ e titular na final de um Mundial?

Great Scott Mais 12/02/2022
Tovar FC

author:

Great Scott #684: Único expulso na ½ e titular na final de um Mundial?

Garrincha

O Chile-62 é o mais problemático de todos os 19 Mundiais, com demasiados chutos e pontapés sem a mínima consideração pelo próximo. Ao todo, lesionam-se 14 jogadores. Catorze mais um: Pelé. É ele o único a sair da prova sem receber uma patada digna desse nome; a sua lesão resulta de um rasgão muscular na coxa direita na hora de um remate à trave com a Checoslováquia (0:0), no segundo jogo da fase de grupos.

Sem o rei do Mundial-58, é Garrincha quem se assume como protagonista da selecção brasileira à procura do bi. O ponta-direita destaca-se sobretudo nos ¼ final vs. Inglaterra (3:1), com dois golos. De todos os adversários que encara no Sausalito naquela tarde de 10 Junho, apenas um vence Mané: um cãozinho preto, que invade o campo e se instala no meio-campo. Garrincha vira então defesa central e tenta agarrá-lo. Em vão. O cão finge que vai para ali e depois segue para acolá. É um baile, o público aplaude o espectáculo.

Quem consegue agarrar o cão é o avançado inglês Jimmy Greaves: agacha-se e, sem o assustar, pega nele até o conduzir para fora do relvado. Mais palmas. É o delírio da massa associativa. E também dos jornalistas. No dia seguinte, os jornais chilenos estampam na primeira página “Garrincha, de que planeta vienes?” O Brasil avança então para a ½ final e defronta o anfitrião Chile, que eliminara Itália na fase de grupos (2:0) e URSS nos quartos (2-1).

Na véspera do jogo, os jogadores vão à missa e recebem medalhas com uma mensagem de incentivo do Papa João XXIII. O golpe psicológico tem o efeito desejado pela delegação chefiada por João Havelange, futuro presidente da FIFA. O Brasil entra no Estádio Nacional em Santiago e nem dá conta do ambiente hostil provocado pela esmagadora maioria dos 76 500 espectadores. Garrincha marca um e outro. Ao intervalo, 2:1. No final do jogo, 4:2 (bis de Vavá).

Como esperado, o Brasil apurado para a final. Só há um problema para resolver: Garrincha é expulso por agressão ao guarda-redes Rojas. Quem vê o lance é o fiscal-de-linha uruguaio Esteban Marino e disso dá conta ao árbitro peruano Arturo Yamazaki. Aos 83 minutos, o Brasil perde a maior estrela para a final com a Checoslováquia no dia 17.

E agora? A preocupação toma conta do Brasil, óbvio. Imediatamente depois do jogo, entra em acção um senhor chamado Paulo Machado de Carvalho. Vice de Havelange na delegação brasileira, é ele quem dá a volta aos jogadores antes da final do Mundial-58 com a Suécia. Como as duas selecções jogam de amarelo e azul, há um sorteio (feito à revelia dos brasileiros, convém dizer) para ver quem actua com o equipamento alternativo. Surpresa das surpresas, é o Brasil. Demasiado supersticiosos, os jogadores ficam apavorados. Paulo Machado de Carvalho acalma-os, depois de comprar as camisolas. “Azul é a cor do manto da Nossa Senhora Aparecida.” O golpe psicológico funciona, 5:2 em Estocolmo.

Quatro anos depois, Paulo Machado de Oliveira repete a manha, agora com a conivência da FIFA ao promover um julgamento com os árbitros do caso Garrincha para absolver (ou não) o extremo. Estranhamente, a FIFA vai na conversa. Estranhamente, o fiscal-de-linha Marino falha a reunião. Estranhamente, o árbitro Yamazaki nada escreve sobre a expulsão de Garrincha no relatório entregue à FIFA. “Não fui eu que vi o lance da pseudo agressão”, justifica o peruano, mais tarde naturalizado mexicano. Sem esclarecimento verbal nem pessoal, deixa de haver caso e o Brasil pode alinhar Garrincha na decisão. O que dá um certo jeito (3:1).

Cadê Esteban Marino? É visto duas semanas depois, nas praias nordestinas do Brasil, a passar férias financiadas pela federação em recompensa pelos serviços (não) prestados. Em 2012, na comemoração dos 50 anos do bi, um tal Olten Ayres mete a boca no trombone. Conhecido por aplaudir um golo de placa de Pelé num Fluminense-Santos no Maracanã e também por apitar o jogo inaugural do Morumbi entre o São Paulo e o Sporting em Outubro 1960, ele é o árbitro reserva do Brasil e desvenda o mistério. “O João Etzel [árbitro titular desse Mundial] pegou 10 mil dólares e deu para o Esteban Marino a mando dos dirigentes da federação brasileira. Ele disse-me, sem pudor: ‘Fui eu que ganhei a Copa do Mundo. Fui eu que peguei os 10 mil dólares e levei para o Esteban Marino’”.

Calma, há mais. De novo Ayres no uso da palavra. “Aí passaram alguns anos e encontrei o velho e saudoso Esteban Marino, que foi um excelente árbitro. Ele estava à procura do João Etzel. Perguntei-lhe o porquê e disse-me que só lhe entregou metade do prémio.” Um drible à Garrincha, em abono da verdade.

Leave a comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *